O Projeto Genoma Estrutural, lançado este mês pela FAPESP em parceria com o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), ligado ao Ministério de Ciência e Tecnologia, inicia suas atividades em março de 2001. O projeto, que conta com recursos da ordem de US$ 3,5 milhões, dá início à fase estrutural dos projetos Genomas da FAPESP, com ênfase no Projeto Genoma Humano do Câncer. Ele prevê o estudo de estruturas de proteínas para o entendimento de suas funções e o possível desenvolvimento de medicamentos de combate a diversos tipos de câncer.
A primeira etapa do Genoma Estrutural, com duração de quatro anos, compreende o estudo de cerca de 200 genes expressos e suas proteínas. Os genes serão selecionados e cedidos pelos vários projetos do Programa Genoma FAPESP, especialmente pelo Instituto Ludwig de Pesquisas sobre o Câncer, centro coordenador do Projeto Genoma Humano do Câncer.
O Centro de Biologia Molecular Estrutural (CBME/LNLS) terá a coordenação dos trabalhos do Genoma Estrutural. Esse centro já está plenamente ativo, tendo resolvido estruturas de cerca de duas dezenas de proteínas por difração de raio X. Algumas das proteínas estudadas são importantes alvos de inibidores (com potencial de se tornarem fármacos) para combater doenças como hepatite B, malária, variantes de Aids típicas do Brasil e câncer.
O projeto será desenvolvido, num primeiro momento, em cerca de 15 laboratórios dos setores público e privado do Estado de São Paulo. O edital já pode ser encontrado no endereço eletrônico da FAPESP. Os laboratórios interessados em ingressar no projeto deverão apresentar suas propostas/projetos até o dia 23 de fevereiro de 2001. Será dada preferência a laboratórios com experiência em seqüenciamento do DNA e clonagem de genes. Nas primeiras semanas de março, até cerca de US$ 1,5 milhão começarão a ser liberados entre os laboratórios selecionados.
Cada laboratório contará com, no máximo, US$ 100 mil para o desenvolvimento das pesquisas. Os valores deverão ser aplicados, em sua maior parte, na compra de equipamentos e reagentes, explica o bioquímico Rogério Meneghini, diretor do CBME, que coordenará o programa. Os equipamentos serão primordialmente aqueles necessários para expressão, purificação e cristalização de proteínas e os laboratórios que já os tiverem contribuirão para uma amortização nos investimentos da FAPESP. Por outro lado, em pouco tempo o CBME contará com um conjunto de equipamentos espectroscópicos, incluindo ressonância nuclear magnética, para estudos de estruturas de proteínas em solução, sem a necessidade de cristalização.
Entre os critérios de seleção dos grupos, destacam-se o interesse pelo domínio de técnicas de purificação e cristalização de proteínas para que suas estruturas tridimensionais possam vir a ser desvendadas. O conhecimento dessas estruturas será importantepara a definição das funções das proteínas em células normais que serão comparadas, por exemplo, com células cancerosas. Depois de decifrar a estrutura e o funcionamento das proteínas e a forma como elas atuam em determinado tipo de doença, os pesquisadores poderão partir para uma fase mais avançada desse processo, o desenvolvimento de inibidores de suas atividades (drogas desenhadas), concebidos para bloquear as atividades das proteínas que se manifestam de forma exagerada em células tumorais.
A determinação da estrutura tridimensional de uma proteína poderá ser alcançada por meio dos métodos de cristalografia em fontes de luz síncrotron, que utiliza o fenômeno da difração de raios X dos cristais moleculares das proteínas, e espectroscopia de ressonância magnética nuclear (NMR). Essa tecnologia exige que os laboratórios contem com pessoal especializado e estejam equipados com aparelhos utilizados em pesquisas de biologia molecular estrutural e áreas afins, que permitam – além de operacionalizar processos de extração, seleção, purificação e cristalização – a coleta de dados sobre a proteína que está sendo estudada, normalmente pelas técnicas de NMR ou raios X provenientes de uma fonte de luz síncrotron, por exemplo.
Rede virtual
A exemplo dos demais projetos do Programa Genoma FAPESP (GenomaXylella , Genoma Cana, Genoma Humano do Câncer e Genoma Xanthomonas), o desenvolvimento das pesquisas do Projeto Genoma Estrutural se fará por meio de uma rede virtual de laboratórios comandada pelo Centro de Biologia Molecular Estrutural, que colocará suas unidades de pesquisas biológicas à disposição dos participantes do programa. Segundo Meneghini, o Ministério da Ciência e Tecnologia destinou uma verba de US$ 3,7 milhões para o orçamento de 2001 do CBME/LNLS, o que permitirá que laboratórios de outros Estados se integrem à rede liderada pela FAPESP.
“É bom lembrar que a idéia de criação de uma rede nacional de laboratórios de biologia molecular estrutural está na esteira desse programa estadual porque é aqui em São Paulo que se concentram cerca de 60% dos grupos especializados e foi aqui também onde o Programa Genoma brasileiro nasceu e foi desenvolvido com sucesso”, observa o bioquímico Meneghini. Os grupos selecionados terão também a liberdade de propor o estudo de proteínas de interesse de seus próprios projetos de pesquisa e que nada tenham a ver com os projetos Genoma da FAPESP.
O diretor científico da FAPESP, José Fernando Perez, observa que o Genoma Estrutural carrega um significado múltiplo porque, além de prosseguir na linha de pesquisas do Programa Genoma FAPESP, que começou com o seqüenciamento do genoma da Xylella fastidiosa, facilita a capacitação profissional e reúne, pela primeira vez no país, equipes de profissionais de várias disciplinas. Físicos, cientistas da computação, bioquímicos e biólogos perseguirão um só objetivo: a produção de drug design (fármacos desenhados, drogas), a nova tendência mundial da ciência. “Agora vamos da bancada de pesquisas à farmácia. É um grande desafio, uma atividade de risco, como tudo em ciência, e estamos entrando numa área muito nova, ao mesmo tempo que pesquisas similares estão sendo desenvolvidas pelos americanos e europeus.”
Parecer positivo
O Projeto Genoma Estrutural foi submetido à análise de um comitê científico internacional no começo do anoe aprovado seis meses depois. “O parecer positivo dessa assessoria internacional representa a confirmação do sucesso do nosso Projeto Genoma e mostra que, finalmente, o Brasil começa a ser percebido no exterior como um pólo de pesquisa em biologia molecular de excelência, o mais sofisticado da América Latina”, diz Perez.
As pesquisas do genoma estrutural no mundo situam-se no espectro funcional (ou dinâmico) de atividades do Projeto Genoma Humano. Primeiro vieram as decifrações e anotações de parte do código genético humano (cerca de 90%); depois a transcrição do DNA em RNA (Transcriptoma); e a análise de conjuntos de proteínas (Proteoma), de fundamental importância para a compreensão do jogo molecular dos organismos vivos porque são elas que comandam o espetáculo da vida.
“As proteínas fazem de tudo num organismo, graças à versatilidade de suas estruturas: transportam o ferro no sangue, controlam a entrada de açúcar na célula, constituem-se em hormônios importantes e participam dos processos de grande complexidade biológica”, explica Meneghini. Ele acredita que, ainda nesta década, será possível chegar ao primeiro grupo de produtos do genoma estrutural – o aperfeiçoamento de formas de diagnósticos de cânceres, tratamentos dos mais variados e inibidores de moléculas protéicas ativas em doenças das mais graves da atualidade.
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