IF / UFBADe repente, após cálculos que tomaram oito meses de trabalho até amadurecerem, o que parecia simplesmente uma impureza no interior de grupos de átomos se revelou claramente como um fenômeno óptico que poderá gerar chips (circuitos integrados) de computadores menores e mais rápidos que os atuais, capazes de processar informação em forma de corrente elétrica ou de luz. As descobertas realizadas pela equipe do físico Antonio Ferreira da Silva, pesquisador do Instituto de Física da Universidade Federal da Bahia (UFBA), representam também uma possibilidade de sobrevida para o silício, o material atualmente adotado nos chips e alvo de intensas pesquisas porque sua capacidade de compactação já se encontra próxima do limite físico.
Por meio de modelos matemáticos, Silva demonstrou que o comportamento que parecia simples ruído aleatório – as tais impurezas – em chips experimentais feitos com nitreto de gálio (GaN) e arseneto de gálio (GaAs) era na verdade um patamar de energia – ou, diriam os físicos, um padrão característico de freqüência de ondas – emitido por um aglomerado de três átomos de silício. Esses átomos, sozinhos ou juntos, é que formam as impurezas, adicionadas há décadas a semicondutores com a finalidade de aumentar a capacidade de transmissão da luz ou da corrente elétrica desses materiais. Os resultados, publicados em outubro na Applied Physics Letters, indicam que esse comportamento dos aglomerados de silício – muito mais organizado do que se imaginava – poderia ser utilizado para processar informações em níveis de energia bem específicos, ampliando as propriedades dos semicondutores.
Silva e dois alunos, Jailton Souza de Almeida e Adriano Jesus da Silva, trabalharam com as equipes de Clas Persson, Rajeev Ahuja, da Universidade de Uppsala, e de Patrick Norman, da Universidade de Linköping, ambas na Suécia, analisando os experimentos realizados no Naval Research Laboratory, nos Estados Unidos. Ali, no ano passado, os pesquisadores detectaram energias de cerca de 19 milielétrons-volts nos cristais de nitreto de gálio – e logo o consideraram como simples ruído, algo indesejável e sem importância.
No final do ano passado, quando reavaliou os resultados, Silva teve a impressão de que não se tratavam, simplesmente, de ruídos. Experimentos posteriores, feitos no próprio Naval Research Laboratory, comprovaram: o que haviam observado – e inicialmente desprezado – era um nível energético compatível com o que apareceria num aglomerado de três átomos de silício. Portanto, um cluster (aglomerado, em inglês), atuante em uma faixa do espectro eletromagnético correspondente ao infravermelho, que poderia ser manipulada para ler, armazenar e transmitir informação por meio da luz e da corrente elétrica.
Material promissor
O nitreto de gálio e o arseneto de gálio, que constituem oschips em que esses fenômenos foram investigados, são materiais sintetizados em laboratório, diferentemente do silício, um mineral encontrado na natureza. Pesquisados sobretudo nos Estados Unidos e no Japão – no Brasil, há grupos também na Universidade de São Paulo (USP) e na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) -, esses materiais, principalmente o arseneto de gálio, já integram chips de aplicações especiais, fabricados por empresas como a norte-americana Lucent Technologies. Ainda não têm um preço tão acessível quanto o silício, mas são igualmente semicondutores: como curingas do mundo físico-químico, apresentam um comportamento misto quando estimulados por uma corrente elétrica ou por luz, podendo tanto conduzir corrente elétrica quanto emitir luminosidade.
Essa propriedade faz dos semicondutores os materiais ideais para a criação de dispositivos óptico-eletrônicos, como LEDs (diodos de emissão de luz), detetores e lasers, que se valem tanto dos elétrons, condutores da corrente elétrica, quanto dos fótons, as partículas luminosas, para processar informações. Além disso, os semicondutores podem ser operados à temperatura ambiente e emitem luz visível – a região do espectro eletromagnético entre o vermelho e o violeta, captada naturalmente pelos olhos humanos. “Por isso”, afirma Silva, “os semicondutores podem ser usados para criar praticamente qualquer tipo de dispositivo óptico-eletrônico.”
Mas os semicondutores também têm deficiências. A principal delas é que, para transmitir informação, precisam de uma energia de ativação relativamente alta (em torno de 3 elétrons-volts), três vezes maior que a do silício cristalino (puro). Nesse ponto é que entram os átomos de silício utilizados como impurezas, de modo a reduzir a energia necessária para iniciar a condução de luz ou corrente elétrica. A estrutura dos cristais de nitreto ou arseneto de gálio, gerada artificialmente em laboratório, é extremamente regular – camada sobre camada de hexágonos ou cubos, com cerca de 1022 (o número 1 seguido de 22 zeros) átomos por centímetro cúbico.
A quantidade de átomos de silício que entram como impurezas é bem menor que a do cristal (nitreto de gálio ou arseneto de gálio) propriamente dito, mas ainda assim astronômica: cerca de 1015 a 1018 por centímetro cúbico. “As impurezas ajudam a processar informação de forma rápida e com energia baixa, na casa dos milielétrons-volts”, afirma Silva. Como o silício cristalino é um mau emissor de luz, a intenção, agora, é combinar o melhor dos dois mundos: resposta rápida, quando necessário, e as propriedades ópticas dos compostos de nitretos de gálio e arsenetos de gálio.
O problema é que o silício pode não aparecer apenas como átomos isolados no meio da rede cristalina, mas também como clusters. Segundo Silva, é difícil saber como esses átomos juntos – que chegam a se comportar como uma molécula – influem nas propriedades ópticas e de condução elétrica de toda a rede cristalina. O trabalho de Silva com os suecos deixa mais clara a distinção entre o material puro e impuro ao estabelecer a diferença de absorção ou emissão de energia de cada tipo de material e, ao mesmo tempo, mostrar como os átomos se juntam em aglomerados.
Saber como funcionam os clusters aumenta o controle sobre o processo de emissão de energia: dependendo da finalidade idealizada para o chips, o fabricante pode modular as propriedades do dispositivo a ser criado com o material semicondutor. “Poderiam ser criados chips de silício como os que são usados hoje, mas com áreas de nitreto de gálio, arseneto de gálio e mesmo de uma outra forma de silício – o poroso, que tem a superfície rugosa – nas quais a informação luminosa também possa ser processada”, sugere o físico.
Segundo ele, o sistema misto – um dispositivo óptico e eletrônico – seria a princípio extremamente prático para amenizar o problema da miniaturização dos chips de silício: a capacidade de processamento de informação cresceria não mais por meio da redução dos componentes dos chips, como é a tendência atual, mas por meio da possibilidade de os materiais semicondutores processarem simultaneamente luz e corrente elétrica.
Silva não pesquisa apenas compostos de gálio. Seu trabalho com Iuri Pepe, também da UFBA, resultou em artigos recém-aceitos na Physical Review B e Journal of Applied Physics tratando das possibilidades de controle das propriedades de outros materiais de importância tecnológica, como carbetos de silício ou iodeto de bismuto e antimônio, usados, por exemplo, em detectores de raios X ou infravermelhos.
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