Todo dia, na hora do almoço e no final da tarde, em um dos laboratórios do sétimo andar de um prédio antigo da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), o estudante de medicina Vitor Neves Sato examina sob o microscópio os movimentos de vermes transparentes conhecidos como Caenorhabditis elegans, que chegam a no máximo 1 milímetro de comprimento e deslizam sem parar com explícita elegância, como minúsculas cobras, sobre a placa de Petri. Seu interesse é observar os efeitos de um antibiótico sobre a expectativa de vida desse organismo, que começou a ser usado em laboratório há exatos 50 anos e permitiu uma série de descobertas importantes. Foi no C. elegans que os biólogos identificaram os primeiros genes associados ao envelhecimento e o mecanismo da morte celular programada, essencial para o desenvolvimento de qualquer ser vivo.
Sato tem visto que os vermes que cresceram no meio de cultura com antibiótico, em comparação com os que não receberam, viveram de 9% a 19% mais – ou até 10 dias extras, tempo considerável para um ser que raramente vive mais de um mês. O fármaco deve prolongar a vida do verme não por matar bactérias – das quais, por sinal, ele se alimenta –, mas por aumentar a produção e a ação da enzima Dicer e de pequenas moléculas conhecidas como microRNAs. Identificados pela primeira vez em 1993 em C. elegans, os microRNAs são um tipo de ácido ribonucleico (RNA), que, neste caso, adere a outro tipo de RNA, o mensageiro, e contribui para reduzir a produção de proteínas. Em resposta a esse bloqueio, segundo Marcelo Mori, professor da Unifesp que coordena o trabalho, as células devem otimizar a produção de energia, evitando desperdícios e a formação de resíduos, cujo excesso pode danificar o DNA e acelerar o desenvolvimento de doenças associadas ao envelhecimento e a doenças como o câncer.
Desse modo, o antibiótico, cujo nome Mori mantém em sigilo, simula o efeito da restrição calórica, uma forma reconhecida de viver mais, embora em si seja impraticável para os seres humanos, porque implicaria comer 30% a 40% menos “até a morte”, ele ressalta. Outra forma de obter esse efeito é bloquear a ação do gene mTOR, associado à síntese de proteínas. Em um estudo publicado em agosto na Cell Reports, pesquisadores dos Estados Unidos estenderam a expectativa de vida de camundongos em cerca de 20%, o equivalente a ampliar a vida de uma pessoa em 16 anos, reduzindo a atividade do gene mTOR. Curiosamente, nesse experimento, a longevidade não foi a mesma nos diferentes tecidos e órgãos. Os animais ganharam em retenção de memória, coordenação motora e força muscular à medida que envelheciam, mas seus ossos se deterioravam mais rapidamente que o normal, além de se mostrarem mais suscetíveis a infecções.
Ivan José Vechetti Junior, da Universidade Estadual Paulista (Unesp) de Botucatu, trabalha ao mesmo tempo com microRNAs, mTOR e um dos efeitos do envelhecimento, a perda de massa muscular. Nos experimentos que fez de janeiro a maio deste ano na Universidade de Kentucky, Estados Unidos, ele verificou que a produção de um tipo de microRNA, o microRNA1, caiu à metade nos camundongos com hipertrofia muscular nas patas, causada pela retirada de parte dos músculos. Em cultura de células, porém, o microRNA1 agiu de modo inesperado. “O microRNA1 regulou o gene mTOR de modo sutil, não aumentando sua expressão, como esperávamos, mas prolongando sua ação”, diz ele.
Em seu doutorado, sob a orientação de Maeli Dal Pai, Vechetti Junior está examinando a expressão de microRNAs na regeneração muscular de ratos idosos submetidos a atrofia muscular por meio de imobilização. Se o trabalho correr bem, ele espera encontrar novas estratégias para atenuar ou bloquear a perda muscular associada ao envelhecimento, indicando, por exemplo, como deve funcionar a recuperação muscular de pessoas idosas que sofreram uma queda, por exemplo, e passaram certo tempo imobilizadas. “Quais os limites da recuperação muscular? O quanto os exercícios físicos realmente ajudam nessa recuperação?”, ele se pergunta.
Efeito Quasímodo
Os estudos em andamento na Unifesp indicam outro efeito da intensificação da produção de microRNAs: a diluição de agregados do aminoácido glutamina. Segundo Mori, o envelhecimento e algumas enfermidades, como a doença de Huntington, distúrbio neurológico de origem genética, estão associados à formação de aglomerados proteicos ricos em glutamina. Para mostrar que poderia estar no caminho de uma solução para esse problema, Mori mostra os C. elegans que cresceram no meio de cultura enriquecida com antibiótico – e acompanhados, desta vez, pela estudante de biomedicina Ana Forti Pinca. Sob o microscópio, os minúsculos vermes exibem vários pontos verdes espalhados pelo corpo – são as poliglutaminas ligadas a uma proteína fluorescente verde, que facilita a identificação das moléculas que se quer estudar – e se movem sem parar. Em outra placa de Petri, nos vermes que não passaram pelo banho de antibiótico, as esferas verdes são menores, mas aparentemente mais insolúveis e parecem prejudicar o movimento como a corcunda do Quasímodo, personagem do livro O corcunda de Notre-Dame.
Mori verificou inicialmente em camundongos, durante seu pós-doutoramento na Universidade Harvard, Estados Unidos, que uma das principais fontes de microRNAs é o tecido adiposo, formado pelas células de gordura, que nos seres humanos em geral se concentra sob a pele e na região abdominal. Seu trabalho indica que as células de gordura exercem um papel ativo no controle do peso e do metabolismo, em vez de apenas exibirem as consequências da gula ou do sedentarismo (ver reportagem). “O tecido adiposo serve como termostato nutricional”, diz ele. “É o primeiro a responder em caso de restrição alimentar, gastando as reservas de energia e sinalizando para as células dos músculos e de outros tecidos que é hora de ser mais eficiente.”
Já se sabia que as células de gordura, produzindo o hormônio leptina, podem inibir o apetite e estimular o metabolismo celular, resultando em perda de peso. Segundo Mori, a sinalização leptina está, por sua vez, associada ao envelhecimento e ao aparecimento de doenças cardiovasculares, diabetes e câncer. O trabalho de Mori descreve uma ação oposta, desacelerando a atividade celular por meio de microRNAs. Em Harvard, Mori mediu a quantidade de microRNAs do tecido adiposo de diferentes tecidos em camundongos mais jovens ou mais idosos. Com o envelhecimento, ele observou, havia uma redução na quantidade de microRNA do tecido adiposo, mas a restrição calórica revertia esse quadro, mantendo os níveis da enzima Dicer e dos microRNAs.
A associação, logo depois confirmada em C. elegans, parecia direta: os animais com os níveis mais altos de Dicer e microRNAs viviam mais, e os com menos morriam antes. “A Dicer está superexpressa em restrição calórica e aumenta a resistência ao estresse oxidativo, que é prejudicial para as células”, ele observou. Do mesmo modo, como detalhado em um artigo publicado na revista Cell Metabolism em 2012, a perda de função dessa enzima, causada por mutações, levava as células à senescência. “A produção de microRNAs no tecido adiposo pode controlar o envelhecimento”, ele concluiu.
Mori começou a trabalhar com C. elegans em 2007 em Harvard porque precisava de organismos com um ciclo de vida menor que o dos camundongos. De modo similar, o biólogo sul-africano Sydney Brenner, inicialmente em Cambridge, Inglaterra, e depois em San Diego, Estados Unidos, inaugurou os estudos com C. elegans em 1963 porque procurava um organismo que, além de crescer rapidamente, lhe permitisse observar o crescimento de células e órgãos, como não era possível em drosófila, o inseto que é o modelo clássico para estudos em genética.
No início, enquanto Brenner preparava e selecionava mutantes, que seriam fundamentais para as pesquisas que decolariam logo depois, a maioria das pessoas não levava o bicho a sério. Um colega de Brenner lhe disse que “não daria um centavo” por seu trabalho, lamentando que ele estivesse 20 anos à frente de sua época, contou o biólogo em 2009, sete anos depois de ter sido um dos ganhadores do Prêmio Nobel em reconhecimento a seus estudos sobre regulação gênica, feitos em C. elegans. “Me contaram que existem hoje 400 laboratórios de C. elegans”, ele comemorou. “Frequentemente me perguntam por que deixei a pesquisa com C. elegans justamente quando estava se tornando realmente interessante. A resposta é simples: as pessoas dessa área hoje são muito melhores que eu era.” Brenner gostava mesmo era de abrir caminhos, que era, como ele definiu, “a parte mais emocionante da pesquisa científica”.
Oportunidade
“Pouca gente trabalha com C. elegans no Brasil, talvez com receio da aceitação de um modelo experimental diferente, que eu vi como oportunidade”, diz Mori, que há dois anos trouxe os bichos na bagagem ao voltar dos Estados Unidos. Agora ele tem uma coleção de 50 linhagens, mantidas em quatro estufas a uma temperatura média de 21º Celsius.
Seu trabalho ainda não tem aplicações, porque os microRNAs constituem na verdade um grupo de centenas de moléculas com tamanho médio de 20 nucleotídeos – e provavelmente algumas agem contra e outras a favor do envelhecimento. O problema é que os microRNAs parecem estar por toda parte e exercer muitas funções: podem, por exemplo, participar da progressão de tumores de próstata, como demonstrado por pesquisadores da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), de doenças cardiovasculares, como estudado no Instituto de Ciências Biomédicas da USP, ou do controle do ritmo circadiano, como é chamado o período de cerca de 24 horas sobre o qual se baseia o ciclo biológico de quase todos os seres vivos, como proposto por um grupo da Universidade Federal de Alagoas.
Apesar das incertezas sobre o papel dessas moléculas, Mori acredita que o controle da enzima Dicer e dos micro-RNAs poderia ser uma estratégia viável para aumentar a expectativa de vida, simulando o efeito da restrição calórica por meio de medicamentos como o antibiótico que ele está avaliando. Evidentemente, o envelhecimento é um processo biológico muito complexo. Em uma conferência realizada em agosto na Itália, Mori observou que um dos focos atuais de atenção são as mitocôndrias, compartimentos celulares responsáveis pela produção de energia. “A comunicação entre a mitocôndria e o núcleo regula a síntese de proteínas e, desse modo, controla o envelhecimento”, diz ele. “Está chegando o momento em que poderemos integrar informações independentes e ter uma noção mais clara de como o organismo envelhece e de como intervir efetivamente.”
Projeto
Identificação de mecanismos responsáveis pelos efeitos benéficos da restrição calórica (10/52557-0); Modalidade Apoio a Jovens Pesquisadores; Coordenador Marcelo Alves da Silva Mori – Unifesp; Investimento R$ R$ 696.496,53 (FAPESP).
Artigos científicos
BRENNER, S. In the beginning was the worm… Genetics. v. 182, p. 413-5. 2009.
MORI, M.A. et al. Role of microRNA processing in adipose tissue in stress defense and longevity. Cell Metabolism. v. 5, n. 16, p. 336-47. 2012.