
Em um artigo publicado em 27 de abril na Science, Luiz Davidovich e seus colegas do Laboratório de Óptica Quântica do Instituto de Física da UFRJ mostraram como uma propriedade essencial para o funcionamento de um computador quântico — o emaranhamento — pode desaparecer repentinamente.
Esse fenômeno faz com que um conjunto de partículas compartilhe de maneira quase telepática certas propriedades, sem nenhuma ligação física entre elas. Isso só acontece em escala extremamente pequena — próxima do tamanho de um átomo — em que as leis da física clássica dão lugar à mecânica quântica. Imagine que seja possível emaranhar um par de dados de modo que a soma dos dois seja sempre 7. Enquanto o primeiro dado não for lançado, não se pode saber qual será o número sorteado no segundo. Mas se o primeiro dado cair com o número 4 para cima é possível afirmar que, ao lançar o segundo dado, o resultado será 3. Na perspectiva da mecânica quântica, enquanto os dados rolam, a probabilidade de aparecer qualquer um dos números é a mesma. Os físicos interpretam essa situação como se o dado mostrasse os seis números ao mesmo tempo.
Essa indefinição, chamada de superposição de estados, está no centro da teoria quântica da informação, que explora efeitos do mundo quântico para armazenar, transmitir e processar informação. Enquanto os bits de um computador clássico correspondem a um único estado por vez (os famosos 0 ou 1 do sistema binário), os bits de um computador quântico, apelidados de qubits, podem apresentar diferentes estados simultaneamente. Com isso, um processador composto por bits quânticos (átomos, elétrons ou outras partículas) seria capaz de realizar um número enorme de cálculos ao mesmo tempo, e seu poder dobraria a cada bit adicionado.
Ocorre que a perda repentina do emaranhamento comprometeria o funcionamento do sistema. Isso porque se perderia o controle sobre a informação codificada naqueles qubits. Voltando à metáfora, é como se o segundo dado passasse a dar um resultado aleatório depois de se lançar o primeiro — e a soma dos dois deixasse de ser sempre a esperada.
Morte súbita
Batizado de “morte súbita do emaranhamento”, o efeito observado pela equipe da UFRJ já havia sido previsto por físicos teóricos. Em um artigo publicado em 2006 na Physical Review A, Davidovich formulou, com outros colegas, um método para observar o sumiço do elo quântico entre partículas. No experimento relatado no artigo da Science a equipe fez uma adaptação: em vez de usar átomos, trabalhou com fótons, as partículas elementares da luz. Os diferentes níveis de energia dos átomos foram simulados pela polarização dos fótons, o sentido de vibração de seu campo magnético. A polarização vertical correspondia ao nível mais alto de energia, e a horizontal, ao mais baixo.

O motivo da perda precoce do emaranhamento é a interação do sistema com o ambiente: à medida que as partículas perdem energia para o meio, a intensidade do emaranhamento diminui. Mas há estados em que a sensibilidade à interferência do meio é menor. “No nosso experimento, fótons com polarização vertical são mais sensíveis que fótons com polarização horizontal”, explica Marcelo de Almeida. Primeiro autor do artigo da Science, Almeida está na Universidade de Queensland, Austrália, buscando fontes mais eficientes de fótons emaranhados e meios de miniaturizar experimentos como o da UFRJ. O trabalho de Queensland tenta construir um protótipo de computador quântico financiado pelas Forças Armadas dos Estados Unidos. Encontrar formas de prolongar o emaranhamento será essencial para se desfrutar todo o potencial da computação quântica. “Sem o emaranhamento, o computador quântico se tornaria um computador clássico”, diz Davidovich.
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