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A transição será suave

O pesquisador norte-americano diz que o etanol de celulose e o de cana prometem ser mais complementares do que competidores

DARTMOUTH COLLEGELyndDARTMOUTH COLLEGE

Lee Rybeck Lynd, 52 anos, é um pioneiro na pesquisa da utilização de biomassa para produção de energia. Seu interesse sobre o tema surgiu do final dos anos 1970, quando a possibilidade de converter celulose em biocombustíveis inspirou sua monografia de graduação – e não arrefeceu desde então. Há 22 anos, o professor de engenharia e biologia lidera um grupo de pesquisa na Thayer School of Engineering, no Dartmouth College, instituição de ensino superior de 240 anos situada em Hanover, estado de New Hampshire. Sua equipe, que já produziu mais de uma centena de artigos científicos e uma dezena de patentes, é responsável por uma parte fundamental da pesquisa norte-americana sobre o etanol de segunda geração, extraído de celulose, que encerra a promessa de produzir biocombustíveis a partir de madeira, resíduos agrícolas e vários tipos de plantas, sem rivalizar com a produção de alimentos.

Enquanto a maioria das rotas biológicas em estudo para processamento de biomassa celulósica tinha como foco a produção em separado de enzimas, num processo em várias etapas, o grupo de Lynd identificou em uma outra técnica um modo mais simples e potencialmente mais barato de chegar ao mesmo resultado. Trata-se do bioprocessamento consolidado (CBP), no qual as quatro transformações envolvidas na produção do bioetanol (produção de enzimas, sacarificação, fermentação de hexoses e fermentação de pentoses) acontecem numa só fase. Segundo a técnica, microrganismos produzem anaerobicamente complexos enzimáticos com melhor atividade que as enzimas utilizadas pelos outros processos. O grupo de Lynd é um dos mais ativos no planeta nessa abordagem.

Em 2005 o pesquisador aliou-se a investidores de venture capital para fundar a Mascoma, empresa de pesquisa em biocombustíveis que recebeu aportes de capitalistas como Vinod Khosla, o fundador da Sun Microsystems. A empresa tem a patente de micróbios capazes de produzir as enzimas e, segundo Lynd, está próxima de obter a aplicação comercial do processo.

Além de seu trabalho como pesquisador e empreendedor, Lynd é um requisitado conselheiro de autoridades. Testemunhou sobre biocombustíveis no Senado norte-americano e participou de um comitê sobre o assunto no governo Clinton. Também produziu relatórios em coautoria com organizações não governamentais, como a Natural Resources Defense Council. Em sua empreitada mais recente, é um dos líderes do projeto Global Sustainable Bioenergy: Feasibility and Implementation Paths, uma equipe internacional de cientistas que vai debruçar-se sobre o estudo das possibilidades de uso dos biocombustíveis em nível mundial e em larga escala e buscar um consenso científico sobre o assunto. As reuniões do grupo acontecerão em cinco países – Estados Unidos, África do Sul, Malásia, Holanda e Brasil (ver Pesquisa FAPESP nº 162). Os físicos José Goldemberg, reitor da USP entre 1986 e 1990, e Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da FAPESP, participam do comitê organizador das reuniões do projeto. O estudo é importante para o Brasil pela oportunidade de discutir as evidências científicas sobre a viabilidade de produzir biocombustíveis em larga escala, tanto o etanol de cana, cuja produção mundial o país lidera, quanto o etanol de celulose, que pode colocar outros países no mapa do uso do combustível.

Palestrante principal de um work­shop do Programa FAPESP de Pesquisa em Bioenergia, programado para o dia 10 de setembro, Lynd deu a Pesquisa FAPESP a seguinte entrevista:

O quanto estamos próximos de produzir etanol celulósico em larga escala? Que desafios tecnológicos ainda precisam ser solucionados?
O preço de compra da biomassa de celulose no mercado futuro, de cerca de US$ 60 a tonelada, é competitivo com o petróleo a US$ 20 o barril. O obstáculo é o custo de processamento, não o da matéria-prima. A conversão de açúcares em etanol é obtida atualmente a um custo muito baixo, usando tecnologia madura e em larga escala, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos. A barreira, portanto, não é essa. A indústria do etanol celulósico já existiria hoje não fosse a dificuldade de produção de intermediários reativos, notadamente os açúcares, a partir deste material de baixo custo disponível. Superar a resistência da biomassa de celulose com uma tecnologia de baixo custo é a questão-chave, sendo que o custo das chamadas enzimas celulases é o principal componente. Recentemente, a Mascoma Corporation mostrou que a necessidade de adicionar enzimas celulases pode ser reduzida várias vezes, e até eliminada para algumas fontes de celulose, utilizando-se uma abordagem chamada bioprocessamento consolidado, ou CBP. À luz deste avanço, acredito estar claro que a barreira da resistência será derrubada, viabilizando comercialmente a indústria de biocombustíveis de celulose. É possível acelerar esse processo, mas isso exigirá o alinhamento de interesses e de recursos envolvendo múltiplos atores.

Quais são as fontes mais viáveis para a conversão de celulose? Como o senhor avalia o potencial do bagaço de cana-de-açúcar?
Um amplo espectro de fontes de lignocelulose é potencialmente atrativo para a conversão ao etanol, incluindo gramíneas, plantas herbáceas, árvores e resíduos de diversos processos. O bagaço é uma das matérias-primas mais atraentes, pois está disponível em grandes quantidades e pode ser processado através de infraestrutura disponível em uma usina de etanol de cana e/ou açúcar. O bagaço já tem valor atualmente como fonte de calor e, cada vez mais, de eletricidade. Para incorporá-lo à produção de biocombustíveis será preciso adicionar valor para além das opções atuais de processamento. Não analisei esta questão em detalhes, mas minha avaliação preliminar e de outros especialistas com quem tenho falado é de que é provavelmente viável. A conversão da palha de cana-de-açúcar representa outra oportunidade potencial de transformar a lignocelulose que também merece ser avaliada.

INRA LILLE/S. CADOUXMiscanthus, opção dos norte-americanos para produção de etanol celulósicoINRA LILLE/S. CADOUX

Quais são as vantagens do bioprocessamento consolidado (CBP) em relação a outras vias para obter o etanol celulósico?
A estratégia do CBP obteve baixos custos financeiros e operacionais por meio da simplificação de processos e da eliminação da adição de enzimas, que são caras. Conforme afirmou um painel de especialistas convocados pelo Departamento de Energia dos Estados Unidos, o DOE Joint Task Force – 2006, o CBP é “considerado a melhor configuração de baixo custo para a hidrólise e a fermentação da celulose”. Embora haja um amplo consenso sobre os benefícios de transformação do CBP, existe uma diversidade maior de opiniões sobre se a tecnologia tem perspectiva de curto ou de longo prazo. No CBP as enzimas celulases são produzidas pelo mesmo microrganismo que fermenta os açúcares e os converte em etanol. Assim, todos os processos biológicos ocorrem numa única etapa. Como o CBP é realizado sob condições anaeróbicas, evitam-se os custos ligados à aeração, e a energia metabólica para produção de celulases é fornecida pela fermentação, resultando em etanol. Com o CBP, produzir etanol de lignocelulose parece-se muito com a produção de etanol de cana, com a diferença de que a lignocelulose pré-tratada recebe micróbios fermentadores de celulose, enquanto o caldo de cana recebe micróbios fermentadores de açúcar. Já as outras rotas alternativas biológicas de produção de etanol de celulose envolvem múltiplas etapas, e uma delas requer a produção aeróbica de celulases, na qual a energia metabólica para a sua produção é fornecida pela respiração, resultando em CO2, água e perda de valor calorífico da matéria–prima. Também existem formas não biológicas para superar a recalcitrância da celulose, como a hidrólise ácida ou gaseificação. O CBP tornou-se possível graças a avanços em biotecnologia que só recentemente puderam ser demonstrados em condições industriais. Já a hidrólise ácida e a gaseificação vêm sendo testadas industrialmente há décadas e nunca vi avanços nestas tecnologias com impactos comparáveis às do CBP.

É verdade que a sua monografia de graduação, de 30 anos atrás, já sugeria essa solução?
O CBP foi o foco central da minha monografia de graduação concluída em 1979, embora essa estratégia de processamento tenha recebido um nome diferente. Eu venho trabalhando nisso desde então. Fico satisfeito que esse longo caminho pareça estar perto da realidade.

Quais são as perspectivas da tecnologia patenteada pela Mascoma? O capital de risco está ajudando a fomentar as pesquisas para o etanol celulósico?
Eu prevejo que a tecnologia CBP da Mascoma, incluindo tanto os avanços já obtidos quanto os que estão em andamento, vai viabilizar plantas comerciais de etanol celulósico num futuro próximo, ao mesmo tempo que deve agregar valor para os agricultores e criar uma plataforma a partir da qual será possível produzir uma diversidade de produtos provenientes de matérias–primas lignocelulósicas. É importante compreender que a abordagem do CBP é propícia para a produção de todos os combustíveis e os produtos obtidos de biomassa celulósica, e não só para o etanol. O capital de risco teve um papel vital para levar a Mascoma ao patamar atual, e eu espero que os primeiros investidores da empresa sejam recompensados. Olhando para o futuro da empresa, prevejo um maior investimento de parceiros estratégicos e de investidores institucionais, bem como o venture capital. A Mascoma adota um modelo de negócio de “franquia” em que nós tomamos uma participação acionária em uma fábrica operada por parceiros, em oposição ao modelo “construa-possua-e-opere”. Parcerias estratégicas representam uma saída natural e promissora para conseguir um impacto rápido do mercado.

A cana-de-açúcar tem um bom equilíbrio energético e sua produção poderia se expandir em áreas degradadas ou de pastagens no Brasil e na África. A produtividade aumentou 4% ao ano nos últimos 30 anos no Brasil. Qual, na sua opinião, será o futuro do etanol de cana-de-açúcar? Por que não continuar a investir em pesquisa de etanol de primeira geração?
A crescente demanda mundial por combustíveis renováveis e de baixa emissão de gases estufa exige a exploração e o desenvolvimento de matérias-primas diversas, incluindo aquelas das quais se extraem facilmente açúcares simples e aquelas em que há mais dificuldades. A diversificação das matérias-primas irá melhorar a previsibilidade global dos negócios para os produtores de etanol, diminuindo o impacto das flutuações de preços de matérias-primas, como a cana, que possui mercados alternativos – como se viu na recente duplicação dos preços do açúcar no mundo. O etanol de cana-de-açúcar é reconhecido por combinar, em maior medida do que outros biocombustíveis, baixas emissões de gases estufa, elevada produção de combustível por hectare e impactos modestos sobre a poluição da água. Figura, dessa forma, entre as principais opções consideradas por países que buscam aumentar a produção de biocombustíveis. O etanol de cana e a experiência adquirida com a sua produção também são importantes no que diz respeito às tecnologias emergentes para produzir biocombustíveis a partir de lignocelulose. O bagaço de cana é um ponto lógico de entrada e um campo de provas para tais tecnologias. Da mesma forma, parentes próximos da cana-de-açúcar, incluindo-se aí, sem prejuízo de outros, o Miscanthus, têm potencial como matéria-prima para conversão de lignocelulose e podem ser produzidos em climas temperados, onde a cana não cresce atualmente. Os biocombustíveis celulósicos também oferecem oportunidades para responder às preocupações sobre a disponibilidade de terra. No entanto, o processamento de lignocelulose precisa avançar muito até que seu custo seja competitivo com a produção de etanol de cana. No curto prazo, o etanol de celulose e o etanol de cana prometem ser muito mais complementares do que competidores. No longo prazo, qualquer transição do etanol de cana para o celulósico ocorrerá provavelmente de forma suave, não abrupta, vinculando-se apenas a processos e matérias-primas que ofereçam melhorias em relação a práticas correntes. Quanto à pesquisa, temos evidentemente de melhorar as coisas boas que estamos fazendo agora – mas também viabilizar coisas boas que ainda não somos capazes de fazer. Dessa forma, faz sentido darmos sequência à pesquisa com etanol de cana, mas também incluirmos uma linha agressiva de investigação para estabelecer o etanol lignocelulósico, especialmente agora que a aplicação comercial está ao nosso alcance.

WIKIMEDIA COMMONSUsina de produção de álcool nos EUA: opção pelo milho em xequeWIKIMEDIA COMMONS

Em um artigo que o senhor escreveu com Nathanael Greene diz-se que “os biocombustíveis são uma pequena parte do cenário de preços de alimentos, consumindo apenas 4% de grãos no mundo, e há pouca evidência de que os preços dos alimentos seriam muito menores se não houvesse a produção de biocombustíveis”. Qual é o tamanho real do risco em matéria de segurança alimentar?
Embora as questões envolvendo segurança alimentar, biocombustíveis e suas interações sejam complexas, algumas observações importantes podem ser feitas. Há evidências fortes que confirmam uma afirmação recente, feita por um grupo de pesquisadores na revista Science, segundo a qual não podemos nos dar ao luxo de desperdiçar os ganhos propiciados pelos biocombustíveis produzidos da maneira correta, tanto no combate ao efeito estufa quanto em relação a benefícios ambientais e sociais. Mas tampouco devemos aceitar os impactos indesejáveis dos biocombustíveis feitos de maneira equivocada. É particularmente importante neste contexto entender dois pontos. Primeiro: os riscos ambientais e relacionados ao uso da terra associados aos biocombustíveis feitos de maneira errada são evitáveis e não necessariamente uma consequência da produção dos biocombustíveis. Segundo: há riscos ao meio ambiente e a outros interesses importantes associados justamente quando se abre mão de pesquisar os biocombustíveis. Os resultados prováveis de não perseguir os biocombustíveis incluem o aumento da produção de petróleo a partir de óleo de xisto e areias betuminosas ou o desperdício de oportunidades para o desenvolvimento econômico rural e da segurança energética. Em decorrência da escassez de alternativas de combustíveis líquidos para veículos pesados, é mais fácil desenvolver um setor de transporte sustentável com os biocombustíveis do que sem eles.

Quais são as suas expectativas em relação ao projeto Global Sustainable Bioenergy (GSB)? Que contribuição os pesquisadores convidados podem oferecer?
Há atualmente grande confusão e incerteza sobre algumas questões. Uma delas é a seguinte: vale a pena apostar que a bioenergia desempenhará um papel importante no futuro? E, em caso afirmativo, quais políticas são necessárias para garantir um resultado sustentável? Essa incerteza é péssima. Por um lado, pode significar que desviamos o nosso foco graças a uma visão distorcida do potencial da bioenergia. Por outro, que nossa ambivalência em relação a ela está fazendo com que invistamos menos no seu potencial do que os méritos recomendam. Ou, pior, as duas coisas ao mesmo tempo. Espero que o projeto GSB traga clareza e consenso para estas questões. Um dos objetivos- -chave do projeto, e de sua fase 2 em particular, é buscar ativamente cenários para o uso futuro da terra não vinculados a tendências atuais. Tais cenários são, por definição, improváveis hoje. Entretanto, os cenários improváveis de hoje são exatamente o que precisamos, pois não podemos alcançar um mundo seguro e sustentável dando continuidade às práticas que deram resultados tão insustentáveis e inseguros no presente. A análise das possibilidades de uso futuro intensivo da bioenergia, realizada na fase 2, trará motivação e informação para a fase 3 do projeto, que então voltará ao presente, abordando caminhos e políticas de transição, questões éticas e financeiras, e análises de escala local. Para alcançar viabilidade, relevância e impacto globais, é essencial que o projeto envolva analistas e tomadores de decisões do mundo todo.

Espera-se uma contribuição específica dos pesquisadores brasileiros?
A participação brasileira no projeto é importante por várias razões. Primeiro: o Brasil tem muito a ensinar ao mundo sobre sua estratégia no campo dos biocombustíveis. A participação do combustível proveniente de biomassa em sua matriz energética é maior que a de qualquer outro país do mundo. Em segundo lugar, no curso das discussões informais associadas ao planejamento do projeto GSB, especialistas brasileiros lembraram que a preocupação expressa nos Estados Unidos e na Europa em relação à mudança do uso da terra é vista sob uma perspectiva bem diferente na América do Sul e na África. Perspectivas como essa são essenciais para que os objetivos do projeto GSB se realizem. Finalmente, como um país que detém uma grande indústria de biocombustíveis, uma infraestrutura moderna e uma extensa população pobre, o Brasil está numa posição privilegiada para ajudar na compreensão dos impactos dos biocombustíveis no mundo em desenvolvimento e no combate à pobreza.

O grupo vai analisar apenas as tecnologias de segunda geração ou também vai avaliar os progressos em tecnologias de primeira geração? Que matérias-primas serão consideradas?
O projeto partirá de uma abordagem neutra em relação a matérias-primas, levando em conta o desempenho de cada uma, considerando fontes de primeira geração e tecnologias na medida em que elas respondam aos objetivos. Não tomamos decisões em relação a matérias-primas específicas.

O grupo avalia as emissões de gases e outros problemas relacionados com as mudanças no uso da terra?
Diferentemente de muitos estudos, nossa ênfase maior repousa em evitar impactos indesejáveis associados a mudanças indiretas no uso da terra, presumindo que houve motivação para que eles acontecessem, em vez de quantificar tais mudanças, presumindo que não houve tal motivação.

Quais são suas expectativas sobre os investimentos e os avanços das tecnologias verdes, como o etanol celulósico, no governo do presidente Obama?
Como resultado tanto de um discernimento peculiar quanto do momento que estão vivendo, o presidente Obama, o secretário de Energia, Steven Chu, e outros membros do governo têm dado uma prioridade maior a tecnologias “verdes” do que as administrações anteriores. Ainda não sabemos ao certo como isso vai traduzir-se em ações. Mas estou esperançoso, tanto pela consciência da administração sobre a importância das energias renováveis como por alguns passos iniciais positivos, como os US$ 2 bilhões em dinheiro para apoiar pesquisas sobre a produção sustentável de energia e sua conservação. Acredito que os Estados Unidos e outros países desenvolvidos têm uma obrigação moral e um interesse pragmático de modificar a nossa utilização de recursos tomando como exemplo práticas adotadas pelo mundo em desenvolvimento.

Qual a sua opinião sobre as novas abordagens para a obtenção de biocombustíveis, como a gasolina verde, produzida a partir de açúcares derivados da biomassa?
Temos de considerar todas as tecnologias de conversão capazes de produzir combustíveis de transporte aceitáveis, desde que passem por um teste de viabilidade, mostrando-se rentáveis e passíveis de produção em escala. Existe claramente o interesse de vários atores, incluindo as empresas multinacionais do petróleo, em desenvolver biocombustíveis tanto para veículos pesados como para os leves. Acredito, aliás, que no longo prazo será maior a necessidade de biocombustíveis para veículos pesados que para veículos pessoais. A compatibilidade com a infraestrutura existente de petróleo combustível é importante, mas o preço e o desempenho serão fatores determinantes no longo prazo. Elaborando isso um pouco, eu penso que uma abordagem de três etapas faz sentido com relação a novas tecnologias energéticas. O primeiro passo é o chamado sniff test, um teste para avaliar se a ideia tem potencial para ser rentável e produzida em escala. Desejamos que as tecnologias passem no teste, porque precisamos de múltiplos caminhos para obter sucesso. No entanto, não devemos gastar tempo com ideias que não representem uma esperança realista de obter um impacto significativo. Na minha opinião, nem todas as tecnologias energéticas que estão sendo desenvolvidas tanto por governos como pelo setor privado passaram por este teste. Numa segunda etapa, atividades com foco na inovação devem ser fomentadas para explorar uma vasta gama de tecnologias que passaram no teste. Como faz o capital de risco, precisaríamos de um portfólio diversificado de uns dez investimentos, sendo que cinco podem falhar completamente, três podem ter sucesso de forma marginal, mas dois precisam ter sucesso para pagar por todo o resto. Apostar em soluções únicas não é a melhor maneira de garantir uma passagem bem-sucedida no processo de transição sustentável. E, após um grande investimento em inovação, as soluções que serão adotadas em larga escala devem ser determinadas pelos consumidores, em resposta ao desempenho dos produtos e a seu valor, determinado tanto pelo custo de produção como por valores sociais não contemplados pelas forças do mercado.

Sobre a capacidade de fazer a transição para uma economia sustentável, o senhor disse certa vez que, em algumas centenas de anos, quando as pessoas olharem para trás e analisarem a nossa época, uma das coisas-chave sobre as quais vão nos julgar será nossa habilidade em lidar ou não com essa transição. Será que estamos indo bem? Está otimista?
Bem, acho que nossa situação é ainda perigosa em termos absolutos, mas a tendência no que diz respeito ao aumento da conscientização e do senso de urgência é positiva. As trajetórias atuais não são sustentáveis, e devemos, portanto, olhar para além delas a fim de encontrar futuros viáveis. Nesse contexto, é necessário admitir que o business as usual é, na verdade, uma fantasia, não um patamar. O primeiro passo para tornar reais cenários futuros tidos como improváveis é mostrar que eles são possíveis. Eu estou dedicando a minha carreira para desenvolver esta compreensão de possibilidade, tanto no nível da tecnologia como no dos recursos e questões ambientais.

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