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Boas Práticas

Malabarismo para ampliar o prestígio

Dezessete revistas perdem temporariamente seu fator de impacto por suspeita de multiplicar citações de forma irregular

Bettmann / Getty Images

Devido a indícios de manipulação em citações de artigos, 17 revistas científicas foram excluídas da edição 2024 do Journal Citation Reports (JCR), plataforma da empresa Clarivate Analytics que determina o impacto de 21.848 periódicos de 112 países e é usada como uma referência de prestígio das publicações. A Clarivate informou que os periódicos foram suprimidos devido a “padrões de citação anômalos”, capazes de gerar distorções de desempenho, ampliando artificialmente seus fatores de impacto (FI), uma métrica que computa o número de citações recebidas pelos artigos de cada periódico. Um fator de impacto 50, alcançado por exemplo pela revista Nature, significa que em 2023 os artigos publicados pelo periódico no biênio anterior foram mencionados em média 50 vezes nas referências de outros artigos – o que dá uma medida de sua influência na comunidade científica.

As revistas suprimidas poderão retornar à lista no ano que vem e seu conteúdo permanecerá indexado na base de dados Web of Science (WoS), mantida pela Clarivate. Em seis títulos excluídos, o problema detectado foi o abuso em autocitações, que ocorre quando os papers de uma revista citam exageradamente trabalhos publicados por ela mesma. Os casos mais expressivos foram os de uma revista da Índia, Exploratory Animal and Medical Research, da área de ciências veterinárias, e de um periódico do Azerbaijão, o Socar Proceedings, da área de engenharia de petróleo, em que perto de 90% das citações eram autorreferentes.

Já para outras 11 revistas, a causa da punição foi a evidência de formação de supostos conluios de citação, nos quais dois ou mais títulos citam de forma exagerada os artigos uns dos outros, em uma ação que parece combinada para beneficiar a todos ou a algum deles. Três revistas italianas da área médica publicadas pela Edizioni Minerva Medica foram penalizadas por essa irregularidade. Segundo os dados da Clarivate, cerca 30% das citações nas revistas Panminerva Medica e Minerva Medica eram de artigos da Gazzetta Medica Italiana Archivio per le Scienze Mediche.

Em alguns casos, as suspeitas de cartel não se basearam apenas no comportamento anômalo em citações. Duas revistas punidas por formação de cartel, a Information Sciences, da editora Elsevier, e a Granular Computing, da Springer, têm um mesmo editor-chefe, o polonês Witold Pedrycz, pesquisador do Departamento de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade de Alberta, no Canadá. Segundo a Clarivate, citações em 12 artigos publicados na Information Sciences em 2023 chamaram a atenção dos responsáveis pelo JCR e levaram à decisão de retirar as revistas da plataforma por um ano.

Alguns editores contestaram a decisão do JCR com veemência. O economista Robert Mendelsohn, editor-chefe de uma revista penalizada por formação de cartel, a Climate Change Economics, e professor da Escola de Meio Ambiente da Universidade Yale, nos Estados Unidos, justificou a concentração de citações em seu periódico de artigos da revista Environmental Science & Pollution Research, da editora Springer, que também perdeu o fator de impacto por um ano. “A Clarivate disse que o padrão era incomum para uma revista de economia e, portanto, suspeito. Tentamos explicar que a nossa revista está focada em mudanças climáticas e era importante vincular os estudos econômicos às ciências naturais. A empresa aparentemente não se importou e nos deu um ano para mudarmos nossos hábitos. Contudo, é importante manter nossos estudos ancorados nas ciências naturais e não iremos mudar nossas políticas de citações”, disse Mendelsohn ao site Retraction Watch. A Clarivate afirma que a remoção se deveu à detecção de distorções que comprometem a precisão do fator de impacto e que não faz juízo sobre a origem delas. “Não presumimos um motivo nem acusamos essas revistas de irregularidades”, respondeu um porta-voz da empresa, por e-mail, também ao Retraction Watch.

Catherine Liu, da editora Elsevier, queixou-se da exclusão da revista Resources Policy, da área de mineração e combustíveis fósseis, acusada de trocar citações com dois outros títulos, Annals of Financial Economics e Cuadernos de Economia. Segundo ela, embora as duas revistas tenham ampliado suas citações, o benefício para a Resources Policy foi muito pequeno, em um sinal de que não houve má-fé da parte dela. Liu afirmou que os artigos da Resources Policy que citaram as duas publicações estão sendo reavaliados e poderão ser retratados ou corrigidos para remediar as distorções.

O Ukranian Journal for Physical Optics, da editora LLC Publishing, foi removido do JCR porque seus artigos foram citados de forma considerada exagerada em papers de outra publicação, a revista Optik. Rostyslav Vlokh, editor-chefe da revista ucraniana e professor da Universidade da Letônia, disse que seu periódico não tem controle sobre as decisões editoriais da Optik e classificou a medida da Clarivate como precipitada. Segundo ele, como as citações envolvem artigos de muitos autores, não é possível confirmar ou desmentir que houve formação de cartel. Já a revista Activities, Adaptation & Aging foi penalizada pela prática de autocitação. O editor-chefe da revista, Lim Weng Marc, informou que o periódico se dedica a um nicho específico da gerontologia e que publicou poucos artigos nos últimos anos – 17 em 2021, 18 em 2022 e 28 em 2023. Para ele, a quantidade muito reduzida de papers pode ter causado distorções na proporção de artigos autocitados.

Em 2023, apenas quatro periódicos haviam sido punidos com a exclusão temporária do JCR, mas não é possível afirmar que o comportamento irregular de periódicos tenha crescido de um ano para o outro. Ocorre que o número de revistas indexadas na plataforma cresceu bastante neste ano – duas novas bases de dados foram incorporadas – e essa mudança prejudica a comparação com 2023. Além disso, no ano passado a Clarivate encontrou problemas graves em periódicos da base de dados WoS (ver Pesquisa FAPESP nº 327), que levaram a punições ainda mais sérias do que a exclusão temporária do JCR – ao menos 50 revistas, depois de serem suspensas da plataforma, foram reavaliadas pela empresa e acabaram sendo desclassificadas da base de dados WoS devido a irregularidades como manipulação da revisão por pares em edições especiais.

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