Léo RamosEmoldurado por um nascer do sol no município acreano de Senador Guiomard, um castanheiro-do-pará ocupou o primeiro plano da capa de 6 de fevereiro da revista científica inglesa Nature, uma das mais prestigiadas do mundo. A árvore tropical simbolizava a Amazônia, tema central de um artigo que teve como autor principal Luciana Vanni Gatti, 53 anos, coordenadora do Laboratório de Química Atmosférica do Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares (Ipen). Luciana e os coautores do trabalho calcularam o chamado balanço de carbono da floresta amazônica – que é uma comparação entre a quantidade de carbono na forma de dióxido de carbono (CO2) emitida e a absorvida pela bacia Amazônica – em dois anos consecutivos que apresentaram temperaturas acima da média dos últimos 30 anos, mas uma variação significativa no regime de chuvas.
O ano de 2010 foi marcado por uma estiagem extrema e o de 2011 por chuvas acima da média. “Vimos que a Amazônia se comportou como uma fonte de carbono no ano seco quando também levamos em conta as queimadas”, diz Luciana, que dividiu a coautoria do artigo com Emanuel Gloor, da Universidade de Leeds, na Inglaterra, e John Miller, da Universidade do Colorado, em Boulder, nos Estados Unidos. “Mas, no ano úmido, seu balanço de carbono foi próximo a neutro, a quantidade emitida e a absorvida foram mais ou menos equivalentes.” Os dados do estudo sobre gases atmosféricos foram obtidos por uma iniciativa comandada desde 2010 pela brasileira, cujos esforços de pesquisa fazem parte do Amazonica (Amazon Integrated Carbon Analysis), um grande projeto internacional coordenado por Gloor. A cada duas semanas, pequenos aviões alçam voo de quatro localidades amazônicas (Santarém, Alta Floresta, Rio Branco e Tabatinga) e coletam amostras de ar ao longo de um perfil vertical descendente, entre 4,4 quilômetros de altitude e 200 ou 300 metros do solo. As amostras são enviadas para o laboratório de Luciana no Ipen onde são quantificados gases de efeito estufa, entre outros. No trabalho foram estudados o CO2, o monóxido de carbono (CO) e o hexafluoreto de enxofre (SF6).
Idade: |
53 anos |
Especialidade: |
Química atmosférica |
Formação: |
Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, Universidade de São Paulo (USP) National Oceanic and Atmospheric Administration (pós-doutorado) National Center of Atmospheric Research (pós-doutorado) |
Instituição: |
Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares |
Os resultados foram interpretados como preocupantes, pois sugerem que a capacidade de a Amazônia absorver da atmosfera o CO2, principal gás de efeito estufa, parece estar associada à quantidade de chuvas. Em anos secos, como 2010, ocorrem mais incêndios em áreas com floresta e também nas já desmatadas, que liberam grandes quantidades de CO, e o estresse hídrico aparentemente reduz os níveis de fotossíntese das plantas e as fazem retirar menos CO2 da atmosfera. Nesta entrevista, Luciana fala dos resultados e das implicações de seu estudo e conta um pouco de sua carreira.
Você esperava que o trabalho parasse na capa da Nature?
Mais pela importância do tema do que pela qualidade do trabalho, esperava que saísse sim, mas não imaginava que fosse capa. Vou a muitos congressos e encontro gente do mundo inteiro falando da Amazônia. Essas pessoas não têm ideia do que é a região. Nunca vieram aqui e ficam fazendo modelagem, extrapolando dado local como se fosse representativo de toda a região. Vejo resultados muito variados de modelagem, mostrando a Amazônia como sendo desde grande absorvedora até grande emissora de CO2. A Amazônia faz diferença no balanço global de carbono. Por isso, descobrir qual é o seu peso nesse balanço é tremendamente importante. Hoje do que mais se fala? De mudança climática. O planeta está ficando hostil ao ser humano. Mas inicialmente pretendíamos publicar na Science.
Por quê?
Era meu objetivo porque o [Simon] Lewis [pesquisador da Universidade de Leeds] publicou na Science em 2010 um paper com conclusões que queríamos contestar. Ele disse que a Amazônia tinha emitido naquele ano o equivalente à queima de combustíveis fósseis de todo os Estados Unidos. Era um trabalho feito com modelagem e tinha chegado a um resultado muito exagerado. Queria publicar na Science para responder ao Lewis. Chegamos a submeter para a revista uma versão de nosso artigo, na época apenas com os dados de 2010, um ano muito seco. Era um trabalho que determinava o balanço de carbono naquele ano. A Science disse que era um estudo relevante, mas que tinha um escopo técnico demais, fora de sua linha editorial. Nem mandaram o artigo para ser analisado por referees e sugeriram que o enviássemos para uma revista mais especializada. Mas, quando analisamos os dados de 2011, encontramos uma situação completamente diferente daquela de 2010. O entendimento de por que os efeitos sobre o balanço de carbono foram tão diferentes em 2010 e 2011 foi o que fez a Nature gostar do paper. Por esse motivo, sou a favor de estudos de longa duração. Se tivesse feito uma campanha em 2010, ia achar que a Amazônia se comporta daquele jeito todos os anos.
Em editorial, a Nature disse que os resultados do artigo são uma notícia ruim. Concorda com essa avaliação?
Concordo. É uma notícia bem triste. Não esperávamos que a Amazônia pudesse apresentar um resultado tão baixo de absorção de carbono. Nunca ninguém mediu isso da forma como fizemos agora. Existem vários trabalhos que, a partir de um dado local, extrapolam uma média para a região. Mas tirar uma média é válido? Já sabemos que existe muita variação dentro da Amazônia.
Qual era o senso comum sobre o balanço de carbono na região?
Que a Amazônia absorvia em torno de meio petagrama de carbono por ano, era o que se estimava. Todo mundo acha que a Amazônia é um grande sink [sumidouro] de carbono. Mas em 2010, por causa do estresse hídrico, as plantas fizeram menos fotossíntese e aumentou sua mortalidade. Então a floresta na média absorveu apenas 0,03 petagrama de carbono. Muito pouco. Isso equivale a 30 milhões de toneladas de carbono. O valor é igual à margem de erro do estudo. Devido a queimadas propositais e a incêndios florestais, a Amazônia emitiu 0,51 petagrama de carbono (510 milhões de toneladas de carbono). Portanto, no balanço de carbono a emissão foi muito maior do que a absorção. É uma notícia horrível. Em 2011, que foi mais úmido, o balanço foi praticamente neutro [a floresta emitiu 0,30 petagrama de carbono, mas abosorveu 0,25 petagrama, oito vezes mais que no ano anterior].
A quantidade de chuvas é o fator principal para entender o balanço de carbono na Amazônia?
Não é bem isso. Nosso estudo mostra que a disponibilidade de água é um fator mais importante do que a temperatura. É questão de peso. Mas isso não quer dizer que a temperatura não seja importante. A grande diferença entre 2010 e 2011 foi a questão hídrica, só que ela também está ligada à variação de temperatura. É difícil dar uma resposta definitiva. Esse dado indica que não dá para fazer modelo de previsão climática levando em conta apenas o aumento de temperatura. É preciso colocar todas as consequências desse aumento de temperatura. Um modelo muito simplista vai ficar longe do que vai acontecer no futuro.
A seca de 2010 e as chuvas de 2011 foram anormais para a Amazônia?
Não podemos dizer que a chuva de 2011 foi extrema, porque ela não foi acima da máxima histórica. Foi um ano chuvoso, acima da média, mas não incomum. É uma questão de definição. Houve outros anos com níveis semelhantes de precipitação. A seca de 2010 foi extrema, incomum, abaixo da mínima histórica. No entanto, não posso dizer que a capacidade de absorção em 2011 equivale à média de um ano chuvoso. Em 2010, a floresta tinha sofrido muito com a seca e, no ano seguinte, a vegetação ainda poderia estar sob efeito do impacto desse estresse absurdo. A história de um ano pode estar influenciando o ano seguinte. Pode ser que, depois de um ano chuvoso, o sequestro de carbono seja maior se houver em seguida um segundo ano também chuvoso.
Os dados de um ano não devem ser analisados de forma isolada.
Exatamente! Por isso, temos que realizar estudos de longo prazo. Quando participei de campanhas e vi que havia essa variabilidade de ano para ano, desisti desse tipo de estudo. Acho vantajoso o fato de se reunir [em campanhas] muitos pesquisadores de varias áreas e os estudos de uns complementarem o de outros. Os avanços em alguns aspectos do conhecimento são muitos nesse tipo de situação, mas não no sentido de se conhecer um valor significativo que represente toda a Amazônia. Nesse aspecto existe muita variabilidade. Não dá pra estudar um mês na estação seca e outro na chuvosa e achar que esses períodos representam tudo o que ocorre no período de estiagem e no úmido e se estender o resultado para todo o ano. Esse número pode ser o dobro ou a metade do real, por exemplo. Durante nosso estudo de 10 anos em Santarém, vi essa grande variabilidade. Sou muito perfeccionista. Se sei que meu número pode estar muito errado, isso não me satisfaz.
Com dados de apenas dois anos, é seguro chegar a alguma conclusão sobre o balanço de carbono na Amazônia?
Como 2010 foi tão diferente de 2011, concluímos que nem com quatro ou cinco anos, que era nosso plano original, chegaremos a uma média conclusiva. Agora estamos à procura de recursos para financiar a continuidade desse projeto por uma década. A média de 10 anos é suficiente? Sim, estudos sobre o ciclo de carbono são mais conclusivos se forem decadais. Mas é importante entender que a Amazônia está sendo alterada, tanto pelo homem como pelo clima, que o homem também está alterando. Então o que acharmos de resultado mediano pode ser diferente do que ocorreu na década passada e na retrasada. Vamos submeter um projeto para continuar esse estudo. Mas, além de recursos para as medidas, precisamos de recursos para ter uma equipe para conduzir o projeto também. Sou a única funcionária do Ipen atuando no projeto, todos os demais são pagos pelos projetos envolvidos nesse estudo. E, sem essa equipe tão afinada, não existiria esse projeto incrível. É um esforço muito grande de muitas pessoas.
Alguns estudos sugerem que o aumento dos gases de efeito estufa pode levar algumas plantas a fazer mais fotossíntese. Isso não poderá alterar o balanço de carbono na Amazônia no longo prazo?
Não é só isso. É verdade que mais CO2 na atmosfera estimula a planta a fazer mais fotossíntese. Mas há outros mecanismos. Em uma situação de estresse hídrico, a raiz absorve menos água. A planta diminui seu metabolismo e assim absorve menos carbono. O que sabemos ao certo é que a floresta reduz sua capacidade de absorver carbono com a diminuição da disponibilidade de água.
Como o ar coletado em quatro pontos da Amazônia pode representar a atmosfera de toda essa enorme região?
Em qualquer um dos pontos, as amostras coletadas nos voos representam uma massa de ar que passou por várias partes da Amazônia, desde a costa brasileira até o ponto de coleta e, no caso de Santarém, até de trechos do Nordeste. Se ela levou sete dias para chegar até o ponto de coleta, representa uma semana e não apenas o momento em que foi obtida. Ela guarda toda a história do caminho que percorreu dentro da Amazônia nesses sete dias, de todas as emissões e absorções que ocorreram nesse percurso. Não estamos, portanto, coletando uma amostra de ar referente a uma hora. Estamos coletando a história de uma coluna de ar que viajou todo esse caminho desde a costa brasileira. Calculamos o caminho que cada massa de ar fez até ser coletada em cada altitude amostrada.
Esse método não tem alguma limitação?
A grande limitação é só termos feito coletas até 4,4 quilômetros de altura. O que ocorre acima disso está fora da nossa área de medição. Uma nuvem convectiva pode levar o ar que estava embaixo para cima e vice-versa. Isso pode fazer com que nossa coluna de ar seja parcialmente levada para uma altitude acima do nosso limite de voo. Nesse caso, perdemos informação. Essa é a maior fonte de erro do nosso método. O ideal seria voarmos a até 8 ou 12 quilômetros de altura. Já começamos a fazer isso no inicio de 2013 no ponto de estudo próximo a Rio Branco e os resultados são muito animadores. Nessa faixa de altitude, em um ano, não observamos uma variação muito significativa que indique um erro grande. Isso é muito animador.
Os quatro pontos de coleta de amostras de ar se comportam iguais?
O ponto próximo a Santarém é diferente de tudo em termos de resultado. Vamos pensar em sua área de influência. Todo litoral tem uma densidade populacional grande. Nesse ponto da região amazônica temos a maior relação área/população. Nossos dados coletados ali sofrem influência urbana, antropogênica e de combustíveis fósseis que não aparecem tanto em outros pontos da Amazônia. Haveria influência inclusive da poluição vinda das cidades do Nordeste. Às vezes, na estação chuvosa, observamos nesse ponto emissão de carbono, enquanto nos outros três pontos que monitoramos há absorção.
O que explica essa diferença?
Podem ser as atividades antropogênicas em áreas próximas a Santarém. As Guianas estão acima do equador. Quando é a estação chuvosa no Brasil, lá é a seca. Tem também as queimadas e as atividades antrópicas nas cidades próximas de nosso litoral. Dizem para eu parar as medidas em Santarém, que não representa a Amazônia. Mas tenho uma série histórica de 14 anos. O Brasil não tem série histórica de medidas desse tipo. Se pararmos de medir em Santarém… Fico em um dilema.
Mas Santarém não representa uma parte importante da Amazônia oriental?
Na área de influência de Santarém, 40% é floresta. Se considerar a área de toda a floresta amazônica, Santarém pega uma “fatiazinha”, entre aspas porque é gigante, de 20%. Só descobrimos isso quando passamos a estudar o outro lado da Amazônia. As amostras obtidas no avião são resultantes de uma história de tudo o que aconteceu antes de o ar chegar lá. Com exceção do monóxido de carbono, que vem das queimadas de floresta, não há como saber a contribuição de cada fonte de carbono. No caso de Santarém, essa abordagem não funciona muito bem. Acreditamos que uma parte do monóxido de carbono venha de outras queimas de biomassa, talvez de combustíveis fósseis e não basicamente da queima de vegetação florestal.
Como começou seu trabalho na Amazônia?
Participei do LBA [Experimento de Grande Escala da Biosfera-Atmosfera na Amazônia] desde o início, em 1998. Fiz campanhas de campo. Há 10 anos, comecei as medidas sistemáticas em Santarém. Até então, as amostras dos perfis de ar iam para os Estados Unidos para serem analisadas em um laboratório da Noaa [National Oceanic and Atmospheric Administration]. Em 2004 montei meu laboratório no Ipen e as amostras pararam de ir para os Estados Unidos. Meu laboratório é uma réplica do laboratório da Noaa, o melhor laboratório do planeta de gás de efeito estufa. Fiz tudo igualzinho e importamos uma réplica do laboratório deles. Botamos tudo dentro de caixas e trouxemos para cá. Tudo, tudo. Do mouse à estante. O sistema todinho encaixotado. Podemos medir CO2, CH4, N2O, CO, SF6 e H2. O laboratório foi pago pela Nasa e o usamos no LBA. Tudo o que aprendi nessa área foi com a equipe da Global Monitoring Division da Noaa. Passei três temporadas lá. Estamos juntos sempre, eles têm acesso ao Magic, que é esse nosso sistema de análise. Tudo é feito em parceria com eles. São 10 anos trabalhando com esses caras. Sou filha deles. Depois de 2004 conseguimos uma frequência maior de medidas em Santarém. Naquele ano, voamos na estação seca e na estação chuvosa pela primeira vez. Tentamos também realizar medições em Manaus, mas dos três anos de coletas tivemos problemas de autorização de voo em um ano e no ano seguinte com as análises de CO2. Então o dinheiro acabou. Como só tinha dados de um ano inteiro, acabei nunca publicando essas informações. Mas isso é uma falha que tenho de corrigir. Ficamos só em Santarém até 2009, quando ganhamos verba da FAPESP e da Nerc [agência do Reino Unido de financiamento de pesquisas] e passamos a fazer medições em mais três pontos.
Quando os estudos se restringiam a Santarém foi possível chegar a alguma conclusão?
Observamos que existe uma variabilidade muito grande no balanço de carbono durante a estação chuvosa na Amazônia. Publicamos esses dados num paper em 2010. Vimos que não adianta fazer um estudo de um ou dois anos. Tem de ser de muitos anos. Essa foi a primeira lição importante que aprendi com esse estudo.
Qual é o passo seguinte do trabalho na Amazônia?
Calcular o balanço de carbono em 2012 e 2013. Já temos os dados. O ano de 2012, por exemplo, está no meio do caminho entre 2010 e 2011. Choveu absurdamente na parte noroeste e no resto foi mais seco do que em 2010. Por isso gosto do dado coletado em avião, que nos possibilita calcular a resultante [das emissões e absorções de carbono]. Se eu trabalhasse apenas com uma torre de emissão e ela estivesse no lado seco, concluiria uma coisa. Se estivesse do lado chuvoso, concluiria outra. Com o tipo de dado que usamos, podemos levar tudo em consideração e ver o que predominou. Calcular tudo e tirar a média. E, na média, 2012 foi seco na bacia toda. Em número de focos de queimada, deu bem entre 2010 e 2011.
Você começou sua carreira fora da química atmosférica. Como foi o início?
Fiz iniciação científica e mestrado em eletroquímica. Mas tinha uma frustração enorme e me perguntava para que isso serviria. Houve então a primeira reunião de química ambiental no Brasil, que o Wilson Jardim [professor da Unicamp], organizou lá em Campinas em 1989. Fui lá e me apaixonei. Era aquilo que eu queria fazer da minha vida.
Você é de onde?
Sou de Birigui, mas saí da cidade com 3 anos. Morei boa parte do tempo em Cafelândia, que tinha então 11 mil habitantes. Lá todo mundo se conhece. Por isso sou assim. Falo com todo mundo. Também falo muito com as mãos. Meus alunos dizem que, se amarrarem minhas mãos, não dou aula. O pessoal da portaria no Ipen nem pede meu crachá. É coisa de interiorano. O paulistano é capaz de estar sozinho no meio de uma multidão. De Cafelândia, minha família mudou-se para Ribeirão Preto, porque meu pai não queria que os filhos saíssem de casa para estudar. Ele escolheu uma cidade com muitas faculdades e mudou a família toda para lá. Ele era representante da Mobil Oil do Brasil. Para ele, tanto fazia estar em Cafelândia ou em Ribeirão. O engraçado é que minha irmã foi para Campinas, eu fui para a Federal de São Carlos, meu irmão foi para a FEI de São Bernardo e a única que ficou em casa foi a terceira irmã. Tive problema de saúde e precisei voltar para a casa dos meus pais antes de me formar. Me transferi para a USP de Ribeirão, mas ali o curso de química tinha quase o dobro de créditos do da federal de São Carlos. Levei mais três anos e meio para fazer o que faltava, que consumiria apenas um e meio na federal. Tudo tinha pré-requisito. Mas foi muito legal porque em São Carlos estudei bem apenas durante o primeiro ano. Depois virei militante de partido semiclandestino, dirigente estudantil. Fazia mais política que estudava. Éramos proibidos de assistir às aulas. Quando chegava a época de prova, xerocava o caderno dos amigos, varava a noite estudando e de manhã, sem ter dormido, ia lá, fazia prova e passava. Mas imagine o que ficava na cabeça. Ainda bem que praticamente tive de refazer a graduação. Que profissional seria eu se não tivesse tido que fazer a graduação de novo e aprendido a estudar muito?
Como eram as aulas na USP?
Larguei o movimento estudantil, que tinha me decepcionado muito. Queria um mundo mais justo. Mas tive um namorado que era da direção nacional do partido revolucionário. Terminei com ele, que se vingou de mim usando o poder dele. Compreendi que o problema não estava no modo de produção, comunista ou socialista, mas no nível evolutivo do ser humano. Então resolvi que a única pessoa que eu podia mudar era eu mesma. Virei zen e espiritualizada e comecei a minha revolução interna. Compreendi que não podia mudar o mundo, mas podia me tornar uma pessoa melhor. Aí comecei minha carreira, praticamente do zero, porque na USP de Ribeirão Preto é muito puxado. Se não estuda, não passa. Fiz iniciação científica, ganhei bolsa da FAPESP, fui me embrenhando e me apaixonando pela química ambiental.
Como foi seu doutorado?
Foi o que deu para fazer. Quando eu comecei o doutorado com o [Antonio Aparecido] Mozeto, era para ser sobre compostos reduzidos de enxofre, já na área de gases. Naquela época, ninguém trabalhava com gás. Só tinha um no Brasil, Antonio Horácio Miguel, que trabalhava na área, mas ele tinha ido para o exterior. Eu tinha que fazer tudo. Tinha, por exemplo, que desenvolver um padrão com tubo de permeação. Tive de desenvolver o tubo, comprar o líquido para permear e tudo mais. Quando fiz tudo funcionar e coloquei o tubo dentro do cromatógrafo, o aparelho pifou. O professor tinha comprado um cromatógrafo para medir compostos de enxofre que um professor da Universidade do Colorado tinha decidido fabricar. O projeto veio todo errado. Tinha uma cruzeta de aço inoxidável, com uma chama que, quando queima, produz hidrogênio e água. A chama esquentou a cruzeta e vazou água na fotomultiplicadora e queimou o aparelho. Durou um dia. O problema é que eu estava já havia dois anos fazendo isso e precisava de um novo aparelho para desenvolver o doutorado. O Wilson Jardim então me perguntou por que eu achava que ninguém trabalhava com gás no país. “Esse negócio é difícil! O único que trabalhava foi para fora do Brasil. Larga desse tema e vai para outra coisa”, ele me disse. Mas, a essa altura, eu já tinha perdido dois anos e era a única docente da Federal de São Carlos sem doutorado. Um professor então me disse que eu ainda estava em estágio probatório e que, se eu não fizesse um doutoradozinho de um ano para comprovar o título, não iam aprovar o estágio probatório. Saí correndo atrás de um tema que dava para fazer e que eu não me envergonhasse de ter feito. Fiz análise de sedimento de fundo de lagoas próximas ao rio Mogi-Guaçu. Apliquei análises que são usadas em trabalhos com aerossóis para descobrir a origem dos sedimentos e também datá-los. Dessa forma, dá para saber a história da ocupação da bacia dos rios. Acabei o doutorado na Federal de São Carlos e entrei para a química atmosférica, que era o que eu queria, área carente entre os pesquisadores brasileiros.