Um problema antigo – o das espécies de animais e plantas exóticas invasoras – começa a ser combatido. Após quase dois anos de debates entre especialistas de órgãos do governo, instituições de pesquisa, organizações não governamentais e empresas, o Conselho Estadual do Meio Ambiente (Consema) do estado de São Paulo publicou em 9 de novembro a lista com as 14 espécies de animais com potencial invasor como o javali, a lebre-europeia e o caramujo-africano. No mesmo dia o conselho autorizou a formação de um grupo de trabalho com representantes do governo e da sociedade civil para definir as formas de controle da população desses bichos e propor uma lista de espécies de plantas exóticas invasoras (por definição, uma espécie exótica invasora encontra-se fora de sua área de distribuição natural, não tem predadores e prolifera com relativa facilidade a ponto de prejudicar a sobrevivência de espécies nativas). Provavelmente não será fácil eliminar os animais indesejados nem aprovar uma relação viável de plantas indesejadas.
Uma das barreiras para a eliminação dos animais da lista é que a Constituição paulista proíbe a caça. Esse fato coloca aos advogados e promotores públicos o desafio de cumprir a lei sem ferir outras leis. Dois javaporcos – resultantes do cruzamento de javalis com porcos domésticos – apreendidos por ordem judicial estão sendo criados em um centro de recuperação de animais silvestres da Universidade do Vale do Paraíba (Univap), em São José dos Campos. O plano de José Evaristo Merigo, administrador do criadouro, era abater os animais em um matadouro municipal autorizado e distribuir a carne para comunidades carentes, conforme orientação do Ibama, mas a promotoria não autorizou, já que os animais estão sub judice. “Não posso deixar os bichos fugirem”, aflige-se Merigo.
Em um estudo de 2007 na revista Natureza & Conservação, André Deberdt e Scherezino Scherer, ambos do Ibama, registraram animais soltos em nove estados (Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Goiás e Bahia), destruindo plantações e fontes de água e cruzando com o porco doméstico. Os pesquisadores observaram que os animais se alimentavam de pinhões (Araucaria angustifolia), até mesmo de sementes enterradas, no Rio Grande do Sul, prejudicando a regeneração de araucárias. A caça, autorizada em alguns estados, não foi o bastante para acabar com os porcões.
O grupo de trabalho deverá também buscar e propor formas adequadas de controle de espécies invasoras às vezes poucos visíveis, como os invertebrados, que continuam a ganhar espaço. É o caso de duas espécies de coral agora vistas como invasoras, que há 30 anos se limitavam a trechos do litoral do Rio de Janeiro. De acordo com um estudo de janeiro de 2011 na Coral Reefs, elas formaram colônias ao longo de 130 quilômetros da costa em direção a São Paulo.
As plantas são outro problema, porque algumas chamadas de invasoras são importantes economicamente, a exemplo do capim braquiária (Urochloa decumbens), bastante usado como pastagem para gado no Brasil. “Ninguém seria inconsequente a ponto de propor a eliminação da braquiária”, diz Cristina Azevedo, diretora do departamento de proteção da biodiversidade da Secretaria do Meio Ambiente (SMA) do estado de São Paulo.
Outra missão do grupo de trabalho será apresentar espécies nativas que possam substituir as plantas exóticas invasoras como o lírio-do-brejo, planta nativa da Ásia, que forma touceiras em córregos e áreas úmidas e tem um time de defensores porque, em razão do perfume intenso, é bastante usada em velórios. Cristina soube disso depois de uma conversa com representantes de funerárias que a procuraram para pedir que tirassem essa planta da lista que a SMA estava preparando.
“Cabe a nós, pesquisadores, apresentar alternativas, temos muitas espécies nativas”, afirma Dalva Matos, pesquisadora da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Ela acompanha a construção e desconstrução das listas desde o primeiro debate realizado na capital paulista em 22 de maio de 2009, logo após a Organização das Nações Unidas ter reconhecido as espécies invasoras como um problema mundial. Calcula-se que 480 mil espécies exóticas que se espalharam mundialmente possam causar prejuízos anuais de US$ 1,4 trilhão, o equivalente a 5% da economia global.
Câncer da terra
Trazidas nos intestinos de aves e de mamíferos e na bagagem de colonizadores, as espécies invasoras agora inquietam. Ávidas por luz, água e nutrientes, ocupam sem controle espaços livres ou tomados por comunidades de espécies nativas. Como um câncer da terra, escaparam do controle, se é que um dia puderam ser controladas. Poderão, agora? Os especialistas acreditam que sim, mas países mais ricos e organizados, como os Estados Unidos e a Inglaterra, ainda lutam arduamente para se livrar dessas pragas. Por vezes, a única saída para erradicar espécies danosas ao ambiente, cogitada nos Estados Unidos, é matar todos os organismos de um lago ou rio tomado por espécies invasoras de peixes e depois repovoar o lugar apenas com espécies nativas.
O governo do Reino Unido, um arquipélago do tamanho do estado de São Paulo, iniciou em 1981 uma campanha nacional para eliminar o ratão-do-banhado, roedor nativo da América do Sul e agora na lista de São Paulo. A eliminação dos animais – o último deles, acredita-se, foi morto em 1989 – e a recuperação ambiental custaram £ 3 bilhões (R$ 8 bilhões), mas recentemente os ingleses viram que os caramujos, outra espécie exótica, estão fora de controle e destruindo seus preciosos jardins.
No Brasil, esse problema começou a ser delineado há poucos anos. Em 2006, um grupo do Ministério do Meio Ambiente (MMA) reconheceu a existência de 543 organismos exóticos invasores com potencial para alterar o ambiente terrestre, marinho, a agropecuária ou a saúde humana no país. Há várias contagens. Em um estudo de julho de 2011 na Revista Brasileira de Botânica, Rafael Zenni e Sílvia Ziller, do Instituto Hórus, apresentam 117 espécies apenas de plantas reconhecidas como invasoras, já estabelecidas ou com potencial de invasão no país.
Sementes escondidas
Vários estados, como Paraná, Santa Catarina, Espírito Santo, Minas Gerais e Pernambuco, já aprovaram suas listas de espécies malditas e põem em campo projetos piloto de erradicação. O problema é que as sementes de gramíneas como o capim anoni (Eragrostis plana), que cobre 2 milhões de hectares de pastos degradados no Rio Grande do Sul, podem permanecer no solo por 24 anos.
“Temos de monitorar o banco de sementes do solo, não só a vegetação”, alerta Dalva. Ela e sua equipe de São Carlos verificaram que, no cerrado, uma samambaia nativa, a Pteridium arachnoideum, solta longas raízes, os rizomas, que liberam compostos capazes de inibir o crescimento de outras plantas. Uma solução seria revirar a terra e tirar o máximo possível de rizomas, já que a aplicação de calcário no solo pode não ser plenamente eficiente.
A relação paulista de seres indesejados era imensa, mas foi reduzida à medida que avançavam os debates entre os representantes do governo, de empresas e de ONGs que formam o Consema. Das 42 espécies de animais, incluindo a iguana, o pardal, a cabra doméstica e a lagartixa, só passaram as 14 sobre as quais não havia dúvida de que eram exóticas, invasoras e consensualmente prejudiciais para a sobrevivência de outras espécies ou para a agricultura.
A lista inicial, que deve ser reavaliada pelo grupo de trabalho, continha 22 espécies de plantas consideradas invasoras. Lá estavam açaí, abacateiro, mangueira, goiabeira, mamona, eucalipto, pínus, jaqueira e chuchu. Nenhuma, porém, passou pela votação dos representantes de órgãos de governo e da sociedade civil que formam o Consema.
Como os donos de floriculturas tinham feito com o lírio-do-brejo, os agrônomos saíram em defesa do açaizeiro, trazido para a Região Sudeste para produzir palmito como alternativa a uma palmeira nativa ameaçada de extinção, a juçara. O açaí é nativo da Amazônia e classificado como uma espécie exótica invasora na mata atlântica porque cresce mais rapidamente, produz mais frutos e atrai mais polinizadores que a juçara.
Não há espaço para conceitos inflexíveis. Como resultados dos próximos debates, talvez as espécies sejam consideradas com potencial de invasão de acordo com o ambiente em que estiverem: a jaqueira, por exemplo, pode ser prejudicial para outras espécies quando se espraia na mata atlântica, mas raramente é danosa em outros ambientes naturais. Ou talvez sejam mal-vistas apenas quando se espalharem onde não são bem-vindas. É o caso dos pinheiros (Pinus elliottii) que ocuparam áreas de cerrado do interior paulista, transformando-as em densas áreas de pinheiros, com visível perda de biodiversidade.
Outro problema que começou a ser debatido é o das espécies nativas que não são invasoras, mas que, na avaliação do grupo de São Carlos, deveriam ser controladas. É o caso do taquaruçu ou bambu-gigante (Guadua tagoara), nativo da mata atlântica, mas com potencial invasor. Esse bambu cresce sobre árvores e, depois de florescer, morre, quebrando galhos. Segundo Dalva, as sementes que brotam nas áreas próximas podem atrair muitos ratos, que comem as mudas de bambus e depois se espalham por plantações ou casas próximas.
Artigos científicos
DEBERDT, A.J. e SCHERER, S.B. O javali asselvajado: ocorrência e manejo da espécie no Brasil. Natureza & Conservação. v. 5, n. 2, p. 31-44. out. 2007.
ZENNI, R.D. e ZILLER, S.R. An overview of invasive plants in Brazil. Revista Brasileira de Botânica. v. 34, n. 3, p. 431-46. jul-set. 2011.