A fabricação de painéis solares que captam energia do Sol para fornecer energia elétrica para satélites que giram ao redor do nosso planeta é a novidade tecnológica produzido na cidade de São José dos Campos. O mérito cabe à Orbital Engenharia, uma pequena empresa que desde o ano passado domina o ciclo completo de produção desses artefatos. “Além do Brasil, apenas países como Estados Unidos, França, Alemanha, Japão, Rússia e China têm capacidade para fabricar esses painéis”, diz o engenheiro mecânico Célio Costa Vaz, diretor da Orbital. Para adquirir o conhecimento e ingressar no seleto grupo de produtores de painéis solares espaciais, a empresa contou com financiamento da FAPESP, por meio do Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE).
Também conhecidos como geradores fotovoltaicos, os painéis são a forma mais eficiente de geração de energia para satélites e balões estratosféricos. Eles transformam a radiação solar encontrada no espaço em eletricidade, energia essencial para o funcionamento desses veículos espaciais. A explicação para que apenas um pequeno número de nações domine a tecnologia de produção desses geradores está na dificuldade de montagem de sua unidade básica, uma peça chamada de Solar Cell Assembly (SCA), ou célula solar montada, em uma tradução livre. “Se compararmos um painel a uma caixa de pilhas, cada célula seria uma pilha”, conta Vaz. Ela é composta de três componentes: a célula solar, o interconector e uma cobertura de proteção, conhecida como cover glass, ou cobertura de vidro.
As células solares podem ser feitas de vários materiais, entre eles o silício e o arseneto de gálio. Elas têm usualmente 0,2 milímetro (mm) de espessura e normalmente larguras que variam de 2 centímetros (cm) por 4 cm a 4 cm por 7 cm. Os interconectores são minúsculas peças de prata, com 0,012 milímetro de espessura, usadas para fazer o contato elétrico entre as células. Ocover glass , por sua vez, é um vidro bem fino (entre 0,1 mm e 0,2 mm de espessura), semelhante a uma lâmina de microscópio, dotado de uma camada anti-refletora. Ele é colado sobre a célula solar e a protege das radiações existentes no espaço como prótons e elétrons.
Ferramentas essenciais
Esses três componentes – célula solar, interconetor e cover glass – podem ser facilmente comprados, mas o problema é fazer a montagem da célula. “À primeira vista, pode parecer um desafio simples, mas não é. Existem vários requisitos de qualidade que tornam essa montagem muito complexa. No passado, tentamos desenvolvê-la e qualificá-la, mas não conseguimos”, afirma o engenheiro Célio Vaz, que trabalhou durante 18 anos no Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com sede em São José dos Campos. O complicador é o fato de o ferramental necessário para produção da SCA não ser encontrado no mercado, ao contrário dos componentes. “Tivemos que fazer o desenvolvimento dos equipamentos, dispositivos e ferramentas para fabricar a Solar Cell Assembly. Isso só foi possível com o financiamento do PIPE.”
Durante a primeira fase do projeto, o pesquisador desenhou os equipamentos para produção das células e do painel solar, definiu os processos e procedimentos de fabricação, esboçou o plano de garantia do produto, os programas de inspeção e testes de qualificação. Esse trabalho, iniciado em abril de 2001, levou cerca de seis meses.
Na segunda fase, com duração de dois anos, os equipamentos foram efetivamente produzidos, os processos, desenvolvidos e os corpos-de-prova, fabricados e testados. “Os resultados obtidos demonstram que dispomos de qualidade tecnológica e meios de fabricação qualificados para atender à demanda por equipamentos para o setor aeroespacial”, afirma Célio Vaz. Segundo o engenheiro, o domínio dessa tecnologia trará grandes benefícios ao país, como a substituição de importações, a geração de empregos locais – a Orbital emprega quatro pessoas, sendo duas de nível superior – e a possibilidade de exportar produtos e serviços com alto valor agregado.
Dois pedidos
Os clientes finais da Orbital são a Agência Espacial Brasileira (AEB) e o Inpe, centro de pesquisa com o qual a empresa firmou seu primeiro contrato, em dezembro de 2001. A empresa participou de uma concorrência pública e foi escolhida para fabricar quatro painéis solares para o Satélite Científico (Satec), cada um deles medindo 50 cm por 66 cm. Nesse projeto, foram utilizados 1.100 células importadas, porque até aquela data a Orbital ainda não produzia esses componentes. Cada célula, feita com silício monocristalino, media 20 mm por 40 mm. O Satec estava programado para ser colocado em órbita pelo Veículo Lançador de Foguetes (VLS), que explodiu na base de lançamento de foguetes de Alcântara, no Maranhão, em agosto do ano passado.
Em setembro de 2002, a empresa foi subcontratada para participar de uma empreitada ainda mais ambiciosa: projetar e fabricar os painéis solares que serão instalados num módulo de serviço comum a uma série de satélites denominado Plataforma Multimissão (PMM), com capacidade de levar, em cada vôo, cargas úteis variáveis como câmeras para captar imagens da Terra, radares ou experimentos científicos, por exemplo. Ela está sendo construída para a AEB e para o Inpe por um consórcio de empresas nacionais: Atech, de São Paulo, Cenic, Fibraforte e Mectron, de São José dos Campos.
A plataforma é dotada de equipamentos básicos (sistema de suprimento de energia, propulsão, telecomunicações etc.) que servem para manter em operação a carga útil do satélite, como câmeras de imageamento terrestre, radares, sensores e experimentos científicos. “A plataforma encontra-se em fase de detalhamento doprojeto. Iremos projetar, desenvolver e montar painéis solares para as duas asas da plataforma, cada uma deles com cerca de 80 cm por 130 cm e quase 1.500 células”, explica o diretor da Orbital. A previsão é de que os painéis e a plataforma estejam prontos até o início de 2006.
Qualidade internacional
Como o mercado nacional de satélites é limitado e sazonal, a Orbital está mirando clientes no exterior para crescer. “Pretendemos entrar em licitações internacionais e, para isso, estamos em processo para obter a certificação pela norma NBR 15100 Sistema de Qualidade Espacial, que corresponde à AS 9100A em nível internacional”, afirma Célio Vaz. Segundo o engenheiro, os Estados Unidos fabricam algumas dezenas de satélites científicos por ano e são um ótimo mercado. “Acredito que poderemos ser bem-sucedidos por lá se tivermos preço competitivo.
Além disso, países como México, Chile e Argentina têm programas espaciais e não dominam a tecnologia de fabricação desses painéis.” Outra alternativa para sobreviver nesse mercado é diversificar a produção. “Pensamos em usar a tecnologia e os equipamentos desenvolvidos por nós para fabricar outros produtos, como sensores ópticos e equipamentos para armazenar e condicionar a energia captada pelos painéis”, diz Célio Vaz.
Os painéis solares espaciais, no entanto, não podem ser usados aqui na Terra, porque eles diferem bastante dos dispositivos similares de uso terrestre. Os painéis solares terrestres são projetados para o tipo de luz que chega na superfície da Terra, com um espectro eletromagnético diferente do existente fora da atmosfera. Outra diferença está no encapsulamento do painel. O terrestre tem que ser protegido contra umidade e choques físicos, provocados, por exemplo, por chuva de granizo.
O Projeto
Geradores Fotovoltaicos para Aplicações Aeroespaciais (nº 01/03041-2); Modalidade Programa de Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (PIPE); Coordenador Célio Costa Vaz – Orbital; Investimento R$ 236.700,00 e US$ 41.308,95