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Políticas Públicas

Em primeira mão

Grupo divulga previamente resultados de pesquisas sobre Aids para colaborar com a prevenção

Questionário aplicado pelo Projeto Muriel a travestis e transexuais que vivem no estado de São Paulo

Léo RamosQuestionário aplicado pelo Projeto Muriel a travestis e transexuais que vivem no estado de São PauloLéo Ramos

Um grupo de pesquisadores ligados à área da saúde pública tem adotado uma estratégia incomum em outros campos para divulgar resultados de pesquisa. Após a conclusão de um estudo segundo o qual a prevalência de infecção pelo vírus HIV permanece elevada (15,4%) entre homossexuais e travestis que frequentam bares, boates e outros locais de sociabilidade no centro de São Paulo, os pesquisadores resolveram divulgar os resultados desse trabalho para a população e órgãos públicos antes mesmo de publicá-los em artigo científico. A iniciativa faz parte do projeto SampaCentro, que reúne pesquisadores da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa, Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo, Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP), Instituto Adolfo Lutz, Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) e organizações não governamentais.

“Assim que analisamos os dados e organizamos as informações, fizemos reuniões com as pessoas que participaram do estudo, com organizações da sociedade civil e com agentes de saúde pública para alertá-los sobre as altas taxas de infecção e sobre a necessidade de políticas de prevenção dirigidas para o grupo de pessoas estudado”, conta Maria Amélia de Sousa Mascena Veras, professora da Santa Casa e coordenadora do estudo, realizado entre 2011 e 2012 e só publicado na revista Aids and Behaviour em novembro do ano passado. “Difundimos os resultados em eventos científicos e por meio de redes sociais”, diz ela.

Um dos motivos para apressar a apresentação do estudo é que boa parte dos participantes não sabia que estava infectada com o vírus da Aids. Após a realização das entrevistas, os 1.217 homens que fazem sexo com homens foram convidados a realizar a coleta de sangue para o teste de HIV. Desse total, 771 aceitaram participar do exame, dos quais 118 (15%) estavam infectados pelo vírus. Destes, 54 disseram que já sabiam que eram positivos para Aids – os demais (64) não tinham conhecimento disso. “O processo para publicação de um artigo pode levar meses. No caso da saúde pública, quanto mais precocemente disponibilizamos informações para a população pesquisada e para a saúde pública, maiores são as chances de influenciar aqueles que tomam decisões e elaboram políticas de combate à Aids”, diz Maria Veras. O levantamento, realizado entre 2011 e 2012, teve o objetivo de estimar a prevalência do vírus HIV na população de homossexuais e travestis e saber se eles têm acesso à prevenção, se sofrem discriminação e quais locais de sociabilidade frequentam.

O estudo mostra que a proporção de infectados entre as pessoas estudadas no centro de São Paulo é alta (6,4%) entre os mais jovens (homens de 18 a 24 anos) e entre os de mais baixa renda. Outras informações ajudam a compor o quadro: 63% dos entrevistados consideram-se brancos; 57% não têm o segundo grau completo; 60% disseram já ter sofrido algum tipo de preconceito e 30% relataram já ter tido relação sexual sob efeito de drogas, o que aumenta o risco de exposição a doenças sexualmente transmissíveis. Com base nos dados obtidos, diz a pesquisadora, é possível conhecer melhor essa população e agir de forma mais eficiente e assertiva no momento de desenhar políticas preventivas.

Desdobramentos
Outra iniciativa conduzida pelo grupo é o Projeto Muriel, que pretende estudar o quanto está vulnerável a população de travestis e transexuais femininos e masculinos. São avaliados dados sociodemográficos e de acesso a direitos e serviços de saúde e educação. O projeto está em andamento e deverá ser concluído no próximo ano. Até o momento, foram entrevistadas 259 pessoas, das quais 77% possuem até o segundo grau completo e 23% afirmaram ser portadoras do HIV. Essas e outras informações estão sendo divulgadas como resultados preliminares no site do projeto e fomentando reuniões com interessados, organizações não governamentais e órgãos de governo para melhorar o atendimento a esse público.

“A falta de informações precisas sobre travestis e transexuais impede a elaboração de políticas mais específicas para esse grupo”, diz Brunna Valim, 40, ativista do movimento LGBT/Aids e funcionária do Centro de Referência e Defesa da Diversidade de São Paulo. Além de participar do grupo estudado pelo Projeto Muriel, Brunna ajudou a equipe de pesquisadores a elaborar o questionário aplicado em várias cidades de São Paulo. “Os dados até agora nos mostram que travestis e transexuais demandam outros cuidados que vão além do tratamento da Aids, isso quando têm a doença. Trata-se de uma população que precisa de melhor acolhimento na atenção básica à saúde”, completa Brunna.

Para Ana Maria Costa, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde (Cebes), iniciativas como estas realizadas em São Paulo estão no cerne da pesquisa em saúde coletiva. “É um campo científico que nasce do compromisso com o direito à saúde”, diz Ana Maria. Segundo ela, muitas pesquisas em saúde coletiva feitas no Brasil costumam gerar relatórios, avaliações, livros e anais de congressos – tipos de publicação que nem sempre chegam às revistas científicas. Isso é outro fator que contribui para que os pesquisadores optem por outras formas de divulgação de resultados parciais e finais. Para acompanhar esse conjunto de informações que tangencia os periódicos tradicionais, um grupo de pesquisadores da Universidade Federal da Bahia (UFBA) criou recentemente o Observatório Nacional de Políticas de Saúde. Ele irá rastrear e disponibilizar estudos que num primeiro momento não foram publicados na forma de artigo científico, mas que contêm dados importantes para a gestão pública da saúde.

Projetos
1. Comportamentos e práticas sexuais, acesso à prevenção, prevalência de HIV e outras infecções de transmissão sexual entre gays, travestis e homens que fazem sexo com homens (HSH) na região central de São Paulo (09/53082-9); Modalidade Auxílio à Pesquisa – PPSUS; Pesquisadora responsável Maria Amélia de Sousa Mascena Veras (Santa Casa de São Paulo); Investimento R$ 326.835,63 (FAPESP).
2. Vulnerabilidades, demandas de saúde e acesso a serviços da população de travestis e transexuais do estado de São Paulo (13/22366-7); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Regular; Pesquisadora responsável Maria Amélia de Sousa Mascena Veras (Santa Casa de São Paulo); Investimento R$ 330.016,70 (FAPESP).

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