Guilherme LepcaEmpresas brasileiras dos setores automotivo, metalúrgico e de energia vêm desenvolvendo inovações em produtos e processos que contribuem para a redução da emissão de gases de efeito estufa. Entre as tecnologias analisadas por pós-graduandos da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade da Universidade de São Paulo (FEA/USP) e apresentadas em um seminário no dia 10 de agosto estão um sistema que elimina a necessidade do reservatório de gasolina para dar partida em veículos flex e a inovação estrutural no virabrequim – um eixo do motor que transforma a energia da combustão (a queima do combustível) em potência para movimentar o veículo – com redução no gasto de combustível. Outros processos são a criação de um sistema multicombustível para aviões de pequeno porte e uma plataforma inteligente de gerenciamento de eletricidade.
“O projeto para a eliminação do tanquinho nasceu como uma evolução do sistema de injeção eletrônica flex”, diz o engenheiro mecânico Eduardo Campos, gerente comercial da empresa Magneti Marelli, fabricante de sistemas e componentes para a indústria automotiva, e coordenador do projeto. A pesquisa, iniciada em 2003, teve como objetivo preparar o álcool na quantidade exata, para que fosse queimado dentro do motor no momento da partida. Eliminar a necessidade da gasolina para a partida a frio com etanol foi um trabalho bastante complicado em razão da característica físico-química do álcool, que não queima abaixo de 15 graus Celsius. “O tanquinho de gasolina é um grande emissor de poluentes, porque ele é acionado quando o catalisador do carro ainda está frio”, diz Campos. O catalisador é um componente do sistema de escapamento dos carros que reduz a poluição causada pela emissão de gases nocivos à saúde, como hidrocarbonetos, monóxido de carbono e óxidos de nitrogênio.
O sistema deverá estar no mercado no final do próximo ano, quando serão lançados novos modelos de veículos. Caberá a cada indústria automobilística definir a melhor estratégia para que o sistema de aquecimento do etanol, composto por aquecedores elétricos instalados no sistema de injeção do combustível do motor, entre em funcionamento. “Uma das propostas é que a central eletrônica inicie o processo quando o motorista abrir a porta do veículo”, diz Campos. Outra é que o sistema seja acionado no momento da partida do veículo.
“A tecnologia pode ser usada não só para a mistura gasolina e etanol, mas também para outras combinações”, diz Gleriani Ferreira, que apresentou no seminário coordenado pelo professor Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP, um estudo de caso sobre essa e outras inovações na indústria automotiva como parte da disciplina Estratégias Empresariais e Mudanças Climáticas, da pós-graduação da FEA. No setor automotivo, outro desenvolvimento que contribui para reduzir o gasto de combustível é uma inovação estrutural no virabrequim da empresa ThyssenKrupp. Algumas curvaturas feitas no centro do virabrequim melhoraram o equilíbrio da peça. “Nasceu de uma ideia bem simples. Em vez de uma superfície de suporte linear [mancal], ele é feito de forma côncava”, diz o engenheiro Ricardo Santoro Cardoso, responsável pelo desenvolvimento de produtos da ThyssenKrupp.
A vantagem da modificação é que a peça, com o novo formato, deixa de concentrar tensões e, com isso, consegue ter maior capacidade de carga. “Testes de fadiga comprovaram na prática que essa solução tem uma resistência 40% maior que a atual”, diz Soares. A conta da redução de emissões leva em consideração que, se o diâmetro do virabrequim atual fosse aumentado para conseguir absorver mais carga, a sua massa aumentaria e com isso ele teria que fazer mais giros para movimentar o veículo, o que representaria mais gasto de energia. “Como o processo de movimentação fica facilitado, há diminuição do consumo de energia e de combustível”, diz Cardoso. A inovação está sendo testada em laboratório. A previsão é de que os testes com motores de clientes, no caso as indústrias automobilísticas, começarão a ser feitos nos próximos seis meses.
Outra novidade apresentada, que já mostrou em testes preliminares a capacidade de reduzir emissões de gás carbônico (CO2), é um sistema flex fuel aeronáutico desenvolvido em parceria entre o Instituto de Aeronáutica e Espaço (IAE), um centro de pesquisa e desenvolvimento vinculado ao Comando da Aeronáutica, e a Magneti Marelli. O sistema permitirá às aeronaves de pequeno porte com motores a pistão (motor a combustão semelhante ao dos carros) utilizar gasolina de aviação, etanol ou até mesmo misturas entre os dois combustíveis. “Nós temos a segunda maior frota de aeronaves a pistão do mundo, usadas na agricultura, para treinamento de pilotos, como táxi aéreo, lazer e transporte particular”, diz o engenheiro Paulo Ewald, coordenador do projeto.
A ideia de utilizar a tecnologia flex para aviões começou com o desejo de melhorar a parte de gerenciamento dos motores a pistão. “Hoje os motores aeronáuticos que usam o carburador ou a injeção mecânica dependem da sensibilidade do piloto”, diz Ewald. “Só existe um ponto de ignição do motor, que é fixo e foi concebido para a condição mais crítica do voo, a decolagem.” Em todas as outras situações há um gasto maior de combustível, porque esses motores têm como característica o uso do próprio combustível para refrigerar o motor. Os ajustes do motor são feitos manualmente, a cada variação de altitude. “O sistema de gerenciamento eletrônico que está em desenvolvimento vai sempre procurar o melhor ponto de ignição, dependendo da altitude que o avião está voando, da rotação do motor e da carga”, relata Ewald. Ele também vai selecionar a mistura ar-combustível mais adequada. Isso significa menos desgaste para o piloto, redução no consumo de combustível e nas emissões de gases do efeito estufa.
Guilherme LepcaAtualmente o sistema flex para motores de avião a pistão está em fase de calibração do motor. Inicialmente será colocado em um motor de fabricação norte-americana, o Lycoming 0-360 A1D, com potência de 180 HP, o mesmo utilizado em aeronaves como Neiva Regente, designada na Força Aérea Brasileira (FAB) como U-42. Dados preliminares da Divisão de Propulsão Aeronáutica do IAE mostram que o uso de etanol em aviões – por exemplo, no modelo agrícola Ipanema, da Embraer – reduz as emissões de gás carbônico em cerca de 38% na decolagem e de 63% quando em velocidade de cruzeiro, em comparação com os aviões que usam gasolina. O projeto recebeu R$ 580 mil da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), por meio do fundo setorial CT-Aeronáutico.
Outra inovação analisada no seminário é uma tecnologia chamada plataforma Hemera, com capacidade para gerenciar de forma centralizada todas as informações sobre geração, transmissão, distribuição e consumo de eletricidade, desenvolvida pela CAS Tecnologia. “A tecnologia compõe a cadeia de smart grids, ou redes inteligentes, no Brasil”, diz José Guilherme Campos, que escolheu esse tipo de sistema para estudo de caso porque a eficiência energética é citada em um estudo do Banco Mundial como um dos principais fatores que irão contribuir para uma economia de baixo carbono. O sistema é composto de um arranjo de hardwares e softwares que utiliza uma infraestrutura de telecomunicações para coletar, armazenar, processar e transmitir informações sobre os fluxos de energia e consumo.
Entre as várias funcionalidades estão oferecer dados via web e em tempo real aos consumidores, com simulação de faturamento e opção de tarifa pré-paga, além de controle remoto on-line com envio de ordens para ligar e religar uma estação de energia. O sistema também facilita a logística de atendimento em campo por meio da integração com dados geográficos e regras antifraudes com respaldo legal de corte, entre outras. O sistema é utilizado por concessionárias de energia junto a seus clientes, principalmente os de média e alta tensão (grupo A), mas tem potencial para ser usado pelos consumidores residenciais Entre as aplicações estão o redirecionamento automático do fluxo de energia, por exemplo, para hospitais quando há uma queda na rede elétrica.
“A plataforma Hemera tem conseguido ganhos significativos em termos de eficiência energética, com redução média no consumo de 20% após sua implantação”, disse o diretor de Serviços da CAS, Odair Marcondes Filho, durante o seminário. Os grandes e médios consumidores do grupo A respondem por cerca de 2% a 3% dos consumidores totais, mas representam de 40% a 50% das receitas das concessionárias de energia. O próximo desafio da CAS são os consumidores residenciais, de baixa tensão. Mas para isso seria necessário substituir os medidores eletromecânicos pelos eletrônicos, fator fundamental para o desenvolvimento e implementação das redes inteligentes. Uma tarefa bastante complexa, já que o Brasil tem mais de 60 milhões de residências. A plataforma Hemera tem concorrentes no mercado, soluções oferecidas pelas empresas M2M telemetria e ADTS. “Os recursos, no entanto, têm como foco basicamente a mensuração remota de dados, a identificação de falta de nível de tensão e fase, além da detecção de fraudes de vazamentos”, diz Campos.
Redução no consumo de energia, de água, de emissão de gases, de dejetos, aumento na cobertura vegetal e no número de patentes