O esforço para incorporar a inovação no cotidiano das empresas brasileiras ganhou fôlego e articulação há 10 anos com o surgimento da Mobilização Empresarial pela Inovação (MEI), um fórum organizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) que reúne hoje mais de duas centenas de presidentes de corporações. Um balanço da primeira década dessa iniciativa mostra resultados tangíveis. Com uma agenda direcionada ao aperfeiçoamento de leis e políticas públicas, um trabalho permanente de aconselhamento das empresas e uma interlocução forte com autoridades e pesquisadores, a MEI obteve sucesso em mostrar a importância da inovação para a competitividade, ao mesmo tempo que criou uma inédita plataforma de colaboração entre governo e setor privado.
As reuniões do Comitê de Líderes do fórum, que ocorrem a cada três meses, sempre têm a presença de autoridades – em uma reunião no final de 2017, estiveram juntos os titulares das pastas da Saúde, da Indústria e Comércio, e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. “A participação de ministros, secretários executivos e até do presidente da República nas reuniões de líderes sinaliza um reconhecimento do governo da importância da inovação no país”, afirma o engenheiro Pedro Wongtschowski, vice-presidente do Conselho de Administração do Grupo Ultra, um dos coordenadores da MEI desde a sua criação. “O convívio é importante para mantermos um diálogo permanente entre os setores público e privado.” As quatro reuniões realizadas em 2017 atraíram representantes de 273 empresas. Em 179 delas, foi o CEO quem participou do encontro. Foram debatidos temas como o futuro da manufatura avançada, problemas do sistema de proteção à propriedade intelectual e alternativas para amenizar os cortes no orçamento federal de ciência, tecnologia e inovação.
A ideia de criar a MEI inspirou-se na experiência de países como França, Alemanha e Estados Unidos, que nos anos 2000 mobilizaram suas indústrias em torno de agendas de inovação e competitividade. Uma das ambições da iniciativa brasileira era envolver os dirigentes das empresas – a importância da inovação era reconhecida apenas em escalões intermediários, como os responsáveis por pesquisa e desenvolvimento (P&D). Deu certo. “Começamos com um grupo pequeno, de 30 a 40 empresários, que fez um trabalho de catequese eficiente. Formou-se um círculo virtuoso, incorporando exclusivamente gente com poder de decisão. Hoje alcançamos mais de 200 CEOs, que formam um clube de relacionamento valorizado, tanto pelo vínculo que se cria entre os pares quanto pela influência na formulação de políticas públicas”, diz Rafael Lucchesi, diretor de educação e tecnologia da CNI e diretor-geral do Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (Senai). A MEI, sob a coordenação da CNI, foi criada na gestão do então presidente Armando Monteiro Alves, com a participação de líderes empresariais como Pedro Wongtschowski, Pedro Passos, da Natura, Horácio Lafer Piva, da Klabin, Bernardo Gradin, então na Braskem, Ricardo Pelegrini, à frente da IBM, entre outros.
Um dos marcos da história da MEI foi o manifesto “Inovação: A construção do futuro”, de 2009, que propunha um forte entrosamento entre governo e setor privado no apoio à inovação, mas deixava claro que essa agenda, embora fosse de interesse de toda sociedade, pertence primordialmente às empresas. “A ideia-chave era de que as empresas são as protagonistas no processo de inovação porque dependem dele para sua sobrevivência”, diz o economista Carlos Américo Pacheco, professor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que assessorou a CNI na elaboração do manifesto. “Empresas inovam por necessidade e inovam naquilo que o mercado demanda delas. Não inovam porque o governo deseja ou para aproveitar conhecimento gerado em universidades.” Na avaliação de Pacheco, que hoje é diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP, a MEI teve sucesso em disseminar a agenda inovação, apesar dos avanços restritos em levar essa agenda à prática nas empresas. “A dinâmica econômica dos últimos anos atrapalhou bastante, mas a consciência das empresas sobre a importância de inovar ficou muito maior.”
Se a CNI já mantinha diálogo com os ministérios da Fazenda e da Indústria e Comércio, a MEI ampliou essa interlocução com gestores de ciência e tecnologia, em temas como propriedade intelectual, financiamento à inovação e formação de recursos humanos. Também se articulou para remover obstáculos legais que atrapalham as empresas. Um exemplo foi a recente regulamentação das mudanças no arcabouço jurídico sobre ciência e tecnologia aprovadas em 2016 (ver Pesquisa FAPESP nº 265). O fórum, que já havia participado ativamente do debate sobre a elaboração da lei, produziu duas propostas para orientar a regulamentação: a primeira há dois anos, em caráter individual, e a segunda, mais recentemente, em parceria com outras entidades empresariais. “Ajudamos a construir propostas capazes de impulsionar o uso de ferramentas que são comuns em países avançados, como o bônus tecnológico e as encomendas tecnológicas”, diz a economista Gianna Sagazio, superintendente nacional do Instituto Euvaldo Lodi (IEL), diretora de inovação da CNI e coordenadora da MEI. O fórum também discutiu com governo e Parlamento formas de melhorar o ambiente de inovação nas empresas, em tópicos como a reformulação da Lei de Informática e a tributação de investimentos em startups.
Para promover a inovação, a MEI criou estratégias que vão da premiação de casos exemplares de empresas e difusão de suas práticas à oferta de informação sobre instrumentos de financiamento e instituições de pesquisa capazes de estabelecer boas parcerias. Um exemplo é a MEI Tools, um guia atualizado quatro vezes por ano que reúne fontes e programas de fomento disponibilizados por bancos, agências e instituições, e dá orientação sobre como aproveitá-los.
Em uma iniciativa estimulada pela MEI, a CNI criou institutos de tecnologia e de inovação, dedicados a apoiar o setor industrial. Hoje, estão em funcionamento 51 Institutos Senai de Tecnologia em 17 estados, que já atenderam as demandas de mais de 15 mil empresas em serviços de técnicos e de consultoria e na realização de ensaios e testes. Também estão em operação 21 Institutos Senai de Inovação, que realizam pesquisa aplicada para desenvolver novos produtos e tecnologias, além de novos protótipos e plantas-piloto. Cada instituto se dedica a um campo específico, como microeletrônica, biomassa, química verde, manufatura avançada, entre outros. No final do ano passado, havia cerca de 200 projetos sendo executados nos institutos de inovação. Metade deles atendia grandes empresas. A outra metade se dividia entre médias e pequenas empresas e startups. “Essa estrutura foi discutida na MEI como um grande projeto para ampliar a competitividade da indústria dentro do Senai”, explica Gianna Sagazio.
Os coordenadores da MEI tiveram papel de destaque na criação da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), organização social ligada ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) criada em 2014. “O Conselho de Administração da Embrapii, que presido, é formado por outros líderes da MEI. Participamos de todo o debate sobre a criação da organização”, diz Pedro Wongtschowski. Cerca de 340 projetos de empresas brasileiras já tiveram acesso a recursos não reembolsáveis da Embrapii para realizar projetos de P&D em instituições científicas e tecnológicas especializadas. O modelo de financiamento é tripartite. A empresa proponente e a Embrapii investem valores equivalentes no projeto. O terceiro pilar são as unidades credenciadas, formadas por equipes ligadas a laboratórios de universidades ou de instituições tecnológicas (ver Pesquisa FAPESP nº 260). O presidente da Embrapii, Jorge Guimarães, lembra que a ideia de criar uma “Embrapa da indústria” foi proposta em 2010 em um estudo encomendado pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) à Sociedade Brasileira de Física. “A CNI e outras instituições ligadas à inovação abraçaram a ideia e ajudaram a convencer o governo a implantá-la. Os recursos de um programa-piloto da Embrapii vieram de uma parceria entre a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos] e a CNI”, diz. A sede da organização, em Brasília, funciona em instalações da CNI, que não cobra aluguel.
Em 2015, a CNI consultou empresas de grande e médio portes sobre seu estágio de inovação e perguntou quais eram os países em que elas se balizaram para avaliar o futuro. Os resultados ajudaram a MEI a organizar um programa, chamado Imersão em Ecossistemas de Inovação, que leva empresários e executivos a conhecer centros de pesquisa e empresas inovadoras no exterior – e também no Brasil. Criada em 2016, a iniciativa já promoveu viagens a países como Alemanha, Suécia e Estados Unidos. Mais de uma centena de pessoas participaram da iniciativa no ano passado. Uma das etapas aconteceu no país e levou os participantes a institutos de inovação do Senai e a unidades da Embrapii em cidades como Porto Alegre, Joinville, Curitiba, Rio de Janeiro e Salvador. As outras duas foram no exterior. Em setembro, um grupo de 25 empresários passou quatro dias nos Estados Unidos e fez visitas técnicas a empresas como Cisco, Google e Intel, e a instituições como o Stanford Research Institute e Lawrence Livermore National Laboratory, na Califórnia. E em outubro os empresários foram à Suécia, cumprindo um roteiro de visitas a parques tecnológicos e a empresas como a Saab e a aceleradora de startups Epicenter. “Vários participantes relataram que a experiência é transformadora e os ajudou a ter novos insights sobre como trabalhar a inovação”, explica Ricardo Pelegrini, o responsável pela organização do programa, que foi presidente da IBM Brasil e é um dos líderes da MEI.
Antes de cuidar do programa de imersão, Pelegrini foi convidado a coordenar a iniciativa da CNI para estimular a atração para o país de centros de pesquisa de empresas multinacionais. A missão aproveitava sua experiência – há sete anos, ele conseguiu trazer para o Brasil o nono centro internacional de pesquisa da IBM, disputado por 70 países. “Quando havia só mais dois competidores, a Austrália e os Emirados Árabes, fui defender a candidatura brasileira na sede da IBM e usei o exemplo da MEI para mostrar que existia no Brasil um foco crescente em inovação e uma consciência em relação à importância de inovar.” Dois vice-presidentes da IBM vieram ao Brasil e conheceram instituições, entre as quais a FAPESP. “O fato de haver uma fundação em São Paulo com uma estrutura complementar à esfera federal de financiamento à ciência e tecnologia colaborou para formar uma imagem positiva do país”, diz Pelegrini.
Para municiar o debate sobre a inovação, a MEI incentiva a produção de estudos e indicadores. Deve ser concluído neste mês um estudo feito por economistas das universidades Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e Estadual de Campinas (Unicamp) para a CNI com o objetivo de avaliar os impactos de tecnologias emergentes sobre a competitividade da indústria brasileira nos próximos 10 anos (ver Pesquisa FAPESP nº 264). O projeto Indústria 2027 foi um tema recorrente em reuniões de líderes da MEI no ano passado. Outra ação de destaque foi a parceria firmada com as organizações responsáveis pelo Índice Global de Inovação (GII), que permitirá a participação do Brasil na construção dos indicadores do relatório. No ranking que avalia o grau de inovação de 140 países, o Brasil aparece em 69º lugar, atrás de outras economias emergentes, como Índia e China (ver Pesquisa FAPESP nº 257). “Essa posição não é compatível com o posto de oitava economia do mundo. Nossa participação no índice vai nos ajudar a conhecer melhor nossas deficiências”, diz Gianna Sagazio.
A preocupação com recursos humanos talhados para a inovação levou a MEI a articular-se com a Associação Brasileira de Educação em Engenharia (Abenge) na elaboração de um documento com sugestões para fortalecer a formação de engenheiros – o texto propõe mudanças nos currículos e em metodologias de ensino, além de medidas para melhorar a qualidade do corpo docente. A proposta foi levada ao Conselho Nacional de Educação. “Quem faz inovação nas empresas são os engenheiros”, diz Vanderli Fava de Oliveira, professor da Universidade Federal de Juiz de Fora e presidente da Abenge, que reúne as escolas de engenharia do país.
O número de engenheiros formados cresceu bastante no país nos últimos anos – eram 25 mil no ano 2000 e passaram de 100 mil em 2016. As recomendações feitas por um grupo de trabalho da MEI e da Abenge têm como foco formar profissionais de alto nível. “Boa parte dos cursos de engenharia são privados e não têm a mesma qualidade dos cursos em universidades públicas”, explica Oliveira. “Uma mudança necessária para formar engenheiros mais completos será a criação de um sistema de residência dos estudantes em empresas, semelhante ao da medicina.” A formulação conjunta deu mais consistência à proposta, segundo ele: “O documento tem a visão de quem forma e a visão de quem precisa utilizar a mão de obra dos engenheiros”.
Andre Clark, presidente e CEO da Siemens no Brasil e um dos líderes da MEI, considera que a iniciativa tende a assumir um papel importante na criação de novas políticas industriais. “O fórum ajudou a coordenar elementos de políticas de Estado, o conhecimento gerado na academia e as estratégias empresariais”, afirma. “Agora, é necessário aumentar o conteúdo de inovação da indústria e a MEI se propõe a discutir isso de uma forma horizontal, sem defender benefícios para setores específicos nem protecionismo, mas melhorando o ambiente para todos.” Para Pedro Wongtschowski, um dos desafios da MEI é ajudar a levar à prática as mudanças viabilizadas pela legislação recente em inovação. “Com a redução do orçamento federal de ciência e tecnologia, também temos a tarefa de propor novas formas de financiar a inovação que resgatem a capacidade de investimento de órgãos fundamentais como a Finep”, afirma.
Republicar