Um corte significativo do orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC) repercutiu de forma intensa na comunidade científica neste primeiro semestre de 2017. No final de março, o orçamento de custeio e investimento do MCTIC, que exclui despesas com pessoal, foi limitado a R$ 3,2 bilhões em 2017, 44% menor do que o que havia sido estabelecido na lei orçamentária – e menos da metade do orçamento empenhado de 2014, que foi de R$ 7,3 bilhões. O que representa esse corte para o conjunto do financiamento à ciência e à tecnologia do país? É possível afirmar que a redução terá impacto no esforço nacional em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D), conjunto de atividades feitas por empresas, universidades e instituições científicas que contempla resultados de pesquisa básica e aplicada, lançamento de novos produtos e formação de pesquisadores.
Em 2014, ano mais recente para o qual há estatísticas consolidadas, investiu-se no Brasil 1,27% do Produto Interno Bruto (PIB) em atividades de P&D, o equivalente a R$ 73,6 bilhões – e o quinhão do MCTIC (à época dividido em duas pastas) foi de R$ 5,6 bilhões, ou apenas 7,6% desse investimento. Caso os cortes recentes não sejam revertidos, a participação do MCTIC no dispêndio nacional em P&D deve cair de um patamar de 0,1% do PIB há três anos para um índice próximo a 0,07% do PIB neste ano. Ainda é cedo para apostar que a queda de participação terá mesmo essa dimensão. “Há a expectativa de que o governo libere recursos no segundo semestre. Esse tipo de recomposição já aconteceu em dezembro do ano passado, quando o MCTIC recebeu R$ 1,5 bilhão da repatriação de contas mantidas por brasileiros no exterior”, afirma Álvaro Prata, secretário de Desenvolvimento Tecnológico e Inovação do MCTIC. “Vivemos uma situação de excepcionalidade, mas esperamos que a economia volte a crescer.”
Também é prematuro prever o desempenho global do país em P&D em 2017. Outros componentes do investimento federal sofreram cortes, não tão dramáticos como no MCTIC. O Ministério da Educação (MEC), que em 2014 respondeu por cerca de 21% de todo o esforço nacional de P&D, teve um corte orçamentário de 12% em março. Os gastos do MEC se concentram nas universidades federais e no pagamento de bolsas da Coordenação Nacional de Aperfeiçoamento de Pessoal de Ensino Superior (Capes). A Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), vinculada ao Ministério da Agricultura, manteve estável sua dotação orçamentária, na casa dos R$ 3 bilhões desde 2015, ainda que o montante seja insuficiente – ela teve prejuízo de R$ 490 milhões em 2016.
O esforço em P&D do governo federal tem fontes importantes em ministérios como o da Educação e o da Saúde. “Esse perfil é diferente do observado nos Estados Unidos, onde os maiores investimentos do governo estão em ministérios vinculados a setores fortes da economia, como Defesa e Energia”, observa Carlos Américo Pacheco, professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “No Brasil, os investimentos são mais significativos no âmbito do MEC e do MCTIC. Apesar da maior atenção do setor privado à agenda da inovação, os temas de ciência, tecnologia e inovação no Brasil ainda são muito afeitos às universidades e aos institutos de pesquisa. Com isso, há dificuldade de mobilizar a área econômica, como o Ministério da Fazenda, e pastas setoriais para garantir o financiamento”, completa Pacheco, que é diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP. Os gastos públicos em P&D têm uma parcela dos estados, que em 2014 alcançou R$ 12,8 bilhões, ou 17% do total – São Paulo foi responsável por dois terços disso, com os dispêndios das três universidades estaduais, instituições de pesquisa e investimentos feitos pela FAPESP.
No documento Estratégia nacional de ciência e tecnologia, lançado pelo governo federal em 2016, o país se propunha a investir 2% do PIB em P&D até 2019, meta cada vez mais difícil de alcançar. O patamar não é exorbitante. A média do investimento dos 34 países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que reúne algumas das nações mais industrializadas, foi de 2,4% do PIB em 2015. “Países desenvolvidos investem mais de 2% do PIB em ciência e tecnologia. É com eles que temos que competir”, afirma Helena Nader, presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).
Para alcançar esse nível, tomando o PIB de 2016 que foi de R$ 6,26 trilhões, no Brasil o investimento em P&D deveria ser R$ 125 bilhões, 70% a mais do que em 2014. “Nos países desenvolvidos que investem mais de 2% do PIB em P&D, a parte das empresas é sempre maior do que 1,3% do PIB”, observa o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz. “Nos países da OCDE, onde o dispêndio total em P&D chegou a 2,4% do PIB, 1,65% foi o dispêndio por empresas, restando para o governo 0,75%.”
A promulgação em dezembro de uma emenda constitucional que impôs um teto para o crescimento de gastos públicos torna improvável um crescimento de recursos da União e dos estados, a menos que alguma engenharia financeira nova consiga identificar outras fontes de recursos e tenha respaldo político para ser implementada. Os olhos se voltam para o setor privado. No Brasil a participação das empresas no esforço nacional de P&D alcançou 47,1% dos investimentos em 2014, aquém do registrado nos Estados Unidos (64,1%), na Alemanha (65,8%) e no Japão (77,9%). São Paulo é exceção no cenário brasileiro, com 60% dos investimentos estaduais em P&D feitos por empresas. “O financiamento das empresas ainda é pífio no Brasil. Na Coreia, empresas contribuem com mais de 70% do total do investimento em CT&I”, comenta Helena Nader.
Para que o setor privado brasileiro assumisse dois terços do esforço nacional de P&D, as empresas teriam de investir cerca de R$ 83,2 bilhões, 140% mais que os R$ 34,6 bilhões despendidos em 2014. Se esse desempenho fosse alcançado pelo setor empresarial, a meta de investir 2% do PIB exigiria do setor público em torno de R$ 41,8 bilhões, cifra próxima dos R$ 38,9 bilhões gastos em 2014, embora elevada para a realidade orçamentária atual. “É preciso ter em vista que, se esse novo papel do setor privado se consolidar, os recursos das empresas serão fundamentalmente carreados para a pesquisa feita nas próprias empresas, como ocorre em qualquer lugar do mundo”, observa Carlos Américo Pacheco. “E como em média os governos subvencionam cerca de 15% do esforço privado em P&D, provavelmente esse novo patamar de gasto privado iria exigir alocar mais recursos públicos para as empresas.”
A capacidade de o setor privado responder a tal desafio é considerada limitada. Indicadores recentes sugerem que os investimentos do setor privado em inovação perderam ímpeto. A atividade inovativa das empresas no Brasil caminha junto com a aquisição de bens de capital, aqueles utilizados para produzir outros bens, como máquinas e equipamentos. O desempenho de um indicador do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) que mede o quanto as empresas aumentaram seus bens de capital, a Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), indica retração. Entre fevereiro de 2016 e fevereiro de 2017, a queda acumulada do FBCF foi de 7,9%.
Há problemas estruturais que dificultam alcançar percentuais análogos aos dos países da OCDE. O economista David Kupfer, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), vê dificuldades em duas frentes. Uma está relacionada à contribuição de cada setor da economia brasileira no esforço de P&D. Kupfer observa que segmentos importantes, como o extrativista ou o da produção de alimentos, exigem investimentos em P&D em patamares relativamente modestos, enquanto setores intensivos em inovação, como o farmacêutico e o eletroeletrônico, têm forte presença de multinacionais que produzem pouco P&D no Brasil, optando por importá-lo das matrizes. “Não se muda esse modelo com facilidade”, afirma.
Outra dificuldade tem a ver com a eficácia restrita dos instrumentos de estímulo à inovação, como leis e políticas de incentivo. “Tais instrumentos não tiveram vigor para incentivar a inovação em empresas e setores tradicionalmente refratários a esse tipo de esforço. E também não conseguiram alavancar a inovação em empresas que já eram inovadoras – em boa medida, os estímulos concedidos pelo governo substituíram investimentos que essas empresas possivelmente já fariam, em vez de multiplicá-los”, afirma. Para Luiz Eugênio Mello, vice-presidente da Associação Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento das Empresas Inovadoras (Anpei), o desafio não está exatamente em aumentar o gasto em P&D das empresas, mas em mobilizar segmentos que investem pouco. “A Petrobras é uma das empresas que mais destinam recursos para a ciência no mundo. Mas setores como o farmacêutico investem pouco no Brasil em comparação com o que investem nos Estados Unidos e Europa. O esforço empresarial em P&D não vai mudar sem que esses setores amadureçam”, diz Mello, que é gerente executivo de Inovação e Tecnologia da companhia Vale.
A qualidade dos gastos em P&D das empresas brasileiras é inferior à observada em outros países. O setor privado do país investe em P&D valores absolutos semelhantes aos das empresas da Espanha, mas obtém um número bem menor de patentes. Um levantamento que comparou patentes concedidas nos Estados Unidos mostra que as empresas brasileiras obtiveram 197 registros por ano entre 2011 e 2015, enquanto as espanholas conseguiram uma média de 524 por ano no mesmo período. Para Luiz Mello, há uma baixa intensidade de P&D mesmo entre empresas líderes. Segundo dados compilados pela Anpei, nos anos de 2011 a 2015, as 10 empresas sediadas no Brasil que mais depositaram patentes nos EUA foram Petrobras, Whirlpool, IBM, Embraer, Freescale, Voith, Vale, Natura, Pioneer e Tyco. “Juntas, elas depositaram 392 patentes. Já as 10 mais na Espanha, que foram HP, Airbus, Ericsson, CSIC, Fractus, Gamesa, Vodafone, Laboratórios Dr. Esteve, Intel e Telefonica, depositaram 739 patentes nos Estados Unidos, 88% a mais”, diz Mello. De acordo com ele, a baixa intensidade em P&D é um problema mais grave do que a criticada tendência de as empresas brasileiras produzirem inovações apenas incrementais. “Inovações incrementais servem para reforçar posições de mercado das empresas e aumentar sua lucratividade. Se alcançarmos um volume maior de patentes, haverá em meio a essa massa crítica também inovações disruptivas.”
Álvaro Prata afirma que o MCTIC procura alavancar o investimento das empresas em P&D – e vê razões para otimismo. “Temos um setor industrial bem desenvolvido e com grande potencial para crescer”, comenta. Segundo ele, deve ser assinado nas próximas semanas um decreto com 83 artigos regulamentando a Lei nº 13.243, de 2016, que atualizou e aperfeiçoou o arcabouço jurídico para estimular a inovação e a interação entre centros de pesquisa privados e públicos. “O decreto vai dar segurança para que o setor industrial interaja com o mundo científico”, afirma.
Há convergência no governo e na comunidade científica de que será necessário encontrar novas fontes de financiamento e tornar mais produtiva a aplicação dos recursos existentes. A SBPC se mobiliza para reforçar investimentos privados em universidades públicas. Outra frente envolve a definição de um marco regulatório para fundos de endowment, voltados a captar doações de ex-alunos e mecenas. Há projetos no Congresso que abrem a possibilidade de instituições públicas manterem endowments com incentivos fiscais para doações.
Diversidade institucional
Não é um desafio trivial garantir a vitalidade de um sistema de ciência, tecnologia e inovação como o brasileiro, que, nas últimas décadas, se tornou progressivamente mais complexo. O país distanciou-se de um modelo que, até os anos 1960, apoiava projetos individuais de pesquisadores para organizar um sistema de pós-graduação que forma 18 mil doutores por ano e estabelecer uma rede de grupos de pesquisa que triplicou de tamanho desde 2000. “O sistema de financiamento à ciência no Brasil tem uma diversidade institucional que só é encontrada em países desenvolvidos”, observa o economista e ex-deputado federal Marcos Cintra, presidente da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), agência vinculada ao MCTIC. “Com o corte dos investimentos, corremos o risco de pôr todo o esforço a perder. Um país que para de investir em ciência, tecnologia e inovação perde o contato com a fronteira do conhecimento e fica para trás.”
Esse universo institucional multifacetado foi moldado por ferramentas e leis que instituíram novos modelos de gestão, incorporaram a dimensão da inovação ao sistema de C&T e buscaram estimular a interação entre universidades e empresas. Um dos destaques foi a criação, no final dos anos 1990, dos Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, concebidos para superar a instabilidade na oferta de recursos e dinamizar a pesquisa de interesse de setores da economia. Outros marcos foram a Lei de Inovação, de 2004, que autorizou o investimento de recursos públicos em empresas e permitiu que pesquisadores de instituições públicas desempenhassem atividades no setor privado; e a Lei do Bem, de 2005, que estabeleceu incentivos fiscais a P&D e inovação tecnológica.
O panorama atual sugere que parte desses instrumentos perdeu eficácia. Um exemplo é a situação do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico Tecnológico (FNDCT), principal ferramenta de apoio a projetos de pesquisa do MCTIC. Nos últimos anos, o fundo representou um quinhão de 30% a 40% do orçamento do ministério – o restante foi destinado a despesas de pessoal e manutenção de órgãos da pasta. Pois o FNDCT vem sofrendo vários reveses. O golpe mais recente veio com a queda na arrecadação de impostos. Os Fundos Setoriais de Ciência e Tecnologia, principal fonte dos recursos do FNDCT, arrecadaram R$ 2,9 bilhões em 2016, 11,6% menos que em 2015. Repasses do Tesouro ao FNDCT praticamente cessaram – caíram de R$ 500 milhões há dois anos para apenas R$ 500 mil no ano passado. Há ainda uma terceira fonte que abastece o fundo, que vem da Finep. A agência toma emprestado 25% dos recursos do FNDCT para operações de crédito reembolsável e devolve os recursos quando recebe dos devedores. Em 2016, a Finep depositou R$ 507 milhões no FNDCT, ante R$ 440 milhões no ano anterior.
Entre 2013 e 2015, mais de R$ 2 bilhões de recursos do FNDCT financiaram o programa Ciência sem Fronteiras (CsF), embora a formacão de recursos humanos esteja fora dos propósitos do fundo (ver reportagem). Outro percalço envolveu a mudança nas regras da distribuição de royalties de petróleo, que desfalcou um dos fundos setoriais mais importantes, o CT-Petro, da área de petróleo e gás. O fundo era responsável, até 2012, por quase metade da contribuição dos fundos setoriais para o FNDCT e deixou de receber a maior parte dessa fonte quando o Congresso regulou a exploração do pré-sal. A perda reduziu o total executado em projetos do CT-Petro de R$ 139 milhões em 2007 para R$ 4,5 milhões em 2016.
Mas o principal prejuízo ao FNDCT é provocado pelo bloqueio de recursos. Em 2016, o orçamento do fundo foi definido em R$ 2,6 bilhões, já descontando R$ 900 milhões emprestados à Finep. Desse total, 61%, ou cerca de R$ 1,6 bilhão, foram transferidos para um fundo de reserva, eufemismo para o termo “contingenciamento”. Entre 1999 e 2011, o contingenciamento atingiu 48% do total arrecadado, segundo a Finep, que gerencia o FNDCT. “Isso é muito grave. Parte significativa de recursos destinados à ciência é usada para o governo fazer superávit fiscal”, diz Helena Nader.
Dos 16 fundos setoriais, 14 estão vinculados a segmentos da economia como petróleo, energia, saúde, biotecnologia. Cada um deles é abastecido por receitas específicas. O de energia, por exemplo, recebe entre 0,3% e 0,4% sobre o faturamento de concessionárias do setor elétrico. Também existem dois fundos de caráter transversal: o Verde-Amarelo, voltado para projetos que promovem interação entre universidades e empresas, e o de Infraestrutura, destinado à melhoria da infraestrutura de instituições científicas. Esses se abastecem de uma parcela de 20% dos demais fundos. A ambição original dos fundos era garantir a estabilidade aos investimentos por meio, principalmente, do fomento a projetos de pesquisa nos setores em que os recursos são arrecadados. Diretrizes e planos de investimentos de cada fundo são definidos por comitês gestores, compostos por representantes do governo, do setor e da sociedade. “Os fundos se propunham a inovar na gestão e articular os diversos atores envolvidos na implementação de políticas setoriais”, explica Carlos Américo Pacheco, um dos artífices dos fundos quando foi secretário executivo do então Ministério da Ciência e Tecnologia, entre 1999 e 2002. “Com o tempo, a dimensão setorial perdeu importância com as ações transversais e a realocação de recursos para outros desafios do sistema de ciência e tecnologia.”
As ações transversais do FNDCT foram ampliadas paulatinamente, contemplando apoio a eventos, a projetos sem vínculo com as agendas setoriais e a tópicos da política industrial do governo. “O uso do dinheiro dos fundos para suplementar necessidades do sistema federal de C&T esvaziou o poder dos comitês gestores dos fundos, que passaram a administrar quantias cada vez menores”, observa o bioquímico Hernan Chaimovich, presidente do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) entre 2015 e 2016. No ano passado, os comitês gestores não se reuniram nenhuma vez. “Os fundos acabaram servindo para tapar buracos do orçamento do ministério, o que não era sua função original”, completa a economista Fernanda de Negri, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Um dos focos do debate sobre o futuro do financiamento público à ciência envolve o aperfeiçoamento dos fundos setoriais. Para Carlos Américo Pacheco, seria necessário consolidar os fundos em um número menor que o atual, já que alguns deles, como o de transportes e o Inovar-Auto, movimentam poucos recursos. “Também é importante identificar receitas novas, além de articular os fundos com as ações e os compromissos das agências reguladoras”, opina.
A regulamentação do FNDCT em 2007 consolidou e ampliou a utilização, já prevista em leis aprovadas em 2001 e em 2004, de recursos do fundo para instrumentos gerenciados pela Finep, como a oferta de crédito a empresas com equalização de taxas de juros, participação acionária em companhias e subvenção para projetos de instituições científicas e do setor privado. Um vislumbre dos investimentos do FNDCT em 2016 mostra as múltiplas missões que ele cumpre. De um total executado de R$ 1,042 bilhão, R$ 342 milhões destinaram-se a chamadas de projetos definidas pelos comitês dos fundos setoriais. Outros R$ 309 milhões foram utilizados em instrumentos como subvenção econômica, garantia de liquidez a investidores anjos ou equalização de encargos, que dá a empresas inovadoras acesso a recursos com juros baixos. Outros R$ 329 milhões foram destinados a ações transversais e R$ 59 milhões à construção do Reator Nuclear Multipropósito.
Apesar dos avanços na década passada, é declinante a utilização dos recursos do FNDCT por empresas. Em 2016, apenas R$ 58,6 milhões foram destinados à subvenção econômica a projetos de desenvolvimento tecnológico – em 2010, esse valor foi de R$ 526 milhões. De acordo com Marcos Cintra, a Finep deve dispor em 2017 de apenas 50% dos recursos com que operava há dois anos e não deve lançar nenhuma nova iniciativa de apoio a instituições de pesquisa e de subvenção econômica a empresas. A redução de investimentos da Finep e do BNDES preocupa as empresas. “Temos a expectativa de que, no segundo semestre, haja uma recomposição do orçamento da Finep, mas isso depende do aumento de receitas tributárias. Se não acontecer, há a esperança de que o BNDES ocupe esse espaço e aumente o fomento à inovação em condições razoáveis”, diz Pedro Wongtschowski, presidente do conselho do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi) e vice-presidente do Conselho de Administração da Ultrapar. Os desembolsos do BNDES com inovação passaram de 0,8% do total do investimento do banco em 2010 para 4,4% em 2015. No primeiro semestre de 2016, foram de 3,5%.
Participação dos estados
Outro desafio para ampliar o financiamento à ciência relaciona-se à restauração da saúde financeira dos estados. Nos últimos 20 anos, várias unidades da federação criaram fundações de amparo à pesquisa e se comprometeram a investir percentuais da arrecadação de impostos em ciência, tecnologia e inovação. “Até a década de 1990, só 14 estados tinham fundações. Atualmente, só Roraima não tem”, conta Maria Zaira Turchi, presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de Goiás (Fapeg) e do Conselho Nacional das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa (Confap). Um levantamento recente feito pelo Confap estimou em cerca de R$ 2,5 bilhões os recursos investidos em 2016 pelas fundações estaduais. A previsão orçamentária para 2017 atingiria R$ 2,7 bilhões, mas as dificuldades financeiras enfrentadas por vários estados tornam improvável que se alcance esse patamar. O Rio de Janeiro vive uma situação especialmente complicada. Em meio a uma crise financeira em que passou a atrasar o pagamento de salários a funcionários públicos, o governo estadual não tem feito repasses previstos na vinculação à sua fundação estadual de amparo à pesquisa, a Faperj. Em São Paulo, houve diminuição do orçamento dedicado à C&T em decorrência da queda da receita tributária, mas as porcentagens determinadas na Constituição estadual não sofreram alteração.
Em anos recentes, as fundações se tornaram um esteio, garantindo recursos a projetos de interesse regional e nacional e firmando parcerias para o cofinanciamento de programas. Um exemplo dessa relação de parceria são os Institutos Nacionais de Ciência e Tecnologia (INCTs), programa conjunto das FAPs e do governo federal. No novo edital dos INCTs de 2014, foram aprovadas 101 redes de pesquisa em 16 estados. “Nos momentos em que os repasses dos recursos das agências federais, sobretudo do CNPq, foram muito reduzidos, os pesquisadores contaram preponderantemente com o financiamento das fundações estaduais”, diz Zaira Turchi.
Podcast: Luiz Davidovich
A discussão sobre como melhorar a qualidade dos gastos vem ganhando corpo. “Falta uma política de ciência e tecnologia e de desenvolvimento que indique áreas prioritárias para os investimentos. O Brasil, em vez disso, elaborou longas listas de desejos envolvendo todas as áreas do saber nos últimos 20 anos”, avalia Hernan Chaimovich. “Países que estabeleceram metas e prioridades conseguiram alavancar recursos.” Luiz Eugênio Mello também critica a dificuldade de trabalhar com prioridades. “No Brasil há uma tendência de pulverizar investimentos e atender muita gente ao mesmo tempo. Em certas situações, o país precisa de poucos grupos bem financiados para competir com os melhores do mundo.”
Para Fernanda de Negri, do Ipea, a ciência brasileira precisa ser mais ambiciosa. “Em países como os Estados Unidos, o financiamento à pesquisa é tremendamente competitivo, com um componente de avaliação muito forte. Isso ainda é raro no Brasil e deveria mudar se quisermos fazer uma ciência de mais qualidade”, afirma. Embora concorde que é preciso atrair recursos privados, ela ressalta que, em países desenvolvidos, cabe ao Estado patrocinar o quinhão principal do financiamento à ciência. “São investimentos de alto risco e em pesquisa básica, e em lugar nenhum do mundo o setor privado dá conta disso.”
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