Neste mês, o neurocientista Luiz Eugênio Araújo de Moraes Mello estará de volta às bancadas dos laboratórios da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) com frequência maior do que nos últimos anos. Também se engajará em novos projetos, um deles relacionado à divulgação de ciência para jovens. Diretor científico da FAPESP desde abril de 2020, Mello decidiu não se candidatar à recondução do cargo no final do ano passado e deixou a instituição, em 26 de abril. Será substituído pelo geneticista Márcio de Castro Silva Filho, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz, da Universidade de São Paulo, a Esalq-USP.
Mello assumiu a Diretoria Científica (DC) em meio à pandemia de Covid-19. No primeiro ano e parte do segundo, ficou concentrado em buscar e gerenciar ações que pudessem ser úteis no combate à doença. Também lidou com situações urgentes, como repatriar bolsistas que estavam no exterior quando as fronteiras fechavam. Agindo de modo rápido, a Fundação apoiou pesquisas, ensaios clínicos, alavancou recursos privados para a área da saúde e estimulou pesquisadores a se empenharem para entender a Covid-19 e sugerir formas de tratamento.
Especialidade
Biologia molecular, neurociência, gestão de ciência e tecnologia
Instituição
Universidade Federal de São Paulo (Unifesp)
Formação
Graduação em medicina, mestrado e doutorado em biologia molecular pela Unifesp
Produção
163 artigos e 2 patentes triádicas
Nas atividades internas de sua diretoria, Mello dedicou-se a melhorar processos em curso. Apoiado pelo colegiado de pesquisadores e servidores, procurou reduzir a documentação para a submissão de propostas e tornar mais visível a busca de informações no site da Fundação. Procurou ainda ajustar as informações solicitadas quanto ao perfil dos candidatos que pedem auxílios e bolsa. Dos 30 Centros de Pesquisa em Engenharia/Centros de Pesquisa Aplicada (CPE/CPA) criados desde 2013, por exemplo, 14 surgiram nos últimos três anos.
No plano internacional, ampliou a participação da FAPESP no Global Research Council (GRC), entidade que reúne mais de 60 agências de fomento à pesquisa de todos os continentes, emplacando um dos membros da Coordenação Adjunta da DC, Euclides Mesquita Neto, à frente do secretariado executivo do organismo e propondo a FAPESP como coanfitriã (em conjunto com a NWO) do evento em Haia, nos Países Baixos, neste ano.
Nesta entrevista, Mello faz um balanço de sua gestão e fala das pesquisas em neurociência que desenvolve e da pouca atratividade que a atividade científica parece ter hoje para os jovens.
No início do mandato, a sua perspectiva era de que seria possível fazer mudanças internas na Diretoria Científica de modo a contribuir para uma maior eficiência da Fundação. Três anos depois, o que deu para fazer?
Muitos ajustes. Vou falar de uma medida simples, que teve um bom efeito em termos de prazo. Nós concedíamos 30 dias, no máximo, para um assessor emitir o parecer sobre o mérito de um projeto de pesquisa. A resposta vinha em 25 dias, em média. Ajustamos esse prazo de 30 para 21 dias. O tempo médio caiu para 18 dias, ganhamos uma semana de eficiência no processamento só com esse pequeno ajuste. Há vários outros que foram feitos, que dizem respeito ao SAGe [plataforma de submissão e gerenciamento de projetos da Fundação], no qual os formulários de apresentação de propostas foram reduzidos – em alguns casos, o número de campos foi cortado pela metade. Criamos um vínculo com o Orcid [sequência de números que identificam o pesquisador e aglutinam sua produção de forma automática] no SAGe, que facilita o cadastro dos pesquisadores e assessores. Isso é especialmente importante para quem é estrangeiro, de modo que, agora, a inclusão no sistema começa com o Orcid, que puxa quase todas as informações relevantes. O efeito prático é expandirmos nossa assessoria internacional. São mudanças muitas vezes simples e pequenas, mas com impacto grande. Fico satisfeito de ter conseguido ajustar e melhorar o que já era bom, e fico triste de não ter feito tanto quanto acho que seria possível fazer.
Algumas informações solicitadas também são novas, como as relacionadas a gênero.
Tem toda razão. O campo era restrito – homem e mulher. Hoje, é o mesmo utilizado pelo IBGE, o que ajuda a estabelecer políticas com base em dados. O campo de cor de pele também não existia. Eu não saberia dizer quantas pessoas de cor de pele preta mandaram projetos para a FAPESP, porque não tinha esse campo. Agora está lá. Tem outros ajustes na súmula curricular, tanto para quem apresenta e escreve como para quem vai ler e avaliar. Outro exemplo: a pandemia implicou cuidados familiares importantes. Para aquelas pessoas que tiveram que cuidar de um ente familiar de uma maneira intensa, pediu-se para descrever isso de forma clara, porque pode impactar no desempenho acadêmico, por exemplo. Essa foi umas das medidas que criamos porque não há como estabelecer políticas novas sem que sejam pautadas em dados.
Quais políticas novas se estabeleceram como base nesse ajuste?
Foi criado um programa transversal de Equidade, Diversidade e Inclusão, que já vinha sendo discutido há muito tempo, e resulta da participação ativa da professora Ana Maria Fonseca de Almeida no GRC, no qual ela lidera o grupo de trabalho que debate esse tema. Uma das discussões que se identificou nas agências do mundo inteiro é a falta de dados granularizados, isto é, mais refinados. Isso pode ser mais verdade em países onde as restrições de direitos das mulheres possam ainda ser presentes, como alguns do Oriente Médio. A iniciativa da FAPESP é retardatária na questão das políticas afirmativas, se compararmos com o que as universidades já fizeram. Estamos adotando ações nesse campo 15 ou 20 anos depois, mas no mesmo momento histórico em que outras agências no país ou no resto do mundo passam a discutir mais ativamente essa questão. Dá para analisar, por exemplo, que a submissão de propostas de homens ou mulheres para bolsas diferentes é parecida, varia de acordo com a área do conhecimento, mas na média é semelhante. Nas ciências exatas têm menos mulheres apresentando pedidos do que homens, o que decorre também de um menor número de graduandas ou egressas. Já a taxa de sucesso é parecida se eu olho para as bolsas de nível inicial, mas para as bolsas de nível de pós-doutorado a taxa de sucesso das mulheres é menor. Por quê? Talvez refletindo os cuidados com os filhos. Ainda não temos o resultado do ajuste que promovemos. Mas hoje se tivermos um homem e uma mulher pedindo uma bolsa e só houver uma para conceder, e essa mulher tiver um ou dois filhos ou se ela estiver cuidando de um ente, e os currículos forem semelhantes, a bolsa deve ser concedida para a mulher. Porque ela tem um aspecto a mais a ser considerado no processo de análise. Não fizemos muita publicidade dessa mudança.
Não é importante dar visibilidade a essas ações?
Sim, para as pessoas terem consciência. Caso contrário, há casos em que as pessoas podem se autoexcluir de um programa ou projeto que acham que não é para elas. Temos várias chamadas que foram um sucesso, porque elas estavam bem focadas. Vejam esse exemplo: a FAPESP tem alguns programas que todo mundo conhece, como o Biota, o Bioen e o de Mudanças Climáticas Globais. Já o eScience é um programa sobre o qual pesquisadores ouvem falar menos. No entanto, a ciência de dados é importante para todas as áreas da pesquisa científica. Pensando nisso, decidimos fazer uma chamada para o eScience, em 2022, e escolhemos estimular as áreas de ciências humanas e sociais. Olhando para as redes sociais, por exemplo, é possível entender interações humanas e mais um monte de coisas. Isso pode ser visto nos estudos da antropologia, da sociologia, da ciência política… Sem contar as questões que impactam as eleições. Tudo isso entra em ciência de dados. Por isso, abrimos uma chamada só para ciências humanas e sociais, que foi um sucesso. Se tivéssemos feito uma chamada geral para todas as áreas, é possível que tivéssemos autoexclusão.
Vamos falar da pandemia. O que deu para a FAPESP fazer e qual foi o impacto?
Para mim, a pandemia representou um conjunto de desafios: gerenciar uma equipe nova, trabalhar processos de forma virtual em sistemas que não nos eram familiares, e isso em uma posição que é muito desafiadora. De outro lado, quando a pandemia começou, em março, havia mais de 400 bolsistas da FAPESP no exterior que precisavam voltar, mas não tinha voos disponíveis e as fronteiras estavam sendo fechadas. Tivemos de trabalhar, primeiro, para resolver essa questão, estender os prazos das bolsas. Depois, para garantir as excepcionalidades de marcação de passagem. Isso tudo foi resolvido. A equipe da Fundação fez um trabalho excepcional de resgate dessas pessoas.
Por outro lado, havia a preocupação com tratamentos e vacinas.
Tinha as ações relevantes na procura por uma vacina e o trabalho para entender a infecção causada pelo vírus Sars-CoV-2. Apenas como exemplo, lembro de um trabalho sobre o anticoagulante heparina, feito pela Elnara Negri, da Faculdade de Medicina da USP e pneumologista do Sírio-Libanês. As primeiras variantes do vírus promoviam fenômenos vasculares muito complexos, que contribuíram severamente para a mortalidade. A FAPESP financiou as pesquisas da Elnara, assim como as da Helena Nader, da Unifesp, que também trabalha com heparina, a linha central de pesquisa dela há muito tempo. Temos apoiado 17 centros de excelência – com os novos, aprovados em abril, agora são 22 –, os Cepid [Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão], há mais de duas décadas. Fizemos uma reunião com todos os coordenadores dos Cepid para dizer que teriam mais apoio para investigar a doença e seus tratamentos. Não foi uma atuação passiva. Não fiquei aqui sentado para receber e analisar as propostas que chegavam. A FAPESP mobilizou a comunidade científica paulista e contribuiu para os ensaios clínicos de vacinas. Tivemos duas delas testadas no Brasil: a da AstraZeneca/Oxford, na Escola Paulista de Medicina; e a do Butantan, a CoronaVac. Apoiamos os dois ensaios. No caso do Butantan, entramos com R$ 82,5 milhões. Só que R$ 50 milhões desse dinheiro não foram da FAPESP, mas do consórcio Todos pela Saúde. E o pessoal do consórcio afirma que só entrou com R$ 50 milhões porque a Fundação desembolsou R$ 32,5 milhões, foi a avalista. É como se tivéssemos alavancado R$ 50 milhões para o orçamento da Fundação porque, afinal, é dinheiro a mais para ações que queríamos fazer: apoiar a pesquisa contra a doença.
Durante a pandemia, a FAPESP mobilizou a comunidade científica paulista e contribuiu para os ensaios clínicos de vacinas
As ações começaram na transição do período do diretor científico anterior, Carlos Henrique de Brito Cruz, para sua gestão, não é?
Isso mesmo, essa ação foi discutida no CTA [Conselho Técnico-Administrativo da FAPESP]. O primeiro projeto apoiado pela Fundação durante a pandemia, nessa área, foi aprovado quatro dias depois de ter sido apresentado. Esse prazo é sensacional, mostra que tivemos uma resposta muito rápida para uma questão urgentíssima. A Fundação fez tudo o que estava a seu alcance: buscou outros recursos, estimulou grupos que talvez não fossem trabalhar na área, estabeleceu linhas de fomento de maior agilidade e, por fim, capitaneou uma ação que era muito mais abrangente. Na maior parte das vezes, a ciência é feita com recursos públicos. Se é assim, entende-se que o resultado que essa ciência produziu também deveria ser público. Essa é a base do Open Science, de trabalhar com os dados que são publicados com acesso geral. Mas uma das coisas é o dado para produzir essa ciência, que poderia ser aberto também. Isso se chama Open Data – é muito mais abrangente do que Open Science. Criamos uma iniciativa de Open Data, em que o apoio da Cláudia Medeiros, do Instituto de Computação da Unicamp e da Coordenação do Programa FAPESP de Pesquisa em eScience e Data Science, foi fundamental. Essa iniciativa chama-se Covid-19 Data Sharing Brazil.
Você se refere ao compartilhamento de informações das pesquisas sobre a Covid-19?
É disso que se trata. As primeiras instituições a compartilhar os dados foram o laboratório Fleury e os hospitais Sírio-Libanês e Albert Einstein, três instituições privadas de São Paulo. Quanto custaria comprar os resultados de todos os exames de Covid feitos no Fleury? E os dados de internação do Sírio e do Einstein? Muito dinheiro. Esses dados são excepcionais e nós os disponibilizamos livremente para o Brasil e para o mundo. Dados abertos são algo que têm de ser uma mudança cultural. Não é trivial porque quem produz se sente o dono dos dados. O dado de origem do produto final do estudo, que é o paper, também deveria tornar-se público, isto é, de livre acesso.
O Brasil é um lugar atraente para pesquisadores estrangeiros?
Já foi mais. Nos últimos anos vários aspectos da sociedade brasileira, talvez da política, progressivamente tornaram o Brasil menos atraente. Outro ponto é que o grau de internacionalização da nossa ciência é ainda muito baixo. Poucos falam inglês. Independentemente disso, eu acho que São Paulo pode ser visto como uma referência. Enquanto os nossos pesquisadores e estudantes podem almejar o Norte Global, nós podemos ser almejados por vários outros do Sul Global. Mesmo para o Norte Global, nós podemos ser atraentes se pensarmos em pesquisas sobre a Amazônia. O fluxo de ideias e de pessoas é fundamental e temos de continuar trabalhando para a nossa internacionalização, mandando os nossos pesquisadores e estudantes para fora – o que já fazemos com sucesso –, mas nos esforçando ainda mais para receber as pessoas de fora. Não estou falando de “roubar cérebros”, mas de fluxo, de pessoas que vão e vêm.
Nesse tema caberia falar da participação da FAPESP no GRC, que avançou bastante no seu mandato. Qual foi a importância disso?
Esse foi um grande desafio que tive ao assumir. Já tínhamos sediado um evento do GRC, em 2019, em parceria com a Deutsche Forschungsgemeinschaft (DFG – Fundação de Pesquisa da Alemanha) e o Consejo Nacional de Investigaciones Científicas y Técnicas (Conicet) da Argentina. O Brito Cruz se tornou presidente do conselho executivo. Onde mais conseguiríamos chegar? Na minha gestão, trabalhamos para expandir as nossas atividades no GRC, não só com a Ana Maria Fonseca à frente do grupo de trabalho sobre equidade, diversidade e inclusão, mas também com a Alicia Kowaltowski passando a compor o grupo sobre métricas responsáveis para avaliar a pesquisa. Depois, nos voluntariamos para assumir a comunicação institucional do GRC e o secretariado executivo. É um mandato de cinco anos – o GRC é novo, tem 11 anos. Nos primeiros cinco anos, o secretariado executivo foi exercido pela DFG [Fundação Alemã de Pesquisa]; o segundo período de cinco anos pelo Ukri [Agência de Pesquisa e Inovação do Reino Unido].
E no terceiro período…
Pela FAPESP. É notável. É uma posição estratégica, como se fosse o secretariado executivo das Nações Unidas para a ciência. Só conseguimos por causa de um trabalho que extrapola apenas uma gestão. Começou com o Brito e continuou na minha gestão, o que permitiu à FAPESP uma posição muito prestigiosa. No secretariado executivo não impomos a nossa agenda, mas buscamos conciliar e compor. O titular é o Euclides Mesquita Neto, professor da Unicamp e coordenador adjunto da FAPESP. Ele está aqui e, claro, ouve e observa o que acontece e acaba, mesmo que involuntariamente, influenciando a pauta e levando para a agenda tópicos que são relevantes para nós.
Em sua gestão, houve avanços importantes no programa dos Centros de Pesquisa em Engenharia (CPE), com novas parcerias com empresas. Por que houve essa ênfase?
Em março deste ano anunciamos mais dois CPE. Estamos multiplicando esses centros e há vários aspectos importantes. Um deles é que multiplica o nosso orçamento. Na hora em que a FAPESP põe R$ 10 em um centro, a empresa A, B ou C coloca outros R$ 10 ou mais para amplificar os resultados do investimento. E, para várias áreas em que o recurso de pesquisa e desenvolvimento é incentivado – por exemplo, no setor de óleo de gás –, não fazemos parcerias de um para um, mas de dois para um, de três para um, de quatro para um. Para cada R$ 1 que a FAPESP coloca, a empresa do setor de óleo e gás coloca R$ 2, R$ 3 ou R$ 4. E esse dinheiro vai sempre para uma instituição de ciência e tecnologia no estado de São Paulo, servindo tanto para reagentes, equipamentos, como para bolsas. Isto é, as empresas pagam as bolsas ou complementam o valor. Temos uma parceria com o Comitê Gestor da Internet, junto com o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, que resulta em recursos acumulados da ordem de R$ 500 milhões. Esse dinheiro tem rendimentos que aumentam todos os anos e alocamos uma parte desses recursos aqui. Durante a minha gestão houve um processo ativo de busca de oportunidades de como usar, aplicar e investir esses recursos no desenvolvimento de ciência e tecnologia. Uma das formas é a construção dos Centros de Pesquisa Aplicada. A mais recente chamada nesse caso é na área de computação de alto desempenho, que vai desembolsar R$ 100 milhões.
Existe uma tendência das agências de fomento de vários países de direcionar maior financiamento para a ciência aplicada. Como a FAPESP se posiciona?
Há diferentes visões e, como um colega costuma dizer, ambas de boa-fé e qualificadas. Diversas lideranças da FAPESP têm diferentes entendimentos sobre o assunto. Há espaço para trabalhar e fazer crescer outras linhas de fomento. A FAPESP não é a Finep [Financiadora de Estudos e Projetos], não é o BNDES [Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social], não é a Embrapii [Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial]. Não precisamos emular essas agências. Hoje, a FAPESP é uma das melhores agências de fomento do mundo. Deve fazer mais coisas? Talvez sim. Temos, no entanto, de discutir novas missões e incumbências com novos recursos. Precisa ver o tamanho do cobertor. Se for grande o suficiente, está bom. Temo que o cobertor ficará curto em algum momento muito próximo se passarmos a ter tantas outras incumbências que talvez não caibam no que é a missão definida na Constituição de 1989 do estado de São Paulo.
A concessão de bolsas caiu em 2021 em relação a 2020, enquanto o auxílio à pesquisa cresceu. Por quê?
Na prática, a nossa demanda como um todo caiu, de 2020 em relação a 2019, 34%. De 2021 sobre 2020, continuou caindo 14%. Em 2022 sobre 2021, começou novamente a subir elevando-se em 13%; e em 2023 sobre 2022 continua a subir, mas ainda estamos abaixo de 2019. É por isso que nós lançamos, ao longo desses anos, vários programas novos e aprovamos cinco Cepid em 2023. Sozinho, o conjunto de Cepid vai requerer a realocação de até R$ 1 bilhão. É um investimento expressivo.
E quanto a outros programas?
Há vários em que a Fundação ajudou a induzir o surgimento de uma demanda qualificada. Para a Iniciativa Geração serão mais de 30 projetos, com recursos na ordem de pouco mais de R$ 1 milhão para cada projeto. Esse programa é para pessoas que concluíram o doutorado há não mais de seis anos e não podem, na hora de apresentar a proposta, ter um vínculo empregatício. É gente que não está no sistema. Para a rodada mais recente do programa Jovem Pesquisador 2, foram alocados R$ 94 milhões. Na chamada do Pró-Educa, em parceria com a Secretaria de Educação do Estado, colocamos R$ 18 milhões na primeira rodada. Se somarmos todas as ações induzidas durante esse período, de abril de 2020 a abril de 2023, vão passar de R$ 2 bilhões. Estamos estimulando, incentivando, empurrando o sistema. Mas a carreira científica talvez esteja perdendo a atratividade no mundo inteiro.
Por quais razões?
Minha opinião é de que as gerações atuais talvez tenham se acostumado com certo potencial de sucesso fácil. O meu filho, por exemplo, estuda em uma faculdade e tem uma colega que é influencer, com 1 milhão de seguidores. Ela deve ter agora uns 25 anos. Não estou falando que é fácil – fazer bem qualquer coisa nunca é simples. Mas parece uma coisa de acesso imediato: vou estalar o dedo e virar o Whindersson Nunes [comediante e youtuber].
Nunca é assim, não é?
Não é assim. Só tem um Whindersson Nunes, e ele deve ter gramado muito, está sempre se reinventando, fazendo coisas novas. Esse é um mundo em que tudo parece imediato. Entre eu ter que estudar matemática e me tornar um influencer, a segunda opção é mais atraente. Agora, quantas pessoas vão virar um Neymar ou um Whindersson Nunes? Não é fácil ser um jogador de megassucesso, um influencer ou um cientista de megassucesso. Mas acho que tem muito mais espaço para se tornar um cientista de bom nível do que ser um jogador de futebol ou um influencer de bom nível.
Na minha gestão houve um processo ativo de busca de oportunidades de como usar, aplicar e investir recursos de fora da Fundação em C&T
Mas tem de estudar.
Estudar é gostoso, aprender as coisas é muito bom. É algo que dá prazer. Quando se aprende alguma coisa, há uma iluminação que indica que o conhecimento já está dentro de você. Santo Agostinho escreveu sobre isso, embora atribuísse à presença de Deus. Se conseguimos encaixar as peças, temos essa iluminação. E essa sensação, que é o aprender, é incrível.
A Iniciativa de Mentoria vai na direção de fortalecer a carreira de pesquisador?
Criamos esse programa, graças à liderança de Catarina Porto, com a intenção de termos um profissional experiente, o mentor, orientando os pesquisadores mais jovens na superação dos obstáculos e desafios que enfrentam na carreira profissional. O programa começou em 2022 e é composto por diferentes atividades pertinentes à consolidação da carreira de pesquisador na academia, na indústria e no governo. As atividades são desenvolvidas por meio de módulos: a FAPESP e o sistema de pesquisa paulista; a consolidação da carreira científica; o treinamento em ética e integridade da pesquisa; o treinamento como assessor ad hoc em fomentos à pesquisa; e os tópicos específicos para subsidiar as atividades relacionadas à carreira de pesquisador nas áreas de ciência, tecnologia e inovação.
Nesses três anos na Diretoria Científica você conseguiu fazer pesquisa?
Consegui. Em 2009, eu me tornei diretor de Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação da Vale. Quando assumi essa posição, modifiquei o meu regime de trabalho na Unifesp e apresentei um plano de ação na Comissão Permanente de Pessoal Docente, que foi aprovado. Mantive o meu vínculo acadêmico e, portanto, minha atividade de pesquisador, como neurocientista. O que fui fazer na Vale tinha zero de neurociência. Entrei na Vale como pesquisador nível 1A do CNPq. Nove anos depois, eu saí como pesquisador nível 1A do CNPq. Então, eu mantive uma atividade intensa de pesquisa. É a minha vida.
Seus estudos continuam direcionados para a epilepsia?
Têm a ver com epilepsia. Na época que comecei a estudar a epilepsia, havia uma série de textos importantes sobre o assunto e meu orientador, Esper Abrão Cavalheiro, sempre destacava o conceito de “epilepsia, uma janela para o cérebro”. A epilepsia permite entender fenômenos fundamentais do sistema nervoso que não têm nada a ver com a doença. Na epilepsia, muitas vezes, o que temos são muitos neurônios disparando potenciais de ação, funcionando juntos e em sincronia. Um dos problemas do sistema nervoso é que os fenômenos são em pequena escala e é difícil enxergá-los. Com o refino das técnicas, tornou-se cada vez mais fácil fazer isso, mas ainda assim, quando observamos uma manifestação epiléptica, o fenômeno biológico se torna mais claro, mais inequívoco. Muitas vezes, o que temos de fazer é separar o que é sinal do que é ruído.
Tudo para entender o funcionamento do cérebro?
O tempo inteiro, os nossos 80 bilhões de neurônios estão funcionando e deflagrando potencial de ação. Para quem apenas observa essas ações, é uma balbúrdia. Essa balbúrdia somos nós pensando, comendo, sorrindo, lembrando, dormindo… Conseguir entender essa complexidade é muito difícil. Trabalhar com epilepsia permite olhar para os neurônios em atividade síncrona, organizada, na qual há algumas respostas: as proteínas e genes que estão por trás das ações, os canais iônicos que se abriram ou fecharam. Dá para estudar fenômenos sutis, extrapolados por essa situação que é atípica – a epilepsia.
Você voltará para a Unifesp agora?
Nunca saí de lá. Vou continuar pesquisando em paralelo às novas funções. Uma delas é a posição como diretor de um novo museu de ciências para crianças. É um projeto que se inicia com a perspectiva de se deixar um legado, pelo Patrice de Camaret, empresário e filantropo franco-brasileiro.
Passados esses três anos, o que você diria para o futuro diretor científico?
A primeira é que a posição é notável porque há a possibilidade de agir sobre o ambiente de pesquisa no estado de São Paulo, moldar e influenciar, direcionar em diferentes aspectos, e isso é muito gratificante. O aspecto de se nortear por princípios maiores e gerais e procurar não abrir exceções é muito importante. Vão sempre existir pressões, das mais variadas naturezas, para quaisquer pessoas, o tempo inteiro, em qualquer posição. Na FAPESP, talvez as pressões sejam maiores ainda e cabe a quem ocupa a cadeira de diretor científico considerar o que faz sentido, dentro de princípios gerais, idealmente discutidos colegiadamente e compartilhados com outras instâncias diretivas da instituição. Mas nunca como decisões unilaterais.
Por que você decidiu não se candidatar à recondução como diretor científico?
Tenho o entendimento de que certas conjunturas de forças facilitam ou dificultam a execução do trabalho. Em um dado momento, ainda em 2022, para mim era claro que a conjuntura existente na FAPESP não ajudava para que eu pudesse contribuir de uma maneira relevante. Talvez outras pessoas, com outros perfis, outros traços de personalidade, possam fazer isso melhor. Quando isso ficou claro para mim, busquei trabalhar para preservar o que eu entendo que deva ser a visão da Diretoria Científica. Minha opinião é de que a FAPESP é o que é, não apesar dos seus diretores científicos, mas por causa deles. Eu tenho o maior orgulho de suceder ao Brito, ao [José Fernando] Perez, ao Flávio Fava, ao William Saad Hossne [1927-2016] e tantos outros que estiveram à frente da Diretoria Científica. Espero ter contribuído para o aprimoramento da instituição e ter atrapalhado pouco o seu funcionamento.