Quando chegam ao espaço, os satélites precisam de pequenos mecanismos chamados de propulsores que fazem o posicionamento inicial e as correções de órbita, de tempos em tempos. O combustível usado nesses casos é formado por um conjunto de substâncias químicas sólidas ou líquidas que, quando sofrem um processo de expansão térmica, soltam jatos de gases para fora do satélite para posicioná-lo com precisão na direção desejada. O problema é que o acionamento desses combustíveis gera muito gasto de energia elétrica, diminuindo o tempo de vida útil do satélite. Encontrar soluções criativas e viáveis para essa questão é tema de vários grupos de pesquisa ao redor do planeta, que buscam alternativas para tornar mais duradouro o uso dos propulsores em satélites. Um desses grupos está no Laboratório de Plasma do Departamento de Física da Universidade de Brasília (UnB), que desenvolveu um novo propulsor, que utiliza plasma como combustível. Chamado de o quarto estado da matéria, oplasma é uma espécie de gás ionizado porque perde elétrons de parte de seus átomos e obtém propriedades distintas dos estados sólido, líquido e gasoso. “Estrelas, raios e auroras se encontram em estado de plasma”, exemplifica o professor José Leonardo Ferreira, coordenador da equipe.
Eletricidade com ímãs
O protótipo do propulsor a plasma, batizado de Phall-01, desenvolvido na UnB, possui 20 centímetros de diâmetro e 10 centímetros de altura. “Ele deverá ser menor ainda, conforme avança nosso desenvolvimento em laboratório”, diz Ferreira. O propulsor brasiliense já se mostrou eficaz quando comparado com equipamentos similares construídos em outros países. “Ele reduz em até 50% a potência elétrica necessária para o funcionamento de um satélite, além de aumentar em até duas vezes a vida útil de veículos espaciais em órbita, que oscila, atualmente, entre dois e quatro anos”. Um desempenho que está ligado diretamente à inovação proposta pelos pesquisadores da UnB: um arranjo de ímãs com campo magnético permanente, acoplados (como ímãs de geladeira) a um dos lados do propulsor que dispensa o uso de baterias como fontes de eletricidade. A energia elétrica de um satélite, segundo Ferreira, é muito pequena. Um artefato de médio porte (500 quilos), por exemplo, não deve despender mais que 1,5 quilowatt (kW) (o equivalente a 25 lâmpadas caseiras de 60 watts acesas) com o sistema de propulsão, porque ele não gera muito mais que essa potência. A pouca disponibilidade de energia é uma preocupação constante desde a década de 1960 para os pesquisadores de laboratórios e de centros de pesquisa espacial.
“A propulsão a plasma nos satélites é fornecida por propulsores que aceleram íons (átomos com perda de elétrons) de gás xenônio a grandes velocidades. O mecanismo consiste em uma câmara de ionização em que o xenônio é injetado”, explica Ivan Soares Ferreira, físico e doutorando do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), que trabalhou no desenvolvimento do Phall-01. Em todas as versões de propulsores a plasma, os elétrons são emitidos por um emissor de elétrons de alta eficiência e colidem com o gás xenônio, criando íons positivos, empurrando a nave na direção oposta. O acerto da órbita é feito com o acionamento dos diferentes propulsores existentes na espaçonave. Os íons são acelerados e ejetados para fora da nave a mais 10 mil metros por segundo (m/s). “Nos propulsores convencionais, à base de reações químicas, a aceleração é de 700 m/s”, compara o professor Leonardo. Os testes com o propulsor a plasma na UnB são realizados em câmaras de vácuo que simulam as pressões da atmosfera residual da Terra, encontradas no espaço, em até 1 milhão de vezes menores se comparadas com as pressões no nível do mar.
Até há pouco tempo, apenas os russos haviam utilizado a propulsão a plasma do tipo Hall na versão com eletroímãs. A agência espacial norte-americana, após o fracasso de vários testes em satélites e sondas espaciais, conseguiu colocar o seu propulsor a plasma em funcionamento no espaço em 1998, com o lançamento da sonda Deep Space 1 (DP1), que se aproximou do cometa Borrelly e forneceu imagens e dados científicos jamais obtidos sobre esse tipo de astro. Os europeus estão investindo cada vez mais na área espacial e tiveram sucesso em várias missões, inclusive com a Small Missions for Advanced Research in Technology (Smart), satélite lançado dia 25 de setembro de 2003, na Guiana Francesa, como a primeira missão da Agência Espacial Européia (ESA) a visitar a Lua. A viabilidade econômica e a eficiência do modelo Phall faz dessa tecnologia uma alternativa importante para o Programa Espacial Brasileiro, porque o Brasil necessita utilizar vários satélites, em razão das demandas crescentes vindas dos setores de telecomunicações, meteorologia, informática e ambiental. O problema para o avanço da pesquisa está na falta de verbas para esse projeto. Desde 1999, as pesquisas são apoiadas somente pelo Departamento de Física da UnB e por recursos obtidos nas fundações associadas à universidade. “Recebemos uma ajuda anual da universidade da ordem de R$ 2 mil para todas as atividades de pesquisa”, completa José Leonardo.
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