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CONTROLE DE POLUENTES

Já temos radar de laser

Projeto do Programa Jovens Pesquisadores apresenta o primeiro equipamento feito por brasileiros para medir partículas em suspensão na atmosfera

Um facho de luz que varre os céus pode revolucionar os métodos usados nos processos de medição de poluição no Brasil. Observadores atentos puderam vê-lo em meados de outubro perto do campus da Universidade de São Paulo (USP) da capital, durante os testes de um grupo do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen) da Comissão Nacional de Energia Nuclear. Trata-se de um radar de feixe de laser desenvolvido pioneiramente no Brasil desde 1995 pelo projeto Programa de Desenvolvimento de um Sistema de Sensoriamento Remoto para Monitoração de Poluentes na Atmosfera de São Paulo, financiado pela FAPESP no programa Jovens Pesquisadores e coordenado pelo físico nuclear Eduardo Landulfo, do Ipen, e que deverá estar concluído em julho.

O objetivo do radar de laser ou Lidar (light detection and ranging ou detecção de luz e medida de distância) é medir os poluentes particulados na atmosfera (como poeira, fumaça e fuligem), com o uso do feixe de luz laser pelo método chamado retroespalhamento. Essa técnica permite que o sinal de laser retorne ao ponto emissor depois de encontrar uma partícula ou um alvo qualquer. O equipamento proposto por Landulfo foi apresentado em julho do ano passado na 20a Conferência Internacional de Radar de Laser.

Medidor poderoso
O Lidar do Ipen tem várias funções, já determinadas em sua montagem. Ele fornece dados sobre partículas em suspensão e alerta para a adoção de ações emergenciais em períodos de estagnação atmosférica, quando os níveis de poluentes apresentam riscos à saúde pública – o que pode torná-lo decisivo para a solução mais eficiente das questões ambientais em grandes centros urbanos.As empresas que monitoram a poluição funcionam hoje com estações de qualidade do ar, equipadas basicamente com filtros que coletam dados para análise várias vezes ao dia e fornecem dados para a preparação de boletins sobre qualidade do ar, como se faz na Grande São Paulo, por exemplo.

Esse trabalho ganhará dinamismo com o radar de laser, pois ele confere instantaneamente os poluentes em suspensão. Além disso, permite o acompanhamento freqüente das áreas mais poluídas: a partir da emissão do laser , pode-se estabelecer a composição das partículas e dos gases suspensos.

Testes e ajustes
O equipamento que consta do projeto desenvolvido no Ipen funciona com um tipo de laser chamado Nd:YAG, composto pelo elemento químico neodímio (Nd) e um cristal sintético de nome YAG constituído por óxido de ítrio e óxido de alumínio. Esse conjunto emite luz laser ao ser acionado por um tipo de lâmpada específica. Por enquanto, o laser é emprestado do grupo de Espectroscopia do Centro de Laser e Aplicações do Ipen. O grupo brasileiro aguarda a compra de um novo equipamento para concluir a montagem do sistema, que ficará instalado nas dependências do Ipen. O laboratório a ele destinado parece uma sala comum, exceto por uma abertura no teto, para o qual será apontado o telescópio de emissão/recepção do laser. O deslocamento do equipamento para fora do laboratório não está descartado, mas depende da aquisição de um veículo utilitário adaptado para o transporte, que não consta do projeto.

“Os resultados que conquistamos até agora mostram que estamos no caminho certo”, afirma Landulfo. Ele diz que, com a conclusão do trabalho, se poderão ser feitas medições em períodos maiores e com mais freqüência. “A idéia é fazer testes que durem cerca de oito horas, para obtermos avaliações mais amplas sobre o comportamento dos poluentes na região”, explica. Ele revela que o tempo restante para a conclusão do projeto, prevista para julho, é usado em ajustes e simulações.

Os testes foram feitos em outubro durante uma semana, com sete horas de medição, e tiveram a participação de uma pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Os resultados permitiram comparações com os dados obtidos pela Companhia Estadual de Tecnologia e Saneamento Básico (Cetesb) e pelo Grupo de Estudos de Poluição do Ar (Gepa) da USP. “Os testes foram muito importantes, porque possibilitaram avaliar toda a perfomance do sistema”, diz Landulfo. O próximo passo será obter a validação dos dados por uma entidade internacional para depois publicá-los.

A pesquisa é acompanhada por Alexandros Papayannis, chefe de pesquisa em Lidar na Universidade Técnica de Atenas, na Grécia. Ele é o responsável pela supervisão dos dados do experimento brasileiro. O projeto Lidar foi aprovado em 1998 e é desenvolvido por um grupo multidisciplinar de dez pessoas. “A maior dificuldade encontrada pela nossa equipe até agora foi calibrar o equipamento para operar conforme as particularidades da nossa atmosfera”, afirma Landulfo. Ele conta que boa parte da poluição de São Paulo é formada por material particulado e inalável.

“Além de medir a poluição com maior agilidade, o equipamento pretenderá também ter condições de prever com antecedência as inversões térmicas que ocorrem durante o inverno.” A inversão térmica ocorre quando uma camada de ar quente impede a dispersão de poluentes. O Lidar desenvolvido no Ipen tem capacidade de medir a distribuição do material particulado no perfil vertical em um raio de 5 a 6 quilômetros. “Com essa capacidade, temos condições de ultrapassar a camada-limite, situada entre 200 metros e 2 mil metros da superfície, que é a parte da atmosfera onde existe a maior interação com o homem e a concentração de poluentes particulados”, conta Landulfo. Além dessa característica, o novo Lidartem condições de cobrir a área de quatro estações medidoras convencionais.

Para a construção do Lidar foram necessários investimentos de cerca de US$ 65 mil, usados na compra de equipamentos como o telescópio importado da França, um osciloscópio digital, detectores e material óptico. Para a conclusão do equipamento só falta a fonte de laser , comprada por US$ 23 mil. “Estamos aguardando a chegada do laser para concluirmos nosso laboratório”, diz o pesquisador.

Interesse geral
Ele já perdeu a conta de quantas horas passou nos laboratórios do Ipen fazendo simulações, a fim de ajustar o equipamento às condições ambientais de São Paulo. Os testes até agora usaram o aparelho de laser do Ipen (menos a fonte francesa), por isso são necessárias quase duas horas de intervalo para que o equipamento não seja danificado e o emprego de um técnico para manusear o aparelho.

Os usuários potenciais do Lidar são as agências ambientais, como a Secretaria do Verde e Meio Ambiente (SVMA) do município de São Paulo, por exemplo. “Antes mesmo da conclusão, o resultado do nosso trabalho está criando grande expectativa na comunidade científica nacional e internacional”, revela. O projeto do Lidar brasileiro também despertou a atenção do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que concedeu uma bolsa de produtividade a Landulfo.

O projeto, que deve resultar em uma patente, vem despertando o interesse de empresas da área de instrumentação ambiental. O primeiro Lidar brasileiro deverá mesmo ser entregue a um órgão controlador da poluição do ar da cidade de São Paulo. Ele vai continuar a riscar o céu da capital paulista com seus fachos de luz.

A distância entre a Terra e a Lua

A descoberta do laser (light amplification by stimulated emission of radiation ou luz amplificada por emissão estimulada de radiação, em inglês) ocorreu nos anos 60 e o uso mais célebre de um aparelho de Lidar aconteceu em 1969, quando a equipe da missão Apollo 11, a primeira a pousar na Lua, instalou um refletor no satélite. Com a emissão de um feixe de laser a partir da Terra, foi possível medir com precisão a distância entre os dois corpos.

Atualmente, o radar de laser é empregado, entre outros fins, para a detecção de lençóis petrolíferos, vazamentos de petróleo e cardumes de peixes. Também para calcular o tamanho do buraco na camada de ozônio, os cientistas usam um aparelho de Lidar. Protótipos de um medidor de poluição via laser surgiram na Alemanha e na França na década de 70. Medições de poluição ambiental foram realizadas nos Estados Unidos e Japão. Contudo, foi o desenvolvimento de um emissor de laser em estado sólido, mais compacto, que permitiu construir equipamentos menores e facilitou o deslocamento desses aparelhos para fora dos laboratórios.

Na Europa, na Ásia e na América do Norte há cerca de cem equipamentos similares ao que o Ipen desenvolve, enquanto na América Latina só há um dessa categoria (até a altitude de 10 quilômetros) em funcionamento, em Buenos Aires. Algumas empresas brasileiras chegaram a importar equipamentos acabados para o trabalho de medição de poluentes, mas a iniciativa terminou abandonada. A razão foram as dificuldades de adaptação dos equipamentos às condições climáticas e atmosféricas no Brasil. O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) usa um Lidar para medição da concentração de íon de sódio, mas que ultrapassa os 80 quilômetros de altitude.

Em 2003, a Nasa, a agência espacial americana, deverá fazer uma varredura de toda a atmosfera terrestre com um Lidar, para observar o clima, as nuvens e os aerossóis em suspensão. Os países que já usam o Lidar podem ser convidados a participar.

O projeto
Programa de Desenvolvimento de um Sistema de Sensoriamento Remoto para Monitoração de Poluentes na Atmosfera de São Paulo (nº 98/14891-2); Modalidade Programa Jovens Pesquisadores; Coordenador Eduardo Landulfo – Ipen; Investimento R$ 31.790,25 e US$ 68.650,70

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