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Agroindústria

Mais que sustentável

Novos projetos de usinas de açúcar e álcool eliminam o gasto de água na produção e geram até excedente

EDUARDO CESARPara ser auto-suficientes em água, as usinas devem recuperar o vapor e lavar a cana a secoEDUARDO CESAR

Muitas das usinas de açúcar e álcool produzem como subproduto energia elétrica em caldeiras e geradores a partir da queima do bagaço de cana. Elas se tornam auto-suficientes e ainda conseguem vender parte da eletricidade produzida no campo para companhias distribuidoras de energia. Dentro em breve elas poderão não apenas fornecer luz, mas água também, conforme prevêem dois novos projetos de usinas concebidos pela empresa Dedini, tradicional fabricante de equipamentos e instaladora de unidades sucroalcooleiras e de outros setores fabris. As usinas que adotarem tais projetos não precisarão mais captar água dos mananciais ou de poços para o processo produtivo. A água que elas vão utilizar, segundo José Luiz Olivério, vice-presidente de tecnologia e desenvolvimento da empresa, está contida na própria cana. Em 1 tonelada (t) de cana é possível obter 700 litros de líquido.

São dois projetos, um de uma usina auto-suficiente em água e outro em que a unidade industrial, além de ter a mesma característica da anterior, vai disponibilizar água extra para a própria usina, como na irrigação, ou para outras empresas, e assim se tornar uma exportadora. Na média do consumo do estado de São Paulo, as usinas consomem 1.830 quilos (kg) – equivalente a 1.830 litros (L) de água – por tonelada de cana, de acordo com dados de 2005 do Centro de Tecnologia Canavieira (CTC), uma associação mantida por usineiros e associações de produtores. “Além desse volume entram na produção mais os 700 L de cada tonelada de cana que totalizam 2.530 L de água. Com a mudança de processos ao longo do sistema produtivo do álcool ou do açúcar nós conseguimos não só evitar o uso de água pura como também recuperar grande parte do líquido usado no processo. No caso da usina exportadora, aproveitamos apenas 400 L de água da cana, disponibilizando 300 L como excedente”, diz Olivério.

Para eliminar a captação de água por parte das usinas, um produto cada vez mais escasso e valorizado em todo o mundo, o grupo de pesquisa e desenvolvimento da empresa fez uma revisão nos projetos atuais em setores onde existe a integração com a água para tornar esses ambientes mais perto de uma total sustentabilidade. “Adotamos outros tipos de tecnologia como a troca da tradicional lavagem da cana com água por um sistema a seco com tecnologia já disponível”, diz Olivério. Para cada t de cana, gasta-se em média 694 L. A estratégia se estende para recuperar o vapor d’água de vários equipamentos como os cozedores da cana. “O novo sistema recupera e condensa a água da evaporação. O trabalho de condensação é eficiente nesse caso porque estamos trabalhando com conceitos mais avançados na fermentação que resultam em um mosto, o caldo de cana fermentado, em que é adicionada a levedura para produção de álcool, mais concentrado, com menos água e mais sacarose”, explica o vice-presidente da empresa. Somente na evaporação as usinas tradicionais perdem, em média, 1.052 L de água. “Não é possível recuperar tudo isso, sempre há perdas.” Mesmo assim, segundo cálculos da empresa, as perdas com evaporação diminuem drasticamente para 136 L no novo sistema. Olivério acredita que o sistema auto-suficiente, que levou dois anos de estudos na empresa, é inédito no mundo, pelo menos em relação à cana-de-açúcar. “É difícil dizer o mesmo para outros ramos industriais.”

O novo sistema de usinas apresentado pela Dedini possui duas opções, uma para instalação de usinas auto-suficientes em água e outra para aquelas que também possam produzir esse líquido, chamadas de exportadoras. A diferença das duas está no aproveitamento da vinhaça, um resíduo da destilação do álcool na forma de um líquido malcheiroso e poluente, principalmente se lançado em rios e lagos, mas que é aproveitado pelas usinas para produção de fertilizantes, muitas vezes, para uso próprio, porque é rica em sais minerais, como o potássio. No sistema auto-suficiente o processo de evaporação consegue um teor de sólido da vinhaça de 8% a 9%, enquanto normalmente este índice chega a 3% ou 4% no sistema tradicional. No processo exportador a vinhaça chega ao teor de sólido de 65% por evaporação e gera mais água doce. Segundo Olivério, numa usina capaz de processar 12 mil toneladas de cana por dia é possível produzir um excedente de 3,6 milhões de litros por dia de água não-potável, embora sistemas de purificação também possam ser acoplados à usina.

Com a vinhaça concentrada a 65% é possível produzir também um biofertilizante organomineral que a empresa deu o nome comercial de Biofom. Na preparação do fertilizante entram  a vinhaça concentrada e mais outros resíduos da usina, como as cinzas das caldeiras onde é queimado o bagaço da cana, e ainda a torta dos filtros, que são os resíduos do tratamento do caldo. Para cada tonelada de cana é possível obter 4,66 kg de Biofom. A principal vantagem desse produto anunciada pela empresa está no aumento da produtividade agrícola, porque ele tem 90% de conteúdo fertilizante, enquanto a vinhaça líquida in natura ou mesmo concentrada possui apenas 10%. Outros benefícios do Biofom são a possibilidade de usá-lo em outros tipos de cultura, a capacidade de perder menos nutrientes pela chuva, penetrar no solo e atingir o lençol freático e substituir em parte o uso de fertilizantes minerais tradicionais, além de não possuir o odor desagradável da vinhaça. Uma análise agrícola do Biofom em relação ao aumento de produtividade da cana está sendo realizada pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq – USP) e deverá ser finalizado até o início do próximo mês de outubro.

Uma macromáquina
Os novos projetos de usina que a Dedini apresentou poderão viabilizar mais rapidamente a instalação dessas unidades industriais no estado de São Paulo. “Para instalar e construir uma fábrica sucroalcooleira é preciso demonstrar a disponibilidade e como vai ser a captação de água na região”, diz Olivério. As usinas já existentes podem se transformar, mas o processo é mais difícil porque as instalações e os equipamentos são mais antigos. Uma usina nova, totalmente instalada, varia de R$ 300 milhões a R$ 360 milhões com os processos tradicionais, uma variação de preço que depende de ela produzir apenas etanol ou açúcar também. Segundo Olivério, no sistema auto-suficiente  os investimentos custarão 10% a mais e, no tipo exportadora de água, entre 15% e 20%. Lançados em julho deste ano no Simpósio e Mostra de Tecnologia da Agroindústria Sucroalcooleira (Simtec 2008), os novos projetos não tiveram uma planta piloto instalada porque, segundo Olivério, para concebê-los, foram usados conhecimentos de engenharia já comprovados e em uso. Até agosto nenhuma nova usina foi instalada ou foram firmados contratos de construção. Mas apenas a possibilidade de elas existirem já fortalece a idéia de que a usina sucroalcooleira é uma macromáquina capaz de transformar a cana-de-açúcar, cada vez mais, em outros produtos.

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