A crise humanitária que ganhou visibilidade com a chegada em massa de imigrantes, muitas vezes refugiados, à Europa, oriundos principalmente do Oriente Médio e do norte da África, recolocou em pauta o fenômeno migratório em grande escala. Seu impacto reverberou em outros países, inclusive no Brasil, que viu dobrar a entrada de refugiados nos últimos quatro anos. Os sírios, por exemplo, hoje representam 24,5% dos 8.530 refugiados no país. Apesar do número pequeno (perto do contingente que chega à Europa), esses imigrantes frequentemente causam estranhamento e são alvo de ações discriminatórias no Brasil.
O tema é objeto de pesquisas como as do Núcleo de Estudos de População da Universidade Estadual de Campinas (Nepo-Unicamp) e do Centro de Estudos da Metrópole da Universidade de São Paulo (CEM-USP), apresentadas na reportagem de capa. Desde os anos 2000, as grandes áreas metropolitanas deixaram de ser o destino quase exclusivo dos imigrantes: em busca de trabalho, esses contingentes agora seguem os investimentos em agropecuária ou industriais em cidades do interior. Pesquisadores também sugerem que a onda imigratória dos últimos 10 anos estaria em desacordo com pressupostos históricos tácitos, segundo os quais os estrangeiros “ideais” para o Brasil seriam brancos, europeus e católicos. Essa visão discriminatória e restritiva chegou a embasar ações do Estado brasileiro – a chamada política de branqueamento do Estado Novo (ver Pesquisa FAPESP nº 201). Na onda atual predominam latino-americanos (bolivianos, haitianos e colombianos), além de africanos como senegaleses e congoleses; por estarem distantes desse padrão, haveria mais estranhamento. Esse fator, associado a outros como a competição pelos postos de trabalho e a ausência de políticas públicas voltadas para a inserção dos imigrantes na sociedade brasileira, contribuiria para as reações de hostilidade. O estado de São Paulo, cujo desenvolvimento (inclusive o científico-tecnológico) tanto se beneficiou da imigração, está em boa posição para uma resposta mais construtiva.
Outra história de estranhamento e violência diz respeito às vítimas da política discriminatória contra pessoas com hanseníase no Brasil, vigente até 1986. A prática de internação compulsória em hospitais-colônia era precedida pela queima da casa do paciente com todos os seus pertences. Estima-se que 40 mil pessoas tenham sido separadas de suas famílias por conta dessas estratégias de isolamento, com 25 mil crianças colocadas em orfanatos especiais. Em 1924, quando ainda não havia um tratamento eficaz, foi implementada a prática de internação compulsória, que ganhou força na década de 1940: em 1943, 41 hospitais-colônia espalhados pelo país abrigavam 17 mil pessoas. Na mesma década, o Brasil passou a medicar os pacientes com sulfona, o que exigia apenas visitas periódicas a hospitais. Mesmo assim, e tendo subscrito um acordo internacional pelo fim das internações compulsórias em 1952, a prática seguiu no Brasil por mais de 30 anos, partindo famílias e marginalizando parentes próximos. Um projeto desenvolvido desde 2011 por uma equipe da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), associada à organização não governamental Movimento de Reintegração das Pessoas Atingidas pela Hanseníase (Morhan), utilizando pesquisas históricas e testes de DNA, procura reunir familiares de hansenianos que não se conheciam ou estavam separados.
Em ambos os casos, a superação do desconhecimento mostra que o estranhamento e a violência a ele associada são nocivos para a sociedade.
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