Podcast: Arismar Cerqueira
Os celulares são basicamente sistemas de rádio que utilizam frequências eletromagnéticas capazes de transmitir voz, dados e vídeo. Esses sistemas demandam padrões de codificação digital para que os celulares possam fazer a conexão com as estações de rádio base (ERB), obter conteúdo da internet e se comunicar com as operadoras de telefonia móvel. A rede 5G prevê a utilização de frequências muito altas para disponibilizar velocidades de transmissão da ordem de 10 gigabits por segundo (Gbps.). Isso só será possível com tecnologias inovadoras e novas formas de codificação e configuração, além de novos equipamentos nas estações radiobase como antenas adequadas para frequências superiores a 24,0 Gigahertz (GHz). O atual 4G está situado na banda de 2,6 GHz. As antenas são instaladas nas estações radiobase e no interior de grandes construções como metrô, shoppings e aeroportos. Mesmo com a perspectiva de operação do 5G na década de 2020, o 4G continua a ser implantado em várias partes do mundo. A primeira rede 4G entrou em atividade na Suécia, em 2007. No Brasil, a implantação começou em 2011, e, segundo a Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel), até dezembro deste ano todas as cidades acima de 100 mil habitantes deverão contar com o 4G.
Os sistemas dedicados aos celulares passaram por uma transformação nos últimos anos, quando esses aparelhos se transformaram em pequenos computadores de mão, com uma variada plêiade de sensores, tarefas e funcionalidades. Para atender ao novo sistema 5G, várias tecnologias estão sendo experimentadas e desenvolvidas em muitos países, por empresas, universidades e institutos. Dessa vez, ao contrário dos sistemas anteriores, o Brasil participa do desenvolvimento dessa tecnologia. “Pesquisadores brasileiros estão contribuindo para a elaboração do novo sistema”, informa o engenheiro Arismar Cerqueira, coordenador do Laboratório Wireless and Optical Convergent Access (Woca) do Instituto Nacional de Telecomunicações (Inatel), de Santa Rita do Sapucaí, no sul de Minas Gerais. Ele lidera um grupo no Inatel que contribui para o futuro 5G, junto com equipes da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio).
Embora várias empresas façam demonstrações com equipamentos e softwares que poderão compor a tecnologia 5G, a padronização final do sistema só será aprovada em todos os seus detalhes pela União Internacional de Telecomunicações (UIT), agência da Organização das Nações Unidas (ONU) para a área de tecnologias da informação e comunicação, que tem sede em Genebra, na Suíça. A entidade começou a se preparar em 2012 e em setembro de 2015 apresentou um plano de trabalho a ser executado até 2020 com os parâmetros técnicos iniciais e recomendações. Por exemplo, foi definido que a taxa de dados mínima para o usuário final deverá ser de 10 Gbps; no sistema atual, o 4G, é de, no máximo, 10 Mbps. A densidade deverá ser de 1 milhão de dispositivos que podem funcionar ao mesmo tempo em 1 quilômetro quadrado (km2) – na atual é de 100 mil. A proposta de eficiência energética das baterias indica um aumento de 100 vezes em relação ao 4G. O consumo das baterias não fica restrito ao aparelho em si, mas também acontece na interconexão com o sistema.
Novas propostas de configuração e equipamentos começarão a ser apresentadas no final de 2017 e uma avaliação das tecnologias desenvolvidas deverá acontecer em um congresso internacional em 2019. As últimas especificações serão definidas nos primeiros meses de 2020. “Estamos participando, como outros pesquisadores do mundo, de iniciativas que poderão ou não ser incorporadas a um sistema de comunicação avançada como é o 5G”, diz o engenheiro Michel Daoud Yacoub, coordenador do Wireless Technology Laboratory (WissTek), o laboratório de tecnologia sem fio da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação (FEEC) da Unicamp. “Os pesquisadores ficam livres para aprofundar temas que possam interessar ao sistema”, diz Cerqueira, do Inatel, instituição que coordena o maior projeto brasileiro para o 5G, de R$ 20 milhões, financiado pelo Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações (Funttel). O instituto é mantido pela Fundação Instituto Nacional de Telecomunicações (Finatel) e 55% da receita vem de projetos de prestação de serviços e desenvolvimento com centenas de empresas. Além da Unicamp e da PUC-Rio, também participam empresas como Ericsson, fabricante de equipamentos, TIM e Algar, operadoras de telefonia celular.
Captar e distribuir
O grupo do Inatel desenvolveu e depositou quatro patentes no Brasil relativas à tecnologia 5G: duas antenas, um amplificador e um conversor de radiofrequência. Com a nova tecnologia, trabalham no instituto nesse projeto e em mais quatro outros de menor vulto 15 doutores, 20 mestres e 55 engenheiros contratados. As antenas desenvolvidas por eles são de uso interno (indoor) para lugares como shoppings e metrôs. Elas têm a função de captar e distribuir os sinais de celulares para a rede. “É um desafio porque elas devem contemplar, além das transmissões em 5G, os sistemas anteriores, de terceira e quarta geração, que vão conviver durante algum tempo com o sistema mais recente”, explica Cerqueira.
Outra característica do novo sistema, devido às frequências eletromagnéticas de transmissão e recepção de sinais em que vai operar, será o uso de mais antenas – menores que as atuais –, que deverão ser instaladas pelas operadoras de telefonia celular, espalhadas pelas cidades e rodovias. A criação da antena indoor do Inatel teve à frente o engenheiro de telecomunicações Igor Feliciano da Costa, que desenvolveu o dispositivo durante parte de seu doutorado na Universidade Técnica da Dinamarca (DTU). O trabalho ganhou o segundo lugar no Momag 2016, evento da Sociedade Brasileira de Micro-ondas e Optoeletrônica (SBMO) e Sociedade Brasileira de Eletromagnetismo (SBMag). Agora os pesquisadores do Inatel trabalham no desenvolvimento de um modem com conexão USB para notebooks e em um amplificador de radiofrequência para uso nas centrais radiobase que funcionam junto às antenas da rede de celulares, instaladas em locais altos, como no teto de edifícios. Apenas em São Paulo são milhares de estações radiobase que fazem a conexão de cada celular com a rede conforme ele se movimenta pela cidade.
Na Unicamp, os estudos se desenvolvem em quatro campos. “O primeiro é o das aplicações emergentes, como a Internet das Coisas. Estamos analisando três novos processos de transmissão digital porque as técnicas convencionais se mostraram inadequadas para fazer frente aos requisitos dessas aplicações”, conta Yacoub. O aumento vertiginoso no volume de tráfego pela internet, principalmente com aplicativos como YouTube e Netflix, também é objeto de estudo dos pesquisadores. Eles investigam a possibilidade do uso de sistemas que utilizam um grande número de antenas extras para ajudar em regiões cada vez mais densas em termos de demanda de troca de dados.
O WissTek da FEEC também mira nos sistemas device-to-device (D2D), ou aparelho para aparelho, sem passar por uma estação radiobase. Esse sistema permitirá que dois aparelhos de celular que operem em 5G possam se comunicar diretamente, o que poderá facilitar a comunicação e economizar baterias. O quarto item dos estudos na Unicamp é a modelagem de canal que faz o mapeamento dos fenômenos de propagação das ondas em ambientes urbanos ou suburbanos cheios de obstáculos, como prédios e morros. Os pesquisadores utilizam ferramentas matemáticas para tentar superar essas barreiras para que o sistema tenha as frequências mais adequadas para a transmissão.
“O desafio do 5G é acomodar um tráfego elevado de dados e um número maior de usuários. As taxas de transmissão de dados deverão ser muito altas e ao mesmo tempo a latência deve ser melhor”, prevê Yacoub. Latência é o tempo de carregamento de um vídeo, por exemplo. No 5G, o requisito é que esse tempo seja de 1 milissegundo (ms), contra 10 ms do 4G.
“O maior problema no 4G é a constante necessidade de recarregar a bateria do celular. É um uso muito intenso do sistema, com muitos recursos de rádio (transmissão e recepção)”, explica Rodrigo de Lamare, do Centro de Estudos em Telecomunicações (Cetuc) da PUC-Rio. Ele coordena um grupo que tem o objetivo de estudar a codificação para os pontos de acesso, que estão nas estações radiobase. “Esses pontos terão que ser mais densos, com antenas capazes de se comunicar com celulares e muitos sensores em casa, no trabalho, principalmente em prédios inteligentes, dotados de tecnologias de acesso a vários dispositivos da Internet das Coisas, como iluminação e ar-condicionado”, diz Lamare.
Outra linha de estudo está na simplificação de dispositivos do sistema de rádio que sustenta a rede de celulares. “Amplificadores, roteadores de wi-fi e outros equipamentos precisam ficar menores e custar menos para que possam inclusive ser compartilhados por várias operadoras”, afirma. Hoje, é necessário que cada empresa tenha um desses equipamentos, nas estações radiobase. Se apenas um deles servir a todas, o custo cairá muito e diminuirá o gasto de energia.
Vários exemplos de experimentos no mundo já foram divulgados e estão em desenvolvimento. Na Finlândia, a Universidade de Oulu realizou em setembro um experimento com tecnologia 5G para controlar um robô para uso industrial. A mesma universidade foi selecionada para demonstrar a tecnologia 5G durante os Jogos Olímpicos de Inverno de 2018, em Pyeongchang, na Coreia do Sul. O projeto será financiado pela União Europeia e terá a colaboração do governo coreano. Nos Estados Unidos, o pesquisador Theodore Rappaport, da Universidade de Nova York, disponibilizou um programa no site do seu grupo, o NYU Wireless, em março deste ano. É um simulador para desenvolvedores de telefones celulares 5G com infraestrutura de estação radiobase. Outros pesquisadores têm à disposição os resultados de quatro anos de medições feitas nas frequências de rádio que devem ser usadas na tecnologia 5G.
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