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Farmacologia

Proteção para a pele

Extrato de pariparoba exerce ação antioxidante contra o sol e deve chegar ao mercado em breve

MIGUEL BOYAYANExtrato pronto para uso cosméticoMIGUEL BOYAYAN

A pariparoba, um arbusto originário da Mata Atlântica, mostrou em estudos realizados na Faculdade de Ciências Farmacêuticas (FCF) da Universidade de São Paulo atividade protetora contra os raios ultravioleta do tipo UVB, os mais lesivos para a pele. A descoberta resultou em um pedido de patente e interessou à empresa Natura, que disputou e venceu a licitação de concessão de licença para utilização do extrato da raiz no desenvolvimento de produtos de uso cosmético (gel, creme, filtro solar), com exclusividade para o Brasil e o exterior, realizada pelo Grupo de Assessoramento ao Desenvolvimento de Inventos (Gadi), da universidade.

“O potencial antioxidante da molécula encontrada na pariparoba, responsável por proteger a pele dos radicais livres, chamou a atenção da Natura”, diz Jean Luc Gesztesi, pesquisador da área de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa. “Por isso temos a firme intenção de usar o extrato em produtos cosméticos.” Por enquanto ainda não há data prevista de lançamento, porque o desenvolvimento de um produto demora de seis meses a dois anos. Mas a empresa já tem contrato com um produtor para fornecer o extrato da raiz da pariparoba (Pothomorphe umbellata) dentro de algumas especificações, como a porcentagem exata do princípio ativo. A padronização é importante para garantir que a resposta do extrato vegetal seja sempre a mesma, característica chamada de reprodutibilidade.

“A pariparoba é usada há muito tempo pela medicina popular para tratamento de má digestão, doenças do fígado, como icterícia, e queimaduras”, diz a professora Silvia Berlanga de Moraes Barros, orientadora de Cristina Dislich Ropke na tese de doutorado, financiada pela FAPESP, que levou à descoberta da atividade fotoprotetora da planta da família das piperáceas, encontrada principalmente nos estados de São Paulo, Minas Gerais, Espírito Santo e sul da Bahia. As pesquisas com a pariparoba começaram, na realidade, com uma investigação sobre a atividade de proteção hepática atribuída à planta, que não foi concluída. “Um olhar mais detalhado sobre a pariparoba mostrou que ela apresentava uma substância que já havia sido descrita pelo grupo de fitoquímica do Instituto de Química da USP em 1981”, relata Silvia.

“O composto (4-nerolidilcatecol), molécula encontrada no extrato da raiz da planta, tinha algumas características de estrutura química muito semelhantes às do alfa-tocoferol (vitamina E), antioxidante usado em formulações cosméticas que hoje estão nas prateleiras para prevenção do envelhecimento cutâneo, porque é um excelente protetor da membrana celular”, diz a pesquisadora. A semelhança de características levou a um estudo in vitro para medir a atividade antioxidante do composto extraído da raiz, realizado pelo professor Paulo Chanel Deodato de Freitas, também da FCF, na época em que ele fazia doutorado, concluído em 1999.

“Como verificamos que o composto tinha atividade bem mais potente que a do alfa-tocoferol e apresentava características físico-químicas que poderiam justificar o uso em formulações cosméticas, resolvemos testá-lo na pele”, conta Silvia. Os experimentos foram feitos então em camundongos sem pêlos, uma linhagem desenvolvida pelos biotérios, que não precisam ser depilados, evitando-se assim microlesões na pele e interferência nos resultados da pesquisa.

O estudo tinha como objetivo mostrar se o extrato de pariparoba inibia a peroxidação espontânea da pele – reação química também chamada de oxidação -, que contribui para o envelhecimento cutâneo e pode ocorrer ainda por radiação solar. “No nosso modelo, nós tratávamos os animais com uma formulação muito simples, sem nenhum tratamento tecnológico”, diz Silvia. Depois de aplicado e o excesso ser retirado, o produto permanecia na pele por um período predeterminado. A seguir, as pesquisadoras avaliavam se a oxidação era mais reduzida nos animais tratados com o extrato. “Os exames de microscopia feitos nos camundongos mostraram que o composto previne o envelhecimento cutâneo”, relata Silvia.

Após essa constatação, as pesquisadoras decidiram reproduzir o que acontece na natureza, com a exposição dos animais à radiação ultravioleta. Nessa etapa foi escolhida uma formulação para o extrato e feito um estudo de permeação, que significa quanto do produto fica na pele e quanto é absorvido. Essa informação é importante porque parte das lesões por radiação, como o câncer de pele, por exemplo, concentra-se na epiderme e parte, como o fotoenvelhecimento, na camada da pele logo abaixo, ou seja, a derme. O estudo levou ao desenvolvimento de uma formulação em forma de gel com o extrato retirado da raiz. Embora outras partes da planta também apresentem a substância com atividade antioxidante, é na raiz que ela se concentra mais intensamente.

Raios UVB
A próxima etapa foi expor os camundongos à radiação UVB, uma parte da radiação ultravioleta que penetra até a epiderme. Os raios UVB atuam sobre a superfície da Terra entre 10 e 15 horas e são os principais responsáveis pelas queimaduras solares e, a longo prazo, pelo câncer de pele. O tratamento com os camundongos foi feito durante dez minutos, quatro vezes por semana, por um período de 22 semanas. “Com isso verificamos que enquanto a radiação promove grande aumento das células da camada da epiderme, a chamada hiperplasia epitelial, que pode levar ao desenvolvimento de células cancerígenas, os animais tratados com o extrato apresentavam hiperplasia reduzida”, relata Silvia.

Foi quando a pesquisadora percebeu que estava diante de algo novo, porque até aquele momento não havia sido comprovada em estudos a atividade fotoprotetora da pariparoba. Em função dessa constatação, em 2002 foi apresentado o pedido de patente do uso do extrato de Pothomorphe umbellata em preparações dermocosméticas ou farmacêuticas para prevenção e combate ao dano causado à pele pela exposição excessiva aos raios ultravioleta do sol e a lâmpadas de bronzeamento artificial, além das alterações causadas pelo envelhecimento cronológico.

Outras funções da pariparoba continuam a ser pesquisadas no laboratório da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da USP. Os estudos estão centrados nos mecanismos bioquímicos de ação da planta. “As pesquisas mostram resultados interessantes na área farmacêutica, mas que ainda não podem ser revelados”, diz Silvia. A ligação entre redução da hiperplasia e controle de crescimento celular pode significar a ponte para fármacos que regulem o desenvolvimento de células cancerígenas.

Para chegar ao extrato da raiz que já possui resultados comprovados em laboratório, os pesquisadores utilizam uma técnica clássica de extração a frio, chamada percolação. É um método totalmente artesanal, em que as raízes, após serem colhidas, são secas e moídas. Depois passam por uma peneira, chamada tamis, com os poros controlados, para que a extração obedeça a um padrão predeterminado. Só então é feita a extração a frio com etanol, para retirada do extrato bruto. Por esse método a raiz tem de ficar constantemente umedecida pelo etanol para que as substâncias químicas sejam extraídas por decantação. Isso demora de dois a três dias, até que seja esgotado tudo o que tinha a ser extraído. Só então é feita a retirada da molécula de interesse para ser incorporada à formulação em forma de gel ou creme.

Depois de o pedido de patente ter sido efetuado, Silvia achou que era o momento de a universidade abrir uma licitação para escolher um laboratório que pudesse produzir comercialmente produtos cosméticos à base de pariparoba. A licitação envolve o pagamento de royalties sobre a venda do produto, que a empresa prefere não revelar, e a transferência de tecnologia por parte da universidade. A USP e a FAPESP, responsável pela concessão da bolsa de doutorado, receberão, cada uma, 50% do contrato com a Natura. As duas instituições vão repassar parte dos valores para os pesquisadores. A Fundação financiou também o pedido de registro internacional da patente, por meio do Programa de Apoio à Propriedade Intelectual do Núcleo de Patenteamento e Licenciamento de Tecnologia (Papi/Nuplitec).

O uso do extrato da pariparoba é um dos projetos com potencial inovador que tem origem na universidade e a Natura aposta no seu aproveitamento comercial. Para isso, a empresa lançou no primeiro semestre deste ano o programa Natura Campus, que resultou em 44 projetos apresentados pelas universidades e institutos de pesquisa à empresa, dos quais 13 foram selecionados e enviados para a FAPESP, como parte do programa Parceria para Inovação Tecnológica (PITE). Destes, sete foram aprovados pela Fundação. Para Gesztesi, a geração de novos conhecimentos na universidade aplicados pela indústria pode contribuir para o desenvolvimento de produtos diferenciados.

O Projeto
Uso de extrato de Pothomorphe umbellata para preparar composições dermocosmética e/ou farmacêutica (nº 03/08578-0); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (PAPI); Coordenadora Silvia Berlanga de Moraes Barros; Investimento R$ 6.400,00 (FAPESP)

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