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geografia

Garimpeiros se associam a facções criminosas na Amazônia Legal

Estudo sugere que o Pará está sendo utilizado para legalizar o ouro extraído ilegalmente em outros estados

Operação do Ibama em região da Amazônia Legal, onde a taxa de mortes violentas intencionais é mais alta do que a média nacional

Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA)

A rede de garimpos legalizados e clandestinos da Amazônia Legal tornou-se central à expansão do narcotráfico na região. A área abrange os estados do Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins, além de parte do Maranhão.

Pesquisa publicada no começo de 2024 pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) mostra que facções criminosas, como o Primeiro Comando da Capital (PCC) e o Comando Vermelho (CV), passaram a utilizar a estrutura logística estabelecida para a extração de ouro em Roraima e no Pará para desenvolver atividades como a venda de drogas.

O estudo envolveu a realização de pesquisas de campo nos municípios de Itaituba, Jacareacanga e Santarém, no Pará, na cidade de Boa Vista e na Terra Indígena Raposa Serra do Sol (Tirss), ambas em Roraima. Durante o trabalho, foram entrevistados dezenas de profissionais de segurança pública e agentes de fiscalização ambiental. Também ocorreram observações etnográficas e conversas informais com garimpeiros e moradores das localidades.

A pesquisa identificou que membros de organizações criminosas vendem drogas para consumo da população local e atuam como segurança armada de garimpeiros. “Aeronaves, pilotos e pistas ilegais de pouso criadas para atender as atividades de garimpo estão sendo aproveitados para o narcotráfico. Essa conexão deu origem a um fenômeno recente, conhecido como narcogarimpo”, relata o sociólogo Rodrigo Pereira Chagas, da Universidade Federal de Roraima (UFRR). “O garimpo se intensificou nos últimos cinco anos na região. E a articulação entre essa atividade e o narcotráfico tem causado o acirramento de situações de violência e ameaças ambientais”, prossegue Chagas, que é um dos autores do estudo.

Segundo o pesquisador, em 2022, a taxa de mortes violentas intencionais (MVI) por 100 mil habitantes no Brasil foi de 23,3 vítimas, enquanto na Amazônia Legal esse número chegou a 33,8.

De acordo com o levantamento do FBSP, o garimpo em Roraima se concentra em terras indígenas, onde a mineração é proibida, enquanto no Pará, a extração ocorre de forma legal, mas apenas em algumas áreas. A Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM) é a receita patrimonial cobrada sobre os ganhos gerados com a exploração de minerais.

Em 2022, o Pará foi o estado que mais recolheu recursos da CFEM, em toda Amazônia Legal, totalizando quase R$ 3 bilhões, conforme a Agência Nacional de Mineração (ANM). Boa parte desse recolhimento se deve às atividades legais de mineração de ferro realizadas no estado. Já em Roraima não houve recolhimento da CFEM naquele ano. “Segundo autoridades e atores locais, como profissionais de segurança pública e agentes de fiscalização ambiental, o grande volume de arrecadação de CFEM no Pará também pode sugerir que o estado se tornou um lugar onde garimpeiros conseguem regularizar parte do ouro extraído ilegalmente de outros territórios”, propõe.

Ainda em relação aos garimpos, a geóloga Maria José Maluf de Mesquita, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), considera que há alternativas para o desenvolvimento desse tipo de atividade por meio de práticas menos predatórias. Mesquita é coordenadora do projeto “CRAFTing responsible tin: A path to ethical and sustainable mining practices in the brazilian Amazon”, elaborado em parceria com entidades como a Cooperativa dos Garimpeiros de Santa Cruz e a Cooperativa Metalúrgica de Rondônia. Ela estuda o trabalho de cooperativas de garimpeiros há mais de uma década. Segundo a pesquisadora, essas organizações vêm colaborando com o desenvolvimento de práticas de extração de minerais menos nocivas ao meio ambiente. “Para fazer parte das cooperativas, por exemplo, os garimpeiros são proibidos de jogar mercúrio nos rios”, conclui.

A reportagem acima foi publicada com o título “O fenômeno do narcogarimpo” na edição impressa nº 343, de setembro de 2024.

PEREIRA-CHAGAS, R. Narcogarimpo: As afinidades eletivas entre frentes de garimpo ilegal e a expansão do tráfico de drogas na Amazônia brasileira. Urvio. On-line. n. 38, p. 32-48. 2024.

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