As oscilações de átomos no interior de um sólido produzem excitações que se dispersam pelo material. Essas vibrações constituem ondas que, na mecânica quântica, se comportam em determinadas situações como um fluxo de partículas, denominadas fônons. Responsáveis pela propagação do calor e do som no material, as oscilações podem ocorrer em duas direções, na vertical e na horizontal. É como se os átomos estivessem conectados por molas e a perturbação em um deles se alastrasse pelos demais. Uma equipe de físicos da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) mostrou experimentalmente que, se submetidas a condições específicas, as vibrações podem se propagar de outra forma: além de oscilar para cima/para baixo e para os lados, giram em torno do próprio eixo.
O movimento giratório das ondas nas entranhas de sólidos corresponde, na mecânica quântica, ao spin ou momento angular exibido por partículas elementares, como os elétrons, e por núcleos atômicos na presença de campos magnéticos. Ou seja, os pesquisadores constataram que os fônons, pacotes de energia produzidos por ondas vibracionais, podem apresentar spin. O resultado do trabalho foi publicado na revista científica Nature Physics em abril de 2018.
Os experimentos que levaram à descoberta dividiram-se em duas partes. Primeiramente, por meio do emprego de um campo de micro-ondas, os físicos geraram em um sólido um tipo de excitação atômica que sabidamente apresenta spin, os magnons, vibrações dos elétrons de um átomo associadas às propriedades magnéticas de um material. Em seguida, com o auxílio de campos magnéticos, converteram os magnons em fônons. Esse processo de transformação de magnons em fônons, acoplamento no jargão dos físicos, já era conhecido pela ciência. “Fizemos um experimento cuja ideia central era converter uma forma de excitação na outra, ou seja, magnon em fônon”, explica Sergio Machado Rezende, coordenador do grupo de físicos da UFPE que produziu o trabalho.
A surpresa veio no final das medições, quando os pesquisadores se deram conta do que tinha ocorrido. “Vimos que, além de se converter em fônons, os magnons tinham transferido para eles uma propriedade que não esperávamos, o spin”, conta José Holanda, aluno de doutorado de Rezende e primeiro autor do artigo sobre o experimento. Nesse tipo de conversão, o spin dos magnons normalmente não se preserva nos fônons. Em razão do ineditismo da medição, Rezende e seus colegas construíram um sistema óptico de espalhamento de luz para confirmar se o spin havia se conservado de fato. A luz espalhada em um material fornece informações precisas sobre a presença ou ausência de momento angular em fônons – e o sistema confirmou o spin nos fônons.
A natureza do material empregado parece ter sido determinante para o inesperado desfecho dos experimentos na UFPE. Em vez de usarem compostos maciços como bastões ou cilindros, como usualmente se faz nesse tipo de trabalho, os pesquisadores utilizaram um tipo de filme fino de granada de ítrio e ferro (Y3Fe5O12), com uma espessura de átomos, que ocasiona poucas perdas magnéticas. “Dentro desse filme, as excitações percorrem distâncias da ordem de centímetros”, afirma o físico Antônio Azevedo, também da UFPE, que fabricou o material usado no experimento. Essa particularidade aparentemente foi determinante para que o spin dos magnons se transferisse para os fônons. “Esse efeito é impossível de ser visto em outros materiais”, esclarece o físico Matthias Benjamin Jungfleisch, do National Argonne Laboratory, nos Estados Unidos, que não participou do trabalho e escreveu um comentário sobre o artigo dos colegas da UFPE na mesma edição da Nature Physics.
A evidência de que as vibrações acústicas dos átomos em sólidos podem apresentar uma das propriedades mais importantes da física quântica abre portas para o estudo do spin dos fônons como codificadores da informação. Esse pode vir a ser um novo ramo da spintrônica, a eletrônica baseada no giro (spin) do elétron para transmitir sinais e armazenar dados. Na eletrônica convencional, como o nome indica, os sinais são conduzidos por meio da carga do elétron. Uma das vantagens de fazer spintrônica com fônons é que os materiais magnéticos, mais complicados de serem produzidos, seriam necessários apenas na fase inicial do processo, para converter magnons, que sempre têm spin, em fônons. “Depois de produzidos, os fônons poderiam carregar o spin para outros materiais não magnéticos”, sugere Rezende.
Artigo científico
HOLANDA, J. et al. Detecting the phonon spin in magnon-phonon conversion experiments. Nature Physics. 2 abr. 2018.