
O sócio da empresa, Marcos Roberto Lourenzoni, formado no Departamento de Química da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (FFCLRP), da USP, explica que a celulose é composta de elementos fibrosos que são individualizados no processamento industrial da madeira e adquirem uma coloração marrom devido à presença de lignocompostos. Para tornar essas fibras adequadas para a fabricação de papéis, o branqueamento é uma etapa fundamental em que são necessários compostos químicos de custo alto e exigentes em cuidados específicos durante o descarte na forma de efluentes industriais. Nesse processo, duas substâncias químicas remanescentes, a lignina e grupos chamados de urônicos, são responsáveis pelo consumo dos reagentes presentes nas fibras e que podem ser reduzidos com o emprego de enzimas.
O dióxido de cloro reage com a lignina, responsável pela coloração marrom, quebrando-a em moléculas menores, que são solúveis e extraídas no processo. Muito dessa lignina fica encapsulada pela polpa, o que exige maiores quantidades de dióxido de cloro e outros reagentes para acessá-la. “No caso das enzimas, elas são específicas para atuar na quebra do substrato e de outros componentes da celulose, como a lignina residual”, explica Lourenzoni. “Isso proporciona a criação de poros na polpa e possibilita que o dióxido de cloro acesse mais facilmente a lignina. Com isso, é necessária uma quantidade menor de químicos para alcançar o mesmo efeito. A vantagem é uma redução de custos.
Além de reduzir os custos do branqueamento, as enzimas desenvolvidas pela Verdartis podem fazer o mesmo em relação ao gasto com a energia elétrica necessária para o refino da celulose. Nessa etapa, a celulose é diluída em água, passando por refinadores para provocar desfibrilamento de macrofibrilas consumindo energia elétrica em processo mecânico. A ação das enzimas quebra grupos de celulose, facilitando a ação de refino e, consequentemente, diminuindo o consumo de energia elétrica.
Enzimas são proteínas produzidas pelos organismos vivos que desempenham a função de catalisadores, ou seja, têm a propriedade de acelerar reações químicas. Para que possam ser usadas em um processo industrial, no entanto, elas têm de ser produzidas em grande quantidade, em pouco tempo e com características específicas e desejadas. Já existe no mercado uma série de enzimas para branqueamento de celulose. O problema é que elas são muito caras e liberam grande quantidade de material orgânico nos efluentes, que exige tratamento e mais aumento de custos.
É aí que entra a tecnologia desenvolvida pela Verdartis. Por meio de engenharia molecular (ou engenharia genética), a empresa produz, a partir de microrganismos como a bactéria Escherichia coli, catalisadores personalizados para cada processo industrial ou cada fábrica de seus clientes. “Ou seja, criamos a enzima para o processo em vez de modificar o processo para a enzima”, diz Lourenzoni. “Além disso, ela não solta resíduos na água, o que a torna mais eficiente no âmbito econômico e ambiental.”
Entre as técnicas usadas para isso, está a chamada evolução dirigida, também conhecida como biotecnologia evolutiva. De forma mais rápida que na natureza, ela reproduz em laboratório a evolução da biodiversidade natural por meio do mesmo mecanismo de seleção por adaptação ao ambiente. Na prática, a evolução dirigida mimetiza o que ocorre na natureza, ou seja, na evolução natural (mutação, recombinação e seleção natural). A diferença é que as propriedades que se deseja para as enzimas são predefinidas pelos cientistas.
Nessa técnica, mutações aleatórias são induzidas no DNA, dando origem a uma “biblioteca” de genes modificados, na qual cada um deles codifica um catalisador. “Nessa biblioteca há milhões de possibilidades ou combinações, dentre as quais algumas são boas soluções para expressar a característica que se está buscando para uma determinada enzima”, explica Lourenzoni. “Na prática, uma biblioteca com genes de enzimas selvagens é criada. Depois, cópias desses genes são inseridas em vetores de expressão, que são usados para transformar o microrganismo, no caso da Verdartis, a E. coli.”
Genes para a evolução
Dessa forma, um conjunto de bactérias, cada uma com um determinado gene, vai produzir uma enzima diferente. Um conjunto desses é selecionado, o que representa uma quantidade bem pequena em relação a todas as combinações da biblioteca, pois é impossível processar e testar todas as possibilidades geradas. Com esse conjunto é possível encontrar enzimas adaptadas para atuar num determinado ambiente, que simula as condições industriais desejadas, e selecionar aquelas que forem funcionais. O passo seguinte é sequenciar o DNA dessas enzimas e verificar suas mutações. “Os genes dessas melhores enzimas podem ser submetidos a recombinações visando à evolução”, explica Lourenzoni.
Mas isso só não basta. Embora a evolução dirigida seja muito mais rápida que a natural, não é o suficiente para sustentar o modelo de negócio de enzimas parsonalizadas. O processo para criar uma determinada enzima pode demorar meses, mas a necessidade do mercado por novas é imediata. Por isso ele precisa ser acelerado. Para resolver o problema, a Verdartis desenvolveu um software, chamado Artizima, usado para lidar com o número astronômico de variantes de enzimas que são avaliadas experimentalmente. O uso da ferramenta possibilita acelerar ciclos de evolução dirigida, minimizando o tempo do desenvolvimento de um catalisador específico para uma determinada função.
O passo final da tecnologia é a produção em escala laboratorial e posteriormente industrial fase que a empresa ainda não atingiu. De qualquer forma, Lourenzoni explica que esse processo é dividido em duas etapas: a primeira é a produção propriamente dita em fermentadores e a segunda, chamada downstream, é a de separação e purificação da enzima.
Bases da transformação
A biotecnologia foi inicialmente desenvolvida na tese de doutorado de Roberto Ruller, orientada pelo professor Richard John Ward, do Departamento de Química da FFCLRP. Após o fim de seu próprio doutoramento, Lourenzoni foi trabalhar em uma empresa de base tecnológica, na qual foi procurado por Ward, que queria saber se ela se interessaria pela tecnologia. Como o foco dela era tecnologia da informação, a ideia não foi aceita. “Decidimos então, em 2006, abrir outra firma para transformar a pesquisa feita pelo Ruller e Ward em tecnologia”, conta Lourenzoni.
Na época, a Verdartis participou de concursos de planos de negócios organizados pela Incubadora de Empresa de Base Tecnológica Supera, criada em 2003, numa parceria entre a USP, a Fundação Instituto Polo Avançado em Saúde (Fipase), a Prefeitura Municipal de Ribeirão Preto e o Sebrae. “Vencemos o concurso em 2007 e um dos prêmios foi o direito de ter uma sala na incubadora, que era muito pequena e o espaço muito disputado”, lembra o diretor da Verdartis. “Dessa forma, a empresa foi criada em junho do mesmo ano, quando submetemos um projeto Pipe do qual fui coordenador.”
O financiamento da FAPESP possibilitou à empresa avançar no desenvolvimento de tecnologias a partir do que foi transferido dos laboratórios de Ward. Outros projetos apoiados pelo Pipe se seguiram. O segundo, aprovado em 2009, foi para o desenvolvimento do bioprocesso para produção de enzimas. Ainda no mesmo ano, a Verdartis teve um terceiro projeto aprovado na FAPESP, dessa vez um Pipe para a criação de software para auxiliar a desenvolver catalisadores in silico (num computador). A empresa também recebe recursos da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e dos sócios.
Em 2011, o quarto Pipe foi iniciado e está em vigência, com o objetivo de melhorar a eficiência catalítica de enzimas, em altas temperaturas e pHs entre 8 e 10. Em 2012 a Verdartis aprovou no edital Pipe-III seu quinto projeto, para desenvolver parte do escalonamento do bioprocesso de produção de enzimas. Esse projeto está sendo apoiado pela Suzano Papel e Celulose S/A, que tem interesse nesse desenvolvimento. O próximo passo é construir uma fábrica, com capacidade para a produção de qualquer catalisador, por meio de fermentação de qualquer microrganismo. Para montá-la, a Verdartis está em conversações com alguns possíveis parceiros investidores.
No que depender da avaliação da Suzano, as enzimas desenvolvidas pela pequena empresa de Ribeirão Preto têm futuro. “Nós já testamos a maior parte das que existem no mercado e sempre encontramos problemas”, conta Augusto Fernandes Milanez, consultor de produção e pesquisa e desenvolvimento da companhia. “Os dois principais são o preço alto e a grande quantidade de material orgânico que elas liberam nos efluentes.” Por isso, a Suzano está apoiando e orientando a Verdartis no desenvolvimento de seus catalisadores, além de fornecer a celulose para testes e realizar ensaios e análises dos resultados. “O pessoal dessa empresa tem conseguido avanços promissores”, diz Milanez. “A cada vez que vemos o produto, constatamos evoluções. Por isso vemos potencial nas enzimas da Verdartis.”
O que também não falta é mercado em potencial para esses catalisadores. O Brasil é um dos maiores e mais modernos fabricantes de papel do mundo, com 222 indústrias em atividade e 2,2 milhões de hectares de florestas plantadas para fins industriais. Segundo dados da Associação Brasileira de Celulose e Papel (Bracelpa), a receita de exportações do setor em 2011 foi de US$ 7,2 bilhões, um crescimento de 6,2% em relação a 2010. Desse total, US$ 5 bilhões correspondem às exportações de celulose, responsáveis por 69,5% da receita total de exportações do segmento no ano passado. Como se vê, não faltará mercado para enzimas branqueadoras.
Os Projetos
1. Persozyme – enzimas personalizadas criadas por evolução dirigida para uso no biobranqueamento da polpa de celulose (n° 2007/51561-1); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Marcos Roberto Lourenzoni – Verdartis; Investimento R$ 261.866,47 e US$ 72.891,00 (FAPESP)
2. Artizima – ferramenta computacional para evolução in silico de enzimas utilizadas em biorrefinarias (n° 2007/59308-3); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Renato Luis Tame Parreira – Verdartis; Investimento R$ 79.120,80 (FAPESP)
3. Bioprocesso de produção de enzimas para biorrefinaria de biomassa: branqueamento de celulose (nº 2008/53426-7); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Alvaro de Baptista Neto – Verdartis; Investimento R$ 141.712,46 e US$ 22.582,85 (FAPESP)
4. Desenvolvimento de enzimas para biobranqueamento de celulose: serviço de personalização de enzimas através de um processo robusto e inovador de engenharia molecular (nº 2010/50328-4); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenadora Ninive Aguiar Frattini – Verdartis; Investimento R$ 262.280,68 e US$ 145.863,76 (FAPESP)
5. Bioprocesso de produção de enzimas para biorrefinaria de biomassa: branqueamento de celulose (nº 2011/51096-2); Modalidade Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Coordenador Alvaro de Baptista Neto – Verdartis; Investimento R$ 64.463,72 e US$ 38.212,41 (FAPESP)