Rafael Andrade/Folhapress Um dos mais influentes pensadores no campo das ciências sociais no país, o sociólogo Luiz Werneck Vianna tratou de temas como a democracia, o sindicalismo, a modernização brasileira, o papel dos intelectuais na esfera pública e a judicialização da política. Foi um grande difusor no país do pensamento do filósofo marxista italiano Antonio Gramsci (1891-1937) por meio de livros como A revolução passiva: Iberismo e americanismo no Brasil (Revan, 1997). O pesquisador morreu no dia 21 de fevereiro, aos 85 anos, no Rio de Janeiro.
“Werneck tinha notável erudição, imaginação e capacidade de trabalho. Formou algumas gerações de cientistas sociais que o têm como referência profissional e humana”, diz a socióloga Maria Alice Rezende de Carvalho, amiga do intelectual por quatro décadas. Nos últimos 13 anos, trabalharam juntos no Departamento de Sociologia e Política da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ). “Ele era um orador ‘vulcânico’. Quem, como eu, o ouviu falar muitas vezes não se esquece da presença dramática e do tom contundente, passional”, acrescenta a socióloga Angela Alonso, da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo (FFLCH-USP), que contou com Werneck Vianna em sua banca de livre-docência, em 2012.
O sociólogo nasceu em 14 de outubro de 1938, no Rio. Cresceu no bairro de Ipanema e, apesar de frequentar colégios da elite carioca, se interessou por questões sociais ao ser mobilizado, ainda muito jovem, pelos impactos da Segunda Guerra Mundial (1939-1945) e por campanhas nacionalistas como “O petróleo é nosso”. Durante a adolescência, nos anos 1950, buscou na literatura um jeito de entender a política nacional e internacional, por meio de autores como Monteiro Lobato (1882-1948), Eça de Queiroz (1845-1900) e Fiódor Dostoiévski (1821-1881).
Em 1962, formou-se em direito pela Universidade do Estado da Guanabara, hoje Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Dois anos mais tarde, quando foi deflagrado o golpe militar no país, iniciou a graduação em ciências sociais na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), que concluiu em 1967. Foi membro do Partido Comunista Brasileiro (PCB) e atuou no Centro Popular de Cultura (CPC). Criada em 1962, a iniciativa era vinculada à União Nacional dos Estudantes (UNE) e contava com a participação de intelectuais como o dramaturgo Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), o cientista político Carlos Estevam Martins (1934-2009) e o cineasta Leon Hirszman (1937-1987).
Werneck Vianna ingressou na primeira turma de mestrado em ciência política do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro (Iuperj), em 1969. Porém, um ano depois, precisou se exilar no Chile devido à perseguição do regime militar e não conseguiu finalizar sua dissertação. Em 1971 voltou ao Brasil e acabou detido por seis meses no Rio de Janeiro. Mudou-se para a capital paulista e fez doutorado em sociologia na USP, entre 1973 e 1976, sendo orientado pelo cientista político Francisco Weffort (1937-2021).
A tese resultou em uma de suas principais obras, Liberalismo e sindicato no Brasil (Editora Paz e Terra, 1976). Nela, analisa as complexas relações entre Estado e classe trabalhadora nos primeiros anos da República e início da Era Vargas, na década de 1930, para tentar entender o viés autoritário do capitalismo vigente no Brasil dos anos 1960. Segundo o sociólogo, a industrialização brasileira não representou uma ruptura, mas a continuidade de um longo processo conservador. “Ele ajudou a mostrar que nossa modernização capitalista tinha uma característica específica, extremamente conservadora, e como isso marcou profundamente a vida política do país e moldou suas possibilidades de progresso democrático”, explica a cientista política Maria Hermínia Tavares de Almeida, professora aposentada da USP e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap).
No prefácio que preparou para a peça Ópera do malandro (Círculo do Livro, 1978), de Chico Buarque, Werneck Vianna registra: “O getulismo, o PTB e o latifúndio, o chiclete, a Coca-Cola, o nylon e os Cines Metro, esses efeitos bizarros da justaposição do moderno ao tradicional, uma forma singular de modernização que aparenta ser produzida em nome do passado e para sua perpetuação, não impediram que caminhássemos para frente”.
Em sua atuação partidária, Werneck Vianna integrou o movimento de renovação intelectual e política do PCB na década de 1970. Participou da articulação do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), criado em 1966 para fazer oposição à ditadura militar. O sociólogo foi também um dos fundadores de Presença – Revista de política e cultura (1983-1992), que reuniu intelectuais como Marco Aurélio Nogueira, Milton Lahuerta, Leandro Konder (1936-2014) e Maria Alice Rezende de Carvalho. A publicação se pautava pela defesa da democracia e tinha o ideário gramsciano como principal referencial teórico.
Com Carvalho manteve uma profícua parceria intelectual. Publicaram quatro livros sobre democracia e direito, como Judicialização da política e das relações sociais no Brasil (Revan, 1998). Eles se conheceram quando Werneck Vianna participou da banca de defesa da dissertação de mestrado da pesquisadora, em 1983, na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). “Na ocasião, Werneck já era respeitado por seus estudos sobre a classe trabalhadora. Pouco depois, nos reencontramos no movimento sindical dos professores do Rio de Janeiro e em outros eventos políticos do período, como o movimento das Diretas já, e ficamos amigos”, lembra Carvalho.
Os dois trabalharam juntos no Iuperj, onde Werneck Vianna lecionou de 1980 a 2010 e se aproximou de intelectuais como o historiador José Murilo de Carvalho (1939-2023). Ali, o sociólogo fundou em 2004 o Centro de Estudos Direito e Sociedade (Cedes). Em 2010 o Iuperj se transformou no Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj. No ano seguinte, Werneck Vianna passou a atuar no Departamento de Sociologia e Política da PUC-Rj.
“Ele participou ativamente da institucionalização das ciências sociais no Brasil”, destaca o cientista político Milton Lahuerta, da Universidade Estadual Paulista (Unesp). Entre outros cargos, Werneck Vianna presidiu a Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Ciências (Anpocs) entre 2002 e 2004. “Mas nunca se encastelou na academia e costumava publicar suas análises de conjuntura em veículos da imprensa”, completa Lahuerta. Parte dos artigos que escreveu para os jornais Valor Econômico e O Estado de S. Paulo foi reunida na coletânea A modernização sem o moderno: Análise de conjuntura na era Lula (Fundação Astrojildo Pereira e Contraponto Editora, 2011).
Desde 2010, a Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF) sedia a cátedra Luiz Werneck Vianna com a meta de discutir a obra do sociólogo e temas relacionados à democracia. Dois dos seminários renderam coletâneas organizadas por professores daquela instituição, lançadas pela Editora UFJF: Uma sociologia indignada: Diálogos com Luiz Werneck Vianna (2012) e Uma difícil democracia: Diálogos sobre a obra de Luiz Werneck Vianna (2023). “São publicações produzidas por gerações diferentes de pesquisadores, o que evidencia a potência e a continuidade de suas reflexões”, afirma o historiador e sociólogo Fernando Perlatto, diretor do Instituto de Ciências Humanas da UFJF, que ajudou na organização dos dois títulos.
Ao longo de sua trajetória acadêmica, Werneck Vianna orientou 39 dissertações de mestrado e 31 teses de doutorado. O sociólogo recebeu prêmios como o Sergio Buarque de Holanda (1997), da Fundação Biblioteca Nacional, e Florestan Fernandes (2012), da Sociedade Brasileira de Sociologia. Pelas pesquisas sobre o Poder Judiciário, foi agraciado em 1999 com a Medalha do Mérito Judiciário, concedida pela Associação dos Magistrados Brasileiros.
Vítima de doença pulmonar crônica, Werneck Vianna deixa os filhos João Pedro, Juliano, Marina e Salvador, frutos de seu casamento com Maria Lúcia Teixeira Werneck Vianna, professora aposentada de ciências sociais na UFRJ, nove netos e um bisneto. Deixa também a psicanalista Heloísa Occhiuse dos Santos, sua companheira há 20 anos.
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