O consumidor brasileiro nem bem se acostumou com as finas telas planas de cristal líquido (LCD, sigla de liquid crystal display) utilizadas em monitores de computador e aparelhos de televisão mais sofisticados, e uma nova tecnologia já está a caminho. A fabricante japonesa Sony, por meio de sua spin-off (empresa menor derivada de outra) Field Emission Technologies, promete lançar em 2009 uma linha de monitores baseada no sistema field emission display (FED), conhecido como telas de emissão de campo. Essa tecnologia se caracteriza por ser um tipo de painel digital com uma camada de fósforo para produzir luz da mesma forma que os tubos de raios catódicos convencionais (CRT na sigla em inglês) usados pelos televisores convencionais há muitos anos. A também japonesa Canon igualmente já demonstrou interesse nesse mercado e, recentemente, apresentou protótipos de alta qualidade em grandes feiras de tecnologia. Aqui no Brasil, estudos para desenvolvimento dessas telas, que também poderão ser usadas em ambientes externos, como outdoors, são conduzidos por uma equipe do Centro de Pesquisas Renato Archer (CenPRA), vinculado ao Ministério da Ciência e Tecnologia. As duas principais vantagens dos FEDs em relação às tecnologias atualmente existentes – as telas planas de LCD e plasma e os CRTs – são o baixo consumo de energia e a superior qualidade da imagem.
Diferentemente dos CRTs, os monitores FEDs utilizam camadas nanoestruturadas para emitir os elétrons, que podem ser constituídas, por exemplo, de nanotubos de carbono – cilindros nanométricos emissores de elétrons a partir das extremidades de uma forma muito eficiente ou por cobre. Essas camadas nanoestruturadas são organizadas na forma de matriz de pixels, que são os pontos luminosos que, justapostos, formam a imagem na tela. A produção de luz ocorre da mesma maneira que nos CRTs, pela incidência de elétrons sobre a camada de fósforo. A diferença é que, ao contrário dos CRTs, que utilizam canhões de elétrons baseados em filamentos aquecidos e tubo de imagem volumoso, os FEDs empregam finas camadas de materiais diversos, que, juntas, somam no máximo 3 milímetros de espessura. O fato de o FED utilizar nanoestruturas como emissores, em vez de filamentos aquecidos, já garante um menor consumo de energia. Mas, além disso, nesse tipo de display são utilizados diversos emissores de elétrons por pixel de imagem, o que, além de reduzir ainda mais o consumo, permite a redução da espessura total do dispositivo, tornando-o comparável a qualquer outro monitor do tipo painel plano. “A condição de ser delgada e também de consumir pouca energia, associada ao fato de o FED ter a mesma qualidade de imagem de um CRT, confere a esta tecnologia um alto potencial para ocupação do mercado mundial de displays”, destaca Victor Pellegrini Mammana, chefe da Divisão de Mostradores de Informação do CenPRA e coordenador das pesquisas nesta área na instituição. Muitos especialistas acreditam que os FEDs possam vir a ser a primeira grande aplicação de nanotubos de carbono na área da eletrônica, mas para que isso se torne realidade alguns desafios tecnológicos e industriais precisam ser vencidos. O principal deles é a redução do custo de produção do equipamento, atualmente mais elevado do que as tecnologias concorrentes. “Os LCDs são hoje um sistema, e não um componente. Seus fabricantes têm uma grande quantidade de alternativas de fornecedores de partes e peças, integrando uma cadeia produtiva já bem madura. Por isso, qualquer nova tecnologia de display precisa ter, além das vantagens de desempenho um custo menor”, explica Mammana, autor de um projeto Jovem Pesquisador, da FAPESP, intitulado Desenvolvimento de emissores de elétrons baseados em membranas. O termo membranas, neste caso, se refere a estruturas porosas formadas por multicamadas de materiais condutores e isolantes, onde cada poro é um pixel de imagem.
Telas complementares
Apesar dessa dificuldade relacionada ao custo, ele acredita que um forte indício da oportunidade para os FEDs no segmento de grandes displays, a partir de 35 polegadas, é a coexistência das tecnologias LCD e plasma nesse nicho de mercado. “Isso mostra que as duas tecnologias são complementares em preço, consumo de energia, qualidade de imagem e durabilidade, não havendo, por enquanto, uma superior nos quatro itens simultaneamente. Os displays de emissão de campo são uma alternativa capaz de apresentar vantagens em vários aspectos”, afirma. A Canon, por exemplo, alega que sua tecnologia de FED deve apresentar durabilidade próxima a 50 mil horas, equivalente à de um monitor LCD ou CRT e superior à das telas de plasma. Isso é um avanço em relação aos primeiros FEDs, baseados numa tecnologia chamada spindt, que apresentavam um problema crônico de durabilidade dos emissores. Hoje o maior problema tecnológico associado a essa nova tecnologia é a durabilidade do fósforo e a ocorrência de descargas elétricas no dispositivo. Esses dois problemas estão associados à dificuldade de manter a qualidade do vácuo dentro do display. “A maior inovação do nosso grupo, que já foi patenteada, diz respeito principalmente a um novo desenho do display que favorece a qualidade do vácuo.
“O projeto Jovem Pesquisador busca justamente uma forma de manter um bom vácuo, com a pressão mais baixa possível, numa montagem de baixo custo”, diz Mammana. Esse projeto foi direcionado para produzir inovações para FEDs de grande área, porque ele acredita que é nesse segmento onde está a principal oportunidade de vencer a tecnologia de cristal líquido. “Os LCDs de grande área ainda são muito caros e esta situação deve se manter assim por algum tempo. A abordagem que escolhemos segue o que a maioria das empresas investindo em FED está fazendo, como, por exemplo, a Motorola e a Canon”, diz Mammana. No quesito qualidade de imagem, os displays de emissão de campo têm performance bem superior à das telas convencionais, oferecendo ao mesmo tempo excelente contraste de cores – o FED tem níveis de preto muito bons, diferentemente do LCD, que nunca fica verdadeiramente preto – e velocidade de exibição de imagens muito maior.
Em relação ao consumo de energia, a vantagem sobre o LCD é mais nítida em monitores de tevê. Isso porque, diferentemente do FED, as telas de cristal líquido não produzem luz própria, mas empregam uma lâmpada traseira, normalmente fluorescente, chamada de back light. Na média, um LCD aproveita apenas 4% da luz gerada por esta lâmpada em função da quantidade de camadas de materiais colocadas no caminho da luz, que acabam por absorvê-la. Além disso, quando uma tela de cristal líquido mostra uma imagem muito escura, boa parte da luz está sendo perdida. O FED, ao contrário, é um dispositivo power-on-demand, o que significa que o consumo de energia depende do brilho da imagem apresentada, permitindo a redução do consumo quando essa imagem mostrada é mais escura. Essa característica do FED é especialmente favorável para aplicação em televisores porque a programação de TV mostra imagens sistematicamente menos brilhantes do que aquelas apresentadas em monitores de computador, por exemplo.
Estudos, como o apresentado por Larry Weber, presidente da Society for Information Display, em evento do Latin Display, realizado em novembro na cidade de Campinas, apontam que, na maior parte do tempo, a luminância (grandeza fotométrica associada ao brilho da imagem) dos programas televisivos corresponde a apenas 20% da luminância máxima possível. Tecnologias power-on-demand, como os FEDs, se beneficiam muito dessa característica da programação de TV.
Consumo menor
Além da aplicação em monitores de televisão e de computador, o FED também pode ser usado como back light dos monitores de LCD. “Essa é uma forma de usar as duas tecnologias juntas e, ao mesmo tempo, tentar reduzir o consumo de energia das televisões com tela de cristal líquido, permitindo inclusive contornar o problema de motion blur do LCD, que são as imagens borradas quando pessoas, animais ou objetos estão em movimento na tela”, diz Mammana.
Além de conseguir demonstrar o princípio de funcionamento de FEDs baseados em membranas emissoras de luz, a equipe do CenPRA teve uma preocupação especial em desenhar todo o processo de forma a ficar mais acessível para a indústria. “A escolha dos materiais e processos nesse tipo de desenvolvimento não deve se basear exclusivamente em critérios de desempenho em laboratório, caso contrário chega-se a soluções totalmente inviáveis do ponto de vista industrial e fica difícil voltar atrás depois que foi escolhido um caminho de processo ou um material de alto custo”, diz Mammana. “Tenho convicção de que a inovação desenvolvida é um elemento importante para o sucesso industrial dos FEDs”, ressalta. Outro cuidado que o grupo tomou foi trabalhar em conjunto com um fornecedor local para que pudessem adaptar o dispositivo ao que poderia ser produzido pelas fábricas já estabelecidas. “Acontece que a pequena empresa que está desenvolvendo as membranas para nós (que Mammana prefere não revelar) se empolgou com a tecnologia e resolveu investir no desenvolvimento da inovação. Estamos, inclusive, preparando a apresentação de um projeto para o programa Inovação Tecnológica em Pequenas Empresas (agora chamado de Pesquisa Inovativa na Pequena e Micro Empresa – Pipe), da FAPESP. Com sorte essa empresa apresentará um processo industrial baseado nas nossas multicamadas, cuja patente já foi concedida nos Estados Unidos”, diz o pesquisador do CenPRA.
O Projeto
Desenvolvimento de emissores de elétrons baseados em membranas; Modalidade Programa Apoio a Jovens Pesquisadores; Coordenador Victor Pellegrini Mammana – CenPRA; Investimento R$ 233.906,25 e US$ 14.300,00 (FAPESP)