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Tecnologia da Informação

Fios mais finos

Físicos desenvolvem fibras ópticas que podem interligar circuitos nos computadores do futuro

Pequenos tubos de vidro que, depois de aquecidos, são transformados em fibras de vidro

MIGUEL BOYAYAN Pequenos tubos de vidro que, depois de aquecidos, são transformados em fibras de vidroMIGUEL BOYAYAN

Ninguém percebe e poucos sabem que qualquer envio de e-mail para fora do país ou o acesso a um site norte-americano, por exemplo, é feito via cabos de fibras ópticas. Esses finos tubinhos feitos de sílica purificada de areia transportam as informações de um lado para outro por meio da luz de lasers. Agora o mesmo princípio começa a ser usado para a concepção dos computadores do futuro em uma tendência tecnológica que propõe o uso de circuitos totalmente feitos de luz. A ideia é usar micro e nanofibras ópticas para a interligação dos circuitos computacionais que estão por vir. Trata-se de dispositivos que são estudados no Brasil e já foram elaborados no Laboratório de Fibras Especiais (LaFE) do Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

“Essas micro e pequenas fibras poderão servir no futuro para interligar ou funcionar como filtro nos circuitos de computadores quando a luz de lasers poderá ser empregada no lugar dos chips atuais”, diz o professor Cristiano Monteiro de Barros Cordeiro, coordenador do projeto que integra o Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (Cepof) de Campinas, liderado pelo professor Hugo Fragnito e financiado pela FAPESP dentro do Programa de Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (Cepids).

As novas fibras podem medir até quinhentas vezes menos que um fio de cabelo, ou 500 nanômetros (1 nanômetro igual a 1 milímetro dividido por 1 milhão). As fibras comerciais são bem maiores, com diâmetros de 125 mícrons, portanto um pouco maiores que um fio de cabelo. “O uso das micros e nanofibras ainda é um exercício de futurologia, mas trabalha-se na perspectiva de que as atuais trilhas metálicas com passagem de elétrons dos chips possam ser substituídas por trilhas de luz”, diz Cordeiro.

Embora ainda consideradas uma promessa, as micro e nanofibras oferecem a perspectiva de consumir menos energia e aquecer pouco o sistema, uma qualidade importante para a principal função a que elas são candidatas, a de interligar chips e demais circuitos dentro de um computador. Algumas das novas fibras têm diâmetro de 1 mícron, portanto, são menores que o comprimento de onda dos feixes de laser típicos desses dispositivos, de 1,5 mícron, usados nas comunicações ópticas atuais. Assim, parte da luz fica do lado de fora da parede da fibra, mas a onda luminosa continua a acompanhar o comprimento do dispositivo. “Se essa parte de luz que fica para fora ajuda ou atrapalha a interconexão óptica futura ainda é uma questão aberta em todos os grupos mundiais que estudam essas fibras”, diz Cordeiro, que se dedica ao estudo desse tipo de fibra óptica desde 2009. Entre esses grupos estão a Universidade de Southampton, no Reino Unido, e o OFS Laboratories, dos Estados Unidos, ligado à empresa Furukawa, do Japão.

Outra função dessas fibras é o uso como sensor óptico, aspecto que foi objeto de um depósito de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) no final de 2011. O grupo produziu uma fibra com 50 vezes mais sensibilidade à tração mecânica que as existentes atualmente. Elas podem ser usadas na construção civil ao serem coladas ao longo de pontes, por exemplo, para medir, com a alteração na luz, a deformação da estrutura na passagem de um caminhão.

185_fibrasopticas_esp50O estudo e concepção de fibras ópticas e demais segmentos das comunicações por meio de laser já podem ser considerados uma tradição nos laboratórios do IFGW da Unicamp. Foram lá que surgiram, no final dos anos 1970, as primeiras fibras ópticas no Brasil, ainda uma novidade mesmo nos paí-ses mais avançados em tecnologia. A primeira surgiu exatamente em 1977 e teve a liderança dos professores Rogério Cerqueira Leite, José Ripper Filho e Sergio Porto. Eles trabalharam como pesquisadores no Bell Labs, nos Estados Unidos, centro de pesquisa responsável pela invenção dos transistores e do laser e onde foram realizados os primeiros testes com fibras ópticas. Perceberam a novidade que se formava naquele centro de pesquisa com o uso de laser e fibras nas telecomunicações e trouxeram para a Unicamp a ideia inovadora.

As etapas seguintes desses estudos tiveram a participação dos professores Hugo Fragnito, Carlos Henrique de Brito Cruz, atual diretor-científico da FAPESP, e Carlos Lenz, pesquisadores que já trabalharam no Bell Labs. “O Bell Labs era um ambiente em que se discutia muito o futuro e indicava o que tínhamos que estudar hoje e o que seria importante nas próximas décadas”, diz Fragnito.

Assim, a pesquisa no IFGW em relação às fibras ópticas apresentaram vários segmentos, como o estudo de um tipo especial desses dispositivos que são as fibras de cristal fotônico. Elas possuem também a capacidade de confinar e levar a luz de uma extremidade para outra. Mas não para grandes distâncias, porque possuem no seu interior uma microestrutura de buracos de ar, múltiplos núcleos e novos materiais que as direcionam a outras aplicações, como usos em equipamentos industriais, relógios de precisão, sensores, aparelhos de diagnóstico médico ou ainda para integrar dispositivos eletrônicos.

As fibras de cristal fotônico, já fabricadas por empresas na Europa, estão sendo usadas, por exemplo, no interior de novas fontes de luz e nos amplificadores de comunicação óptica para recuperar os sinais em redes de transmissão. Os estudos do IFGW na área de fibras microestruturadas incluem a parceria com a Universidade de Bath, na Inglaterra, onde surgiu a primeira fibra de cristal fotônico, a Universidade de Sydney, na Austrália, e o Max Planck Institute for the Science of Light, em Erlangen, na Alemanha.

Em 2007, pesquisadores da Unicamp, em parceria com colegas de outras instituições, elaboraram e depositaram três patentes relativas às fibras de cristal fotônico. A primeira trata da estrutura desses tubinhos finos de vidro. Em relação às tradicionais, elas possuem arranjos de buracos internos que correm em paralelo ao eixo da fibra e por todo o comprimento do dispositivo. Os microfuros permitem um controle do direcionamento da luz de forma mais eficiente, de acordo com as características que se quer dar à fibra.

Os pesquisadores da Unicamp e do Laboratório de Comunicações Ópticas e Fotônica da Universidade Presbiteriana Mackenzie, de São Paulo, aplicaram novos buracos em torno do núcleo para uma fibra que funcione como um sensor biológico ou químico. Assim, a luz percorre o seu caminho tradicional e deixa entrar em furos laterais o material, como gases ou líquidos, a ser analisado. A análise acontece com a difração de parte da luz que viaja do núcleo para a casca da fibra e encontra o material.

Na segunda patente, os pesquisadores da Unicamp e da Universidade de Sydney, na Austrália, fizeram rasgos com vários centímetros ao longo da fibra em vez de furos. “A indicação dessa fibra é para fazer sensoriamento químico na detecção de vazamentos em indústrias ou ainda em poços de petróleo”, diz Cordeiro, que, depois de se doutorar na Unicamp, fez um pós-doutorado no laboratório do criador das fibras de cristal fotônico, o britânico Philip Russell, na Universidade de Bath, na Inglaterra. Russell trabalha atualmente no Instituto Max Planck, na Alemanha.

A terceira patente, também elaborada em parceria com a Universidade Mackenzie, é sobre uma fibra de cristal fotônico com núcleo e casca (a parte da fibra que envolve o núcleo) preenchidos com diferentes líquidos como água ou etanol. Os pesquisadores utilizaram água na casca e uma mistura de água e glicerina no núcleo sem que se misturassem. O emprego dessa fibra destina-se às áreas de sondagem e sensoriamento, como, por exemplo, para realizar a análise espectroscópica de líquidos, para medir a emissão ou absorção de radiações eletromagnéticas de uma substância.

Imagem de microfibra com diâmetro de 3 mícrons obtida por microscopia eletrônica na Unicamp

MARCELO GOUVEIA/IFGW-UNICAMP Imagem de microfibra com diâmetro de 3 mícrons obtida por microscopia eletrônica na UnicampMARCELO GOUVEIA/IFGW-UNICAMP

Outra conquista no âmbito da pesquisa em transmissões fotônicas foram os experimentos de um amplificador para linhas de transmissões ópticas. Nos últimos anos, o grupo de Fragnito conseguiu bater recordes mundiais entre 2007 e 2009 em relação à capacidade da largura da banda de transmissão de um amplificador elaborado na Unicamp. Ele foi capaz de receber e transmitir vários sinais de laser ao mesmo tempo num amplo espectro de ondas eletromagnéticas voltadas para a transmissão de dados e telefonia, o que não acontece nos equipamentos convencionais.

Esses amplificadores têm a função de reforçar o sinal de luz que percorre o interior das fibras, principalmente entre cidades e nas conexões internacionais ao longo de um percurso – entre 20 e 100 quilômetros. Ele recupera a onda luminosa, que perde potência ao longo da transmissão. O avanço tecnológico dos novos amplificadores é imprescindível para aumentar a capacidade e a velocidade do sistema de telecomunicações e diminuir os custos de implantação de novas redes.

A nova geração do amplificador óptico é chamada de Fiber Optic Parametric Amplifier (Fopa), ou amplificador paramétrico de fibra óptica, e estudada na Unicamp da mesma forma que em outros centros, como no Bell Labs, atualmente da empresa Alcatel-Lucent, universidades Stanford e Cornell, nos Estados Unidos, e de Tecnologia Chalmers, da Suécia, além de companhias japonesas e francesas.  O conhecimento gerado no novo amplificador poderá evitar congestionamentos futuros da internet. Para Fragnito, ninguém sabe ao certo as aplicações que vão ser necessárias no futuro. “O que sabemos é que será preciso passar, de forma rápida, filmes ou televisão com a maior resolução possível. Em algumas situações, a capacidade de transmissão atual está chegando ao limite. Uma ideia circulante em estudos de comunicações ópticas é que cada fibra possua mais núcleos independentes, cada um com vários comprimentos de onda”, diz Fragnito, que, além do Cepof, coordena o Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia (INCT) de Fotônica de Comunicações Ópticas (Fotonicom), que recebe financiamento da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

“Com a tecnologia atual é possível transmitir 40 canais de laser e cada um pode ter 100 gigabits por segundo (Gb/s) do que resulta em 4 terabits por segundo (Tb/s) no total. Utilizando os Fopas poderíamos transmitir dez vezes mais, ou seja, 40 Tb/s por fibra ou, para dar uma ideia do que isso significa, praticamente todo o tráfego de internet passando por uma única fibra. Hoje, isso parece muito, mas em poucos anos será insuficiente para atender ao crescimento. Se em vez de um núcleo por fibra pudéssemos ter mais seis, somando sete, a capacidade de transmissão seria de 280 Tb/s em uma fibra óptica”, diz Fragnito.

Para ele, os grandes desafios para permitir o crescimento da internet nos próximos 15 a 20 anos estão em aumentar a capacidade das redes por um fator entre 100 e 1.000, reduzindo o custo, tamanho e consumo energético dos equipamentos de rede pelo mesmo fator. “Para isso, no Fotonicom, além dos Fopas e das fibras multinúcleo, apostamos na óptica integrada, incorporando centenas de lasers, amplificadores, receptores e outros dispositivos num pequeno chip com alguns mícrons.”

As comunicações ópticas avançam para dar suporte às novas mídias e à internet. A conversão dos sinais elétricos para os de luz é caminho sem volta e só vai ser definitivamente estruturado quando todas as transmissões e circuitos se tornarem possíveis via fibras ou novos guias ópticos. “Ainda temos problemas bem difíceis em relação às fibras ópticas que se transformam em desafios científicos para nós”, diz Fragnito.

Os projetos
1. Centro de Pesquisa em Óptica e Fotônica (CePOF) de Campinas (nº 2005/51689-2) (2006-2012); Modalidade Centros de Pesquisa (Cepids); Coordenador Hugo Fragnito – Instituto de Física da Unicamp; Investimento R$ 1 milhão por ano para todo o Cepof
2. Fotônica para comunicações ópticas (nº 2008/57857-2) (INCT) (2009-2014); Modalidade Projeto Temático; Coordenador Hugo Fragnito – Instituto de Física da Unicamp; Investimento R$ 2.950.799,01

Artigos científicos
CHAVEZ BOGGIO, J. M. et al. Spectrally flat and broadband double-pumped fiber optical parametric amplifiers. Optics Express. v. 15, n. 9, p. 5288-309, 2007.
CHESINI, G. et al. Analysis and optimization of an all-fiber device based on photonic crystal fiber with integrated electrodes. Optics Express. v. 18, nº 3, p. 2842-48, 2010.

De nosso arquivo
A força da fibra – Edição nº 81 – novembro de 2002
Luz na dose certa
– Edição nº 106 – dezembro de 2004
Filamentos versáteis
– Edição nº 147 – maio de 2008
Feixes Multiplicados
– Edição nº 169 – março de 2010

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