Ao longo da costa brasileira, no fundo do oceano, repousam grandes depósitos de gás e petróleo, principalmente na Região Sudeste do país onde tudo indica que foram encontradas grandes reservas na camada pré-sal. Retirá-los de lá requer estruturas flutuantes – plataformas e navios – e sistemas submarinos com tecnologia de última geração e muito caros. Para saber se vão funcionar a contento e se o dinheiro investido não será perdido, esses equipamentos antes de serem construí-dos e lançados ao mar precisam passar por testes de validação em tanques virtuais formados por computadores e em tanques de provas físicos semelhantes a piscinas, duas formas de experimento que estão reunidas desde dezembro na Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP). Batizado de Tanque de Provas Numérico (TPN), o laboratório vir-tual da Poli existe desde 2002 por meio de uma parceria com a Petrobras. Em 2006, o TPN se tornou um dos quatro nós da Rede Temática de Computação Científica e Visualização, conhecida como Rede Galileu – os outros três estão nas universidades federais do Rio de Janeiro e de Alagoas e na Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Fazem parte ainda da Galileu outras 10 universidades e instituições de pesquisa.
A ampliação e modernização do TPN atende às novas demandas surgidas principalmente com o anúncio da descoberta de petróleo e gás da camada abaixo do sal existente no fundo do mar em 2007. O sistema computacional do laboratório ganhou um novo cluster, um aglomerado de computadores, com 1.792 processadores que trabalham em paralelo. Para abrigar esse novo recurso, além do tanque físico, foi erguido um edifício com uma área construída de cerca 1.600 m² e acomodações para mais de 80 pesquisadores. No total, foram investidos R$ 9,5 milhões, dos quais R$ 9 milhões vieram da Petrobras e o restante da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).
O tanque físico, chamado de Calibrador Hidrodinâmico (CH-TPN-USP), tem 14 metros (m) por 14 m de lado e 4 m de profundidade e é dotado de geradores e absorvedores de ondas (flaps). No total são 148 deles, dispostos ao longo de todo o perímetro do tanque, em que é possível criar ondas multidirecionais, regulares ou aleatórias. De acordo com o professor Kazuo Nishimoto, do Departamento de Engenharia Naval e Oceânica da Poli e coor-denador do TPN, com a capacidade dos flaps de absorverem ondas e não refleti-las, é possível também simular condições de mar infinito, como se o tanque não tivesse laterais e as ondas se propagassem sem reflexão. Os flaps, ventiladores e outros sistemas permitem representar, além de ondas, as principais condições ambientais que agem sobre navios e plataformas marinhas, como correntezas e ventos, desde uma leve brisa até furacões. Além disso, também é possível reproduzir a dinâmica das linhas de ancoragem – cabos fixados no solo marinho que mantêm a plataforma no lugar – e dos risers, dutos rígidos, de aço ou flexíveis, que levam o óleo extraí-do até a plataforma de produção.
Apesar das vantagens, esse tipo de tanque também tem alguns inconvenientes. Além de custos elevados, ele tem limitações físicas para simular situa-ções que ocorrem em ambientes com grande profundidade, não permitindo reprodução fiel da dinâmica de todo o sistema. Para melhor representar condições em ambientes com profundidades ao redor de 3 mil metros ou mais seria necessário um tanque de dimensões inviáveis fisicamente. Ou os modelos das embarcações e das plataformas ficariam tão pequenos que comprometeriam a representação física e a análise em escala real. Para superar essas limitações existem os tanques virtuais ou simuladores numéricos, que é o caso do TPN. Trata-se de um programa computacional capaz de representar matematicamente as mesmas condições geradas por um tanque de provas físico, com a vantagem de não haver as restrições dimensionais e obter os resultados com maior rapidez e precisão. Além disso, o simulador numérico calcula a dinâmica das unidades flutuan-tes, dos esforços e tensões nas linhas de amarração e nos risers.
Tarefa veloz
O cluster de computadores é capaz de realizar centenas de simulações de diversas condições ambientais em questão de minutos. Nishimoto explica que um cluster de computadores é um agregado de processadores dedicados, que resolvem uma tarefa única de forma cooperativa e integrada. Assim, as operações de cálculo são subdivididas e distribuídas por todos os processadores que compõem o grupo, tornando a resolução dos problemas mais rápida. A opção por esse sistema foi feita em 2002 quando foi criado o TPN. “Decidimos que, em vez de investir em supercomputadores especializados, o melhor seria desenvolver um cluster com desempenho semelhante e a um custo muito menor”, conta Nishimoto. Hoje a capacidade de processamento do TPN é de 55 teraflops, o que significa 55 trilhões de operações matemáticas por segundo. Só para comparar, os computadores pessoais mais velozes existentes não chegam a 0,1 teraflops. Flops significa floating point operations per second ou operações de ponto flutuante por segundo.
As simulações realizadas no TPN serão fundamentais para o sucesso da exploração das reservas petrolíferas da camada pré-sal, segundo Luiz Levy, gerente de métodos científicos do Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (Cenpes) da Petrobras. “As reservas estão muito longe da costa e em grande profundidade, o que torna um desafio sua exploração”, diz. “No TPN será possível realizar uma série de cálculos e simulações.” Além das simulações convencionais da exploração de óleo e gás, a Rede Galileu também poderá representar os processos de perfuração das camadas de sal. “Perfurar essas camadas é um grande desafio, porque elas sofrem deformações e podem colapsar a coluna de perfuração”, explica Nishimoto. “Para cada poço é preciso criar um modelo numérico, que simule as condições do mar, do solo e calcule a dinâmica das embarcações envolvidas na exploração.”
Os testes realizados no TPN geram uma quantidade de dados tão grande que é quase impossível analisá-los por processos convencionais. Para resolver esse problema foi criado o TPNView, um programa de computador de visua-lização, baseado em técnicas de computação gráfica em tempo real, que possibilita uma representação precisa do ambiente em realidade virtual. Ele alia a visualização em três dimensões (3D) e ferramentas de análise de dados como estatísticas, gráficos e diagramas. Apesar da sofisticação do TPN, ele não substitui o tanque de provas físico. Um complementa o outro e é justamente esse trabalho conjunto que torna o laboratório da USP raro no mundo. “Existem muitos tanques físicos na Noruega, na Holanda e no Japão, porém não existe um laboratório que acople tanque físico com numérico com cluster do porte de 55 teraflops. Assim hoje o TPN torna-se único no mundo.”
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