Léo Ramos ChavesO que não se pode dizer de uma conversa com Igor Pacca é que seja autocentrada, mesmo que o pedido inicial dos repórteres tenha sido para ele falar sobre sua trajetória pessoal e profissional. Com delicadeza, aos 88 anos, Pacca lembra dos professores que admira e das pessoas que dirigiram e ajudaram a criar o Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas (IAG-USP), do qual ele foi um dos primeiros professores, na década de 1970, chefe do Departamento de Geofísica durante 10 anos não consecutivos e diretor, de 1993 a 1997. Com gosto, ele fala do interior da Terra, contando do sempre inquieto campo magnético do planeta, que fundamenta sua área de trabalho, o paleomagnetismo – o estudo da evolução e das mudanças de polaridade do campo magnético, com base no registro de óxidos de ferro e outros materiais ferromagnéticos preservados no interior de rochas. É uma forma de conhecer a história da Terra e os movimentos dos continentes. Pacca, com suas equipes, mostrou que os blocos de rochas que hoje separam a Amazônia do Centro-Oeste e do Nordeste já estiveram separados por um mar, estavam colados com blocos da atual América do Norte, e todos próximos ao atual polo Sul.
Sua mulher, Jesuína Pacca, e seu único filho, Sérgio, são professores da USP, ela do Instituto de Física, ele na Escola de Artes, Ciências e Humanidades. Quando possível, Pacca reúne a família em seu sítio em Serra Negra, no interior paulista, onde planta café para consumo próprio. As fotos expostas em frente a um dos armários de sua sala no IAG, para onde vai quase todo dia, retratam lugares que visitou em suas expedições de campo e um laboratório do IAG no Parque do Estado, a antiga sede, no qual trabalhou. Duas imagens chamam a atenção: ele cumprimentando dois ex-presidentes, Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva. “Não tenho preconceitos”, ele diz antes de explicar que conheceu o primeiro em 1998, quando recebeu o título de comendador da Ordem Nacional do Mérito Científico, e o segundo em 2007, ao receber outra premiação, a Grã-Cruz, também dessa ordem.
Por que o senhor gosta de olhar para dentro da Terra?
Porque é fascinante, tem muita coisa para ver. E, claro, muito não conseguimos ver. Os buracos mais profundos chegaram a apenas 13 quilômetros [km], depois disso as brocas diamantadas amolecem, quebram, entortam. As medidas em geral são indiretas. Quando se faz uma perfuração para extrair petróleo, pode-se obter muita informação sobre o interior da Terra. Fontes de informação importantes são as ondas sísmicas, geradas pelos tremores de terra, cuja velocidade depende da variação de densidade das camadas internas do planeta. Os parâmetros elásticos das rochas e a atração gravitacional ajudam a ver a distribuição de massa no interior da Terra. Ainda há muito por saber. Em 1910, o geofísico croata Andrija Mohorovičić [1857-1936] propôs a primeira superfície de separação do interior de nosso planeta, chamada de Moho, entre a crosta e o manto, a 10 km de profundidade nos oceanos e a 40 km nos continentes. Outra descontinuidade ocorre a cerca de 3 mil km de profundidade, separando o manto do núcleo. Essa separação é fantástica, porque é muito drástica. Há mudanças não só na pressão e na densidade, mas também nos materiais, de rochas sólidas do manto, formadas principalmente por silicatos de ferro e magnésio, para ferro líquido, do núcleo. É líquido porque atingiu a temperatura de fusão, que depende da pressão. Na superfície da Terra, ao nível do mar, a temperatura de fusão do ferro é de 1.500 graus Celsius [ºC]. Os três estados da matéria são também chamados de estados de agregação, significando que os átomos nos sólidos estão muito mais juntos do que nos gases e, portanto, a pressão de mega-atmosferas pode superar a ação da temperatura, que procura desordenar e separar os átomos. Mas no núcleo interno a pressão é tão alta que supera a ação da temperatura. No núcleo existe também uma pequena quantidade de algum elemento químico mais leve que o ferro. Pode ser hidrogênio, carbono, potássio, não sabemos o que é. Se fosse só ferro, a massa do núcleo e a da Terra seriam muito maiores.
88 anos
Especialidade
Geofísica
Formação
Graduação (1959), doutorado (1969) em física na USP
Instituição
Universidade de São Paulo (USP)
Produção científica
Cerca de 41 artigos científicos e 6 capítulos de livros
De onde vem o campo magnético do planeta, seu objeto de trabalho?
Vem do núcleo. A ideia de que a Terra é um imenso ímã bipolar é bem antiga, do século XIII, mas até hoje os processos de geração do campo geomagnético não são completamente entendidos. A energia necessária para gerar o campo geomagnético pode vir da convecção, produzida pela variação de temperatura nas camadas mais internas da Terra. É como o movimento da água fervendo na panela, a água que esquenta sobe e a que esfria desce, formando células de convecção. Na verdade, é mais complicado porque, no caso da Terra, a convecção depende da variação de temperatura e da composição dos materiais. A rotação da Terra também é importante. Os modelos teóricos de campo geomagnético são chamados de modelos de dínamo, como os usados em máquinas elétricas, com um ímã e uma bobina, para converter energia mecânica em elétrica. No interior da Terra, muitos dínamos, alguns mais fortes e outros mais fracos, transformam a energia mecânica da rotação em energia eletromagnética. Por isso que o campo magnético da Terra passeia sempre pelo seu interior e exterior.
O que o paleomagnetismo tem mostrado sobre a história do globo terrestre?
O paleomagnetismo ajuda a ver a movimentação dos continentes, as colisões e as junções. Esses movimentos, que necessitam de uma grande quantidade de energia, podem dar uma indicação de processos do interior da Terra. Uma de minhas pesquisas mostrou que o bloco de rochas que hoje forma a Amazônia estava separado de Goiás e do Nordeste por mares, mais próximo da porção sul do país e quase colado ao que seria a América do Norte. Outra pesquisa coordenada por três geofísicos aqui do IAG – Wilbor Poletti, Gelvam Hartmann e Ricardo Trindade –, com base em fragmentos de ruínas do sul do Brasil, indicou a variação do campo magnético terrestre há 350 anos (ver Pesquisa FAPESP nos 75 e 244). Uma das grandes descobertas dessa área é que a polaridade do campo magnético da Terra está sempre mudando. Há 700 mil anos a polaridade era totalmente oposta, o norte onde hoje é o sul, e o sul onde é o norte. Ninguém sabe por quê. Alguns anos atrás a maior intensidade do campo no hemisfério Norte era o polo Norte, mas hoje não é mais. Há um lugar na Sibéria em que o campo é mais intenso.
O que está estudando atualmente?
Tenho me interessado pela relação entre a rotação da Terra e a frequência de reversões de polaridade do campo geomagnético, que refletem os movimentos do núcleo externo. A rotação da Terra está intimamente ligada ao campo magnético e a suas variações, que nos últimos milhões de anos não foram periódicas. O problema é que a velocidade de rotação não é constante e varia por muitos motivos, como o atrito das marés, na interação com a Lua. Além disso, a Terra não é rígida, mas também não é elástica, ou seja, demora para se deformar. A Lua se opõe à rotação e, por causa da atração gravitacional, causa uma deformação aqui e ali, mas a deformação máxima só vai ocorrer quando a Terra girar um pouco mais, exatamente porque ela não é elástica. Esse jogo de forças faz com que o ano tenha a mesma duração, mas o dia varia. Um jeito fácil de guardar essa variação: há 400 milhões de anos, o ano tinha 400 dias. Hoje a Terra está girando mais devagar, portanto o número de dias é menor, e a Lua está cada vez mais distante. Há outros fatores influenciando a rotação da Terra. Quando uma placa tectônica mergulha da superfície para o interior da Terra, a distribuição de massa muda. Pode mudar também quando as geleiras derretem e o nível dos oceanos sobe. É como uma bailarina, que gira mais devagar quando põe os braços para fora e mais rapidamente quando encolhe os braços, por causa do momento de inércia e da conservação do momento angular. Infelizmente, os dados sobre variação do nível do mar ao longo de milhões de anos são escassos, mas podemos ter uma ideia dessa variação e da temperatura por meio da proporção entre dois isótopos de oxigênio, o O16 e O18. A água do mar tem os dois isótopos, mas o 16, mais leve, evapora mais facilmente quando a temperatura aumenta. Inversamente, o 18 é o mais comum quando a temperatura cai e o mar esfria. Medindo a relação entre os dois, em conchas antigas, podemos saber se a temperatura subiu ou desceu, ou se o gelo estava concentrado nos polos.
O ano tem a mesma duração, mas o dia varia. Há 400 milhões de anos, o ano tinha 400 dias
O campo magnético interfere em nosso dia a dia?
Há uma região em que a intensidade do campo magnético é muito menor, a Anomalia do Atlântico Sul, cujo deslocamento ajudamos a definir aqui no IAG. Os tripulantes das estações espaciais têm de se proteger dos raios cósmicos com uma blindagem pesada quando passam pela anomalia. O campo magnético barra os raios cósmicos que chegam do Sol ou de fora da galáxia e também interfere no funcionamento dos satélites de comunicações.
O senhor é um geofísico que começou como físico?
Fiz doutorado em física da radiação cósmica com César Lattes [1924-2005]. Meu orientador oficial era Celso Orsini [1929-2014], mas na prática foi com Lattes que trabalhei durante sete anos. Dizem que ninguém nunca conseguiu trabalhar com ele tanto tempo… Lattes era um gênio, mas muito imprevisível, não cumpria compromissos, mandava Orsini e eu no lugar dele às reuniões do CNPq [Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico], em Brasília. Lattes era professor e pesquisador na UFRJ [Universidade Federal do Rio de Janeiro] e no CBPF [Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas] e veio para a USP em 1960, convidado por Mário Schenberg [1914-1990], que era o chefe do Departamento de Física da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras [atual FFLCH] da USP. Lattes não suportava prestar concurso. Ele esteve para fazer um concurso na Faculdade Nacional de Filosofia, do Rio. Orsini e eu levamos a tese, fizemos a inscrição dele, e ele não foi. Depois, aqui na USP, ele insistiu para que fosse aberto um concurso para qualificação de professor na Faculdade de Filosofia, ainda na rua Maria Antônia. Abriram um concurso, e de novo Orsini e eu fizemos a inscrição, e ele não compareceu. Quem se inscreveu e passou no concurso foi Jayme Tiomno [1920-2011], mas não ficou muito tempo.
Por quê?
Como professor catedrático, Tiomno foi convidado para dar a aula inaugural dos cursos da USP em 1969. Na época, o reitor era o Mário Guimarães Ferri [1918-1985], que estava viajando. Quem apareceu foi o vice, Alfredo Buzaid [1914-1991], muito ativo durante o regime militar. Tiomno tinha trabalhado na Universidade de Brasília e achou que era uma boa ocasião para botar para fora tudo o que ele havia sofrido na capital federal. E realmente falou dos problemas que enfrentou em Brasília. Buzaid estava na mesa e só olhava torto. Naquele mesmo ano, o vice-reitor foi nomeado ministro da Justiça do governo Médici [1969-1974], houve uma safra de cassações e Tiomno foi um deles. Durante essa época terrível saíram muitos professores da Física. Vínhamos trabalhar e tínhamos primeiro de passar por uma barreira de policiais, logo na entrada do campus.
O senhor sofreu algum tipo de pressão?
Eu não era muito ativo nessa área. Mas fui várias vezes falar com Schenberg, que também tinha sido cassado e estava no Dops [Departamento de Ordem Política e Social], para resolver um problema ou pegar a assinatura dele. Os professores cassados eram proibidos de entrar na universidade e aposentados compulsoriamente. José Goldemberg [presidente da FAPESP desde 2015] e Oscar Sala [1922-2010, presidente da FAPESP de 1985 a 1995] também eram professores muito conceituados, mas de pouca atuação política. Sala era até estrangeiro, nascido em Milão, na Itália. E, além dos professores, havia os estudantes, que participavam muito da política.
Por que resolveu estudar física?
Foi acidental. Fui criança pobre e tive de trabalhar cedo para ajudar minha mãe. Meu pai abandonou a família quando minha irmã tinha 5 anos e eu estava por nascer. Moramos muito tempo no centro da cidade, na rua Asdrúbal do Nascimento. Foi lá que tive meu primeiro emprego de carteira assinada. Aos 14 anos, comecei a trabalhar como office boy no departamento de construções da Light. Eu ganhava meio salário mínimo. Fiquei de 1944 a 1946 na Light e depois fui para uma empresa de telégrafos, a All America Cables and Radio Inc. Era tudo feito por telégrafo. A comunicação não era imediata, mas em 15 minutos, por cabos submarinos, chegava a cotação da bolsa de valores de Londres ou Nova York. Entre o final do curso secundário [atual ensino médio] e a faculdade fiquei um tempo sem estudar, tinha de ajudar minha mãe. Fiz vestibular para engenharia, mas fui reprovado em matemática. Como havia um segundo exame na Faculdade de Filosofia, fiz inscrição para química, mas havia poucas vagas sobrando no meio do ano e cancelaram a prova. Então fiz física e entrei, em 1959, tirando 10 no exame escrito e no oral de matemática. Foi acidental, mas gostei muito.
E como entrou na geofísica?
Em 1967, Lattes aceitou o cargo de professor titular no novo Instituto de Física da Unicamp [Universidade Estadual de Campinas], mudou-se para Campinas e o grupo de pesquisa da USP se desfez. Fui atraído pela geofísica para poder trabalhar em uma área que tivesse relação com o Brasil. Na época me incomodava fazer ciência sem relação com o país, mas não havia nada de geofísica no Brasil. O IAG era ainda um instituto complementar da USP. Veio parar na USP em 1955 porque um dos diretores brigava com todo mundo e o instituto pulava de uma secretaria de Estado para outra e chegou uma hora que estava completamente órfão. Em 1968, quando fizeram a reforma universitária e criaram os institutos de ensino e pesquisa, o IAG ficou de fora. Na Física, havia vagas para professores de geofísica, mas nunca preencheram. Comecei a ver quais eram as grandes questões da geofísica, em sismologia, um campo fundamental porque diz como é a Terra por dentro, e gravimetria, o estudo da gravidade. Já era amigo de Umberto Cordani, professor do Instituto de Geociências que foi muito importante no início da geofísica. Um dia Cordani contou que um geofísico inglês, Kenneth Michael Creer, um dos pioneiros do paleomagnetismo, tinha começado um laboratório em Curitiba, e não foi adiante, mas deixou os aparelhos lá. Na Inglaterra, Creer e Patrick Blackett [1897-1974], que foi presidente da Royal Society, tinham começado a determinar a direção de polo magnético de rochas de diferentes idades da Europa.
O que eles viram?
Viram que o norte das rochas não era o mesmo do da Terra. Como acharam que esse mistério ficaria mais claro se trabalhassem com rochas de mais de um continente, Creer coletou amostras de rochas do Brasil, da Argentina e do Uruguai na década de 1960 para estudar o movimento dos continentes. Havia uma briga danada entre fixistas, que diziam que os continentes eram fixos, e mobilistas, que defendiam que os continentes se moviam. A movimentação dos continentes era uma ideia antiga. Era só olhar para o litoral da África e da América do Sul e ver que se encaixam. Em 1913 Alfred Wegener [1880-1930] publicou o livro A origem dos continentes e oceanos, mas exagerou nos argumentos e, por essa e outras razões, não foi muito bem-aceito na época. A briga foi até a década de 1970. Falamos com Creer, ele cedeu os equipamentos e Cordani e eu fomos buscar em Curitiba. Eram essencialmente bobinas de desmagnetização e de Helmholtz, que geram campo magnético para eliminar o campo magnético da Terra, que é pouco intenso, mas tem de ser contido, para fazer as medidas de magnetização de rochas. Montamos o laboratório de paleomagnetismo no Instituto de Física.
Quais seus primeiros trabalhos na área?
Depois de montar o laboratório, contratamos um geofísico argentino, Daniel Valencio, que tinha trabalhado com Creer na Inglaterra, e começamos a trabalhar. Ele veio para cá e depois passei alguns meses na Argentina. O primeiro estudo tratou da polaridade das rochas do arquipélago de Abrolhos, o que permitiu conhecer melhor a história da formação das ilhas, que começou há 60 milhões de anos e já era estudada antes pelo Cordani. Esse trabalho saiu em 1972 na Nature Physical Science, indicando o grande interesse por essa área na época. Ficamos na Física até 1972, quando o IAG foi oficialmente incorporado como unidade de ensino e pesquisa da USP. Antes disso, o IAG, que vem da época do Império, ainda estava sem destino certo na USP. Havia muitas possibilidades, como a incorporação pelo Instituto de Geociências, pelo Instituto de Física ou pela Escola Politécnica, mas o então diretor do IAG, Abrahão de Moraes [1917-1970], que era professor de cálculo na Poli, não gostava de nenhuma. Tive a sorte de ser aluno dele por dois anos. Ele queria que o IAG fosse um instituto de ensino e pesquisa para desenvolver a astronomia, a geofísica e a meteorologia.
Como resolveram o destino do IAG?
Em dezembro de 1970, não estava nada resolvido ainda quando Abrahão morreu, de repente. O reitor era o Miguel Reale [1910-2006], que gostava do Abrahão. No enterro, ele fez um discurso, à beira do túmulo: “Aquele instituto que você tanto queria, Abrahão, vou fazer força para conseguir”. E o instituto saiu, como unidade de ensino e pesquisa da USP, em 1972. Os três departamentos – astronomia, geofísica e meteorologia – foram criados nessa ocasião. Com astronomia não havia problema, era a atividade tradicional do instituto. Além disso, três estudantes que Abrahão tinha mandado fazer doutorado no exterior, Paulo Benevides Soares [1939-2017], José de Freitas Pacheco e Sílvio Ferraz-Mello, já tinham voltado e ingressaram logo no instituto. Na meteorologia, já existia a estação meteorológica, nessa época no Parque do Estado, na zona sul de São Paulo, ainda sem professores. O diretor do instituto, Giorgio Giacaglia, trouxe estrangeiros, mas não deu certo. Só deu certo quando mandaram Pedro Leite da Silva Dias [atual diretor do IAG] e Maria Assumpção Dias, recém-formados em matemática, fazer doutorado nos Estados Unidos para depois atuarem como professores e pesquisadores dessa área. A geofísica não tinha nada. A universidade exigia que o departamento tivesse pelo menos cinco docentes, em três categorias. Um deles era o próprio Giacaglia, professor titular da Poli, que tinha trabalhado com geodésia dinâmica. Vieram dois geólogos emprestados da Geociências, Cordani e Koji Kawashita. Virei chefe do departamento, porque tinha feito doutorado em física e era o único em tempo integral. Contratamos um auxiliar de ensino, Francisco Hiodo, e, por meio do Creer, conseguimos uma vaga para um doutorado na Escócia, para onde mandamos Marcelo Assumpção, recém-contratado, para depois ser professor aqui. Eu ajudava a escolher os nomes. Além de ser chefe de departamento, eu dava aula de geofísica. O primeiro mestrado foi o de Márcia Ernesto, em 1978. Ela fez a iniciação científica e o mestrado comigo, em paleomagnetismo. Aí começamos a acreditar mais no departamento. Agora não vai morrer, está formando gente.
Fui atraído pela geofísica para poder trabalhar em uma área que tivesse relação com o Brasil
Como começaram os cursos de graduação no IAG?
Pretendíamos criar logo os cursos de graduação. O de meteorologia foi mais fácil, porque era a vocação do instituto, e começou em 1975. O de geofísica é que foi difícil. Enfrentamos muita oposição das associações de geólogos, que não queriam mais concorrentes, do mesmo modo que os engenheiros de minas não queriam concorrentes quando se criaram os cursos de geologia no Brasil, no final da década de 1960, numa época em que se descobriu que o país tinha recursos minerais, mas não havia mão de obra em quantidade e qualidade necessária. Conseguimos mostrar que as atribuições de geólogos e geofísicos eram diferentes, e por fim o curso começou, em 1985. O curso de graduação em astronomia veio bem depois porque, no início do instituto, os astrofísicos achavam que não precisavam criar um curso de graduação e poderiam se virar com alunos de pós-graduação. Hoje os três cursos e os três departamentos são fortes, talvez os mais fortes do Brasil, por causa da qualidade dos professores e dos estudantes. Na geofísica, avançamos bastante com as colaborações internacionais. Tínhamos problemas científicos que interessavam a cientistas estrangeiros.
Qual seu trabalho científico de que mais se orgulha?
Foi o longo trabalho sobre o magmatismo da serra Geral, que se estende pela região Sul, uma parte do Paraguai, da Argentina e do Uruguai. Foi uma colaboração com grupos italianos, principalmente com Enzo Piccirillo, da Universidade de Pádua e depois de Trieste, e Piero Comin-Chiaramonti, de Verona. É um platô, com dezenas de derrames basálticos, que se estende por quase 2 mil km2. Tem lugares em que a espessura do basalto é de quase 2 km. Os geólogos já tinham estudado essa região, mas havia duas grandes incógnitas. A primeira era a idade dos derrames basálticos, porque na década de 1970, quando começamos a trabalhar lá, o método de datação ainda era potássico argônio, com uma incerteza muito alta. A outra era sobre a rapidez com que ocorreram os derrames dessa região. Os geólogos pensavam que teriam demorado muito para ocorrer. O paleomagnetismo conseguiu resolver essas duas questões. Vimos que os derrames na região começaram há cerca de 150 milhões de anos, atingiram o auge há 127 milhões e depois foi sossegando. Vimos também que foi relativamente rápido. Seis derrames em menos de 1 milhão de anos é pouco tempo, considerando o volume de lava. Era um volume fantástico, que saía por fissuras do antigo continente formado pela América do Sul e África. Quando os continentes eram muito grandes, o calor se acumulava até fundir a litosfera, a camada mais externa da Terra, e sair. Esse trabalho na serra Geral seguiu por uns 20 anos e formou muitos mestres e doutores.
O senhor ainda faz coletas de campo?
A viagem mais recente foi em 2008. Fui para Camarões, na África, e passei um mês coletando amostras de rochas no interior do país. Camarões tem formações vulcânicas mais ou menos alinhadas que vêm do oceano e entram no continente. Isso é muito relevante para quem estuda o paleomagnetismo da Terra. Foi inesquecível também por outra razão. Estávamos no interior de Camarões, que tem uma cultura completamente diferente da nossa, e um dos moradores, vendo que uma das pesquisadoras do meu grupo trabalhava muito, perguntou-me se eu não queria trocá-la por algumas cabras.