Uma bromélia que mais se parece com um tufo de grama e um líquen de uma espécie tolerante à poluição têm sido utilizados de forma sistemática, nos dois últimos anos, para detectar a presença de metais pesados no ar da cidade de São Paulo e de três municípios da região do Grande ABC. Assim, esses pequenos e frágeis seres estão servindo de base de dados num estudo realizado por pesquisadores do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). O objetivo deles é traçar um mapa das fontes de poluição por metais e compará-las com o perfil de industrialização e urbanização da região monitorada.
Entre os locais pesquisados está o Parque do Ibirapuera, na capital, área cortada por túneis e onde há intenso tráfego de veículos. Lá foi registrada de forma mais acentuada a presença dos elementos químicos zinco e cobre, presentes na queima de óleos lubrificantes. Altas concentrações de arsênio, bário, zinco e antimônio, encontradas nas amostras de Santo André, no Grande ABC, e em Santana, na Zona Norte da capital, parecem estar associadas também a fontes veiculares, inclusive veículos a diesel (bário e antimônio).
Apesar de Santo André ser uma região industrial, a área de coleta também está submetida à alta densidade de tráfego. Já o cobalto foi encontrado em quantidade muito maior do que a média de outros pontos, em amostras no bairro de São Miguel Paulista, região em que estão instaladas algumas indústrias metalúrgicas. No Parque Dom Pedro, no centro da cidade, onde o tráfego é bastante intenso, foi encontrado principalmente zinco, geralmente associado a emissões de veículos por desgaste de componentes do motor e dos pneus.
“A monitoração reflete a atividade urbana e industrial mais fortemente presente na região”, diz Mitiko Saiki, do Laboratório de Análise por Ativação Neutrônica, do Ipen, e coordenadora da pesquisa financiada pela FAPESP. Para esse trabalho, a equipe de pesquisadores selecionou dez das 23 estações medidoras da qualidade do ar da Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental (Cetesb), da Secretaria de Estado do Meio Ambiente, para fazer as medições: Santana, Parque Dom Pedro, Ibirapuera, Congonhas, Cerqueira César, Pinheiros, São Miguel Paulista, Santo André, São Caetano do Sul e Mauá.
Técnica auxiliar
Estudos com bromélias e liquens, chamados de bioindicadores vegetais, para avaliar o impacto da poluição ambiental começaram a ser realizados nas primeiras décadas do século passado e, desde então, várias pesquisas foram feitas, principalmente na Europa. Nos últimos anos, Argentina, Chile, México e Jamaica também desenvolveram projetos e publicaram trabalhos a respeito do tema.
No entanto, a avaliação dos impactos da contaminação do ar com plantas não substitui os métodos físico-químicos para determinar os níveis de poluição. Os bioindicadores vegetais funcionam como um instrumento adicional, que tem como vantagens a possibilidade de medir várias substâncias presentes em grandes áreas e a utilização em diversos lugares simultaneamente. É um método até certo ponto barato, pela utilização de plantas e liquens, mas o resultado é obtido por meio de análise das amostras feita em reatores nucleares de instituições credenciadas para o uso desses equipamentos.
A disposição para esse tipo de experimento com bromélias começou durante uma temporada que a pesquisadora Ana Maria Graciano Figueiredo, do Ipen, passou em Kingston, na Jamaica, como consultora de um projeto na área de análise por ativação com nêutrons, financiado pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Como Mitiko já estava pesquisando os liquens, elas decidiram trabalhar de forma sistemática na coleta de informações que levassem a mapear a poluição do ar por metais.
Pó e nêutrons
Para identificar e quantificar os elementos químicos, as amostras das plantas são pulverizadas em um reator nuclear e bombardeadas com um fluxo de nêutrons. Dessa forma, são produzidos isótopos radioativos dos elementos químicos que se quer determinar. A técnica apresenta como vantagens o fato de detectar cerca de 20 elementos químicos com apenas a análise de uma pequena quantidade de amostra. Além disso, é um método bastante preciso e sensível, que permite detectar concentrações pequenas de metais, da ordem de partes por bilhão (ppb).
Para o biomonitoramento com a Tillandsia usneoides, bromélia conhecida popularmente como barba-de-bode e utilizada em arranjos florais, foi preciso coletar as plantas em locais não poluídos e levá-las até a área a ser monitorada. As bromélias foram retiradas de dentro de uma mata afastada de indústrias e rodovias, situada em uma propriedade particular de Mogi das Cruzes, cidade a 63 quilômetros de São Paulo.
A T. usneoides já é utilizada há algum tempo em outras regiões tropicais como bioindicadora de poluição atmosférica em função das suas características morfológicas e fisiológicas. Como não tem raízes, ela apresenta toda a superfície foliar recoberta por estruturas denominadas escamas, cuja principal função é absorver água e sais minerais da atmosfera. Dessa forma, a planta pode acumular poluentes presentes no ambiente.
As amostras colhidas em Mogi das Cruzes foram colocadas penduradas a cerca de 1 metro do chão em um suporte adaptado para girar com o vento, de forma a garantir um contato homogêneo com os poluentes do ar. Depois de dois meses de exposição, as amostras de bromélias foram levadas para análise e substituídas por novas, garantindo, dessa forma, um monitoramento contínuo dos pontos escolhidos por um período de 24 meses.
Já o biomonitoramento com o líquen Canoparmelia texana – espécie escolhida por ser encontrada em muitas cidades brasileiras, exceto as litorâneas – é feito no próprio local onde se encontram as árvores em que eles nascem e crescem. Os liquens são organismos simbióticos compostos de um fungo e uma ou mais algas. Essa associação forma um talo comum, sem raízes, que para crescer depende principalmente dos nutrientes minerais presentes na atmosfera. Como a C. texana é mais abundante em ambientes poluídos do que nos limpos, isso a caracteriza como uma espécie indicadora da poluição. Quando seus competidores desaparecem do ambiente, ela encontra um hábitat desocupado e, devido à sua alta tolerância à poluição, ocupa grandes extensões de troncos de árvores, como pode ser observado nos parques, praças e campos universitários de grandes cidades.
No Brasil há 2.800 espécies de liquens já listadas, mas não existem dados para o mapeamento da distribuição de elementos indicando os níveis de poluição. Segundo Mitiko, períodos de chuva ou de seca não influenciaram a medição feita com liquens porque o crescimento desse organismo vegetal é bastante lento, de cerca de 0,5 a 3 milímetros por ano. Para efeito de comparação, foram coletadas amostras de C. texana de áreas não poluídas, localizadas em quatro pontos do Parque Estadual Intervales, uma reserva de Mata Atlântica a 270 quilômetros de São Paulo.
O líquen é retirado da árvore com uma faca de titânio, para não haver contaminação do material, e levado ao microscópio para separar a planta da casca da árvore e de outros materiais. O líquen é um mundo microscópico, composto de insetos, teias de aranha e musgo. Para que essa tarefa fosse realizada sempre dentro dos mesmos padrões, ela fez um curso no Instituto de Botânica da Secretaria de Estado do Meio Ambiente. Depois as amostras foram limpas em água purificada e secas pelo processo de liofilização (desidratação realizada a baixas temperaturas) durante 16 horas.
Coleta ampliada
As bromélias, retiradas das estações de monitoramento a cada dois meses, foram levadas para o laboratório e secas em uma estufa a 40°C. Depois de secas, as amostras das plantas foram moídas e colocadas em saquinhos plásticos limpos. As embalagens, contendo entre 150 e 200 miligramas de material, foram então colocadas no reator atômico para serem irradiadas e analisadas.
As pesquisas contaram ainda com a participação de bolsistas do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq) e de pesquisadores do Instituto de Botânica. Embora o projeto já tenha sido encerrado, os estudos prosseguem. Na atual fase, os pontos de coleta estão sendo ampliados para chegar às 23 estações de monitoramento da Cetesb. Na realidade, essas medições complementam o controle feito pela agência ambiental paulista, que utiliza outros parâmetros, como dióxido de enxofre (SO2 ), partículas inaláveis, dióxido de nitrogênio (NO2 ), monóxido de carbono (CO) e ozônio (O3 ), para medir a poluição do ar.
Os resultados obtidos pela equipe do Ipen já atraíram o interesse de empresas de consultoria ambiental. Uma delas, instalada no Rio de Janeiro, pretende utilizar as plantas e os liquens bioindicadores para medir o impacto causado por uma estação de tratamento de efluentes líquidos industriais sobre a saúde dos moradores das redondezas. Os dados coletados no estudo também serão apresentados em outubro, no Ipen, durante um workshop que reunirá pesquisadores da América Latina, promovido pela AgênciaInternacional de Energia Atômica e pelo instituto.
O Projeto
Utilização de plantas bioindicadoras acumuladoras de metais para monitoramento biológico da poluição urbana de São Paulo (nº 02/00418-0); Modalidade Linha Regular de Auxílio a Pesquisa; Coordenadora
Mitiko Saiki – Ipen; Investimento R$ 35.628,00 e US$ 11.815,00 (FAPESP)