EDUARDO CESARAo utilizar recursos biotecnológicos para alterar algumas características bioquímicas da madeira do eucalipto, pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), em Piracicaba, estão desenvolvendo árvores que no futuro vão gerar celulose e, depois, papel com mais qualidade. Eles já obtiveram, em laboratório, plantas com genes da própria espécie Eucalyptus grandis e de outras plantas que produzem enzimas responsáveis pela biossíntese das hemiceluloses, um composto do grupo químico dos açúcares presente entre as fibras de celulose.
“Quanto mais hemiceluloses na madeira, melhor será a qualidade da celulose que se tornará mais resistente no processo de fabricação das bobinas de papel, sem rasgos e com maior brancura. No consumo final, um papel com essas características deve garantir a melhor qualidade de impressão e também resultar em um material com mais resistência e adaptabilidade para o setor de embalagens”, explica Carlos Alberto Labate, professor da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da USP, coordenador do projeto realizado em parceria com a Suzano Papel e Celulose, umas das maiores produtoras de celulose e papel do país, com unidades nos estados de São Paulo e da Bahia.
O projeto foi elaborado dentro do programa Parceria para Inovação Tecnológica (Pite) que recebe financiamento tanto da FAPESP como da empresa. O grupo de 27 pesquisadores, inclusive dez com bolsas de capacitação tecnológica da empresa, conseguiu inicialmente superexpressar genes responsáveis pela biossíntese das hemiceluloses no código genético (DNA) do tabaco (Nicotiana tabacum), planta modelo para esse tipo de experimento. Depois foi a vez de exemplares do próprio eucalipto, transformando-os em plantas transgênicas. Alguns dos genes introduzidos nas duas plantas, encontrados em bancos mundiais de genomas, vieram de plantas como soja, batata, ervilha e de outra planta modelo, a arabidopsis.
Dentre as possibilidades analisadas para uso e expressão dos vários genes, dois deles se mostraram mais interessantes, o de nome ugdh (também encontrado no eucalipto) foi o campeão na produção de xilanas, um tipo de hemicelulose, em três linhagens transgênicas de tabaco. Outro fator importante em algumas plantas foi o aumento de lignina solúvel, um tipo de polímero vegetal que funciona como um cimento entre as hemiceluloses e as fibras de celulose. Mais lignina solúvel implica menor gasto de compostos químicos no processo de branqueamento do papel na indústria. Assim, a menor quantidade de lignina pode levar ao aumento do rendimento na fabricação do papel branco.
Aprovação e patente
O próximo passo do experimento é testar as plantas no campo e esperar de quatro a cinco anos para que o eucalipto se transforme em árvore e demonstre a viabilidade do experimento. Para isso os pesquisadores terão que requerer a aprovação do plantio no campo pela Comissão Técnica Nacional de Biossegurança (CTNBio). Enquanto isso, os pesquisadores e a empresa depositaram no Brasil, no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI), e no exterior a patente do processo desenvolvido por eles para obter a rota metabólica que aumenta a produção das hemiceluloses com o intuito de melhorar a qualidade da madeira.
Labate acredita que a confirmação da nova tecnologia para o setor produtivo ainda vai demorar um pouco, enquanto isso finaliza alguns trabalhos para publicar em revistas científicas. Para a empresa é uma aposta no futuro. “Nossa perspectiva é que tenhamos matéria-prima diferenciada e produtos finais também diferenciados, com variabilidade, em alguns anos”, prevê o engenheiro agrônomo Shinitiro Oda, responsável pela área de biotecnologia de plantas da Suzano. “Poucas empresas estão trabalhando com hemicelulose atualmente, as pesquisas recaem mais sobre celulose e lignina”, diz ele. Oda lembra que, além do desenvolvimento científico e tecnológico, um dos fatores importantes no projeto é a formação de profissionais para a área. Ao todo, o projeto finalizado em setembro deste ano no âmbito do Pite e que continua com o apoio da Suzano colaborou para uma tese de mestrado, quatro de doutorado, além de vários trabalhos de iniciação científica. O projeto também contou com quatro pós-doutores.
O interesse pela biotecnologia na área de papel e celulose pode ser medido pelo projeto conhecido como Forests, o consórcio de seqüenciamento do genoma do eucalipto – iniciado em 2001 e finalizado em 2004 – formado por quatro empresas do setor: Suzano, Votorantim, Duratex e Ripasa, empresa comprada pela Suzano e pela Votorantim em 2005. Labate, que também participou desse projeto, acredita em novas perspectivas para a madeira do eucalipto. “O estudo das proteínas que formam a madeira do eucalipto junto com o conhecimento de novos genes pode resultar no uso dessa árvore como matéria-prima na produção de álcool (etanol) e de biopolímeros”, acredita.
Empresas da América do Norte e da Europa estão interessadas nesses dois produtos. Para a produção desses biopolímeros, que são polímeros biodegradáveis, como plásticos, por exemplo, e possuem um grande apelo ambiental, é preciso, a partir de madeira de qualquer árvore, mais celulose e mais hemiceluloses na matéria-prima. Assim, as pesquisas realizadas em Piracicaba, inicialmente para a produção de celulose e papel, têm uma grande perspectiva futura até no ponto de substituir ou conter a produção de petróleo.
O Projeto
Alteração da qualidade da madeira do eucalipto (nº 01/11080-8); Modalidade Parceria para Inovação Tecnológica (Pite); Coordenador Carlos Alberto Labate – USP; Investimento R$ 242.216,00 e US$ 925.350,62 (FAPESP) e R$ 937.141,15 (Suzano Papel e Celulose)