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Física

Ecos da gravidade

Começa a funcionar o detector brasileiro de ondas gravitacionais

SERGIO TURANO DE SOUZA/USPCoração de metal: esfera de cobre de 1,1 tonelada está pronta para registrar as ondasSERGIO TURANO DE SOUZA/USP

Quando sobra tempo, o físico Sérgio Turano de Souza toca guitarra em uma banda de rock. Já não é lá muito assíduo aos ensaios e agora talvez tenha de faltar um pouco mais porque é um dos responsáveis pelo Detector de Ondas Gravitacionais Mario Schenberg, um equipamento único no país que começou a funcionar experimentalmente no dia 8 de setembro, sem hora certa para imprevistos. Por enquanto não houve nenhum – ao menos nenhum tão desalentador quanto o transbordamento do lençol freático, seis anos atrás, sobre o fosso que era cavado para abrigar o detector. Em um dos galpões do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP) começava então a etapa realmente concreta da perseguição às ondas que, se encontradas e se forem pulsadas em vez de contínuas, poderão mostrar que podem de fato existir as partículas elementares conhecidas como grávitons, por enquanto só previstas teoricamente, às quais se atribui a força da gravidade.

Semanas atrás, ainda que à espera de tarefas extras, a equipe coordenada pelos físicos Odylio Aguiar, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), e Nei Oliveira Jr., da USP, acompanhou a primeira coleta de dados, que seguiu por cinco dias contínuos, e a cada momento batia um olho no conjunto de aparelhos eletrônicos, fios, bombas de vácuo e termômetros meticulosamente organizados que cobrem um cilindro de alumínio de 1 metro de diâmetro por 3 de comprimento. Dentro desse cilindro é que se esconde o coração do detector: uma esfera maciça de cobre e alumínio, de 65 centímetros de diâmetro e 1,15 tonelada, suspensa por uma haste de cobre e mantida no vácuo sob uma camada de hélio líquido a quase 270 graus Celsius negativos. Sua sutilíssima pulsação – ou oscilação – indicará quando forem finalmente detectadas as ondas gravitacionais, que constituem um dos mais desafiadores objetos de estudo da física contemporânea.

Conhecidas até agora somente por meio de evidências indiretas, como a redução da órbita de estrelas binárias, as ondas gravitacionais são definidas como deformações no espaço resultantes do movimento acelerado de corpos grandes como as próprias estrelas. Podem ser comparadas com as ondas que se formam quando atiramos uma pedra sobre a água de um lago, ainda que sejam extremamente fracas e, teoricamente, possam se propagar à velocidade da luz. Elas fascinam os físicos porque representam o último teste da Teoria da Relatividade Geral, formulada em 1916 por Albert Einstein – todas as outras predições, como o desvio da luz ao passar perto de estrelas como o Sol, já foram comprovadas.

Exausto, sem voz e dormindo bem menos que o habitual por causa da entrada em operação do detector e das constantes viagens entre São Paulo e São José dos Campos, onde está o Inpe e sua casa, Aguiar sabe que tão cedo não será possível se pôr em pé de igualdade com as equipes de outros 11 detectores semelhantes – em operação há muitos anos nos Estados Unidos, Alemanha, Itália e Austrália –  que também correm atrás das ondas gravitacionais. “O detector é agora como um carro que andou pela primeira vez após juntarmos as peças que antes nunca estiveram juntas,”  compara o físico de 52 anos que há pelo menos 20 trabalha com equipamentos desse gênero. “A sensibilidade ainda está aquém do que precisamos para ser competitivos.”  Nessa fase inicial, de testes e ajustes dos componentes, o detector opera somente com três dos seis sensores previstos no projeto inicial. São os sensores que transformam as oscilações da esfera em sinais elétricos, captados por antenas de microondas e amplificados em frações de segundo antes de chegar ao computador instalado em um mezanino próximo a uma das paredes do galpão.

Vibrações audíveis
Até o final do ano, porém, devem ser instalados os sensores definitivos. Segundo Aguiar, serão muito mais refinados e sensíveis. Construídos em um dos laboratórios do Inpe pelo físico Sérgio Ricardo Furtado, os novos sensores – ou transdutores –  terão uma cavidade de nióbio, elemento químico supercondutor, e uma membrana de silício com uma espessura de 20 milésimos de milímetro. A membrana dos sensores atuais é metálica e apresenta uma espessura de 200 a 300 milésimos de milímetro, que resulta em uma sensibilidade bem menor às ondas que podem chegar a qualquer momento das profundezas do espaço.
Com os sensores definitivos, o detector poderá captar ondas gravitacionais nas freqüências de 3.100 a 3.300 Hertz, que se encontra na faixa dos sons que podem ser captados pelo ouvido humano. Portanto, seria possível ouvir a vibração da esfera de bronze, desde que os sinais passassem por um microfone e fossem amplificados, já que a esfera se encontra envolta por vácuo.

O detector instalado na USP custou aproximadamente US$ 800 mil, financiados pela FAPESP, e absorveu o trabalho de cerca de 30 físicos experimentais e teóricos da própria USP, do Inpe, do Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA), também de São José dos Campos, da unidade paulistana do Centro Federal de Educação Tecnológica (Cefet) e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ainda que entre só agora em uma corrida que já começou, conta com duas vantagens que resultam do fato de ser esférico: poderá captar as ondas que chegarem de todo o céu e determinar também a direção de onde vieram.

Já os detectores que funcionam com barras de alumínio em vez de esferas ou então por meio de laser poderão registrar somente as ondas, segundo Aguiar. “É quase impossível que peguemos a primeira onda,”  diz ele. “Mas serão os detectores esféricos que vão determinar a forma e a direção das ondas.”  Aguiar acredita que os físicos brasileiros, caso cheguem a essas informações igualmente estratégicas, poderão então conversar de igual para igual com os representantes das equipes à frente de equipamentos que custaram 400 vezes mais.

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