Cédulas de dinheiro cobertas por películas de polímero extremamente finas e translúcidas podem se tornar uma solução avançada para garantir a autenticidade da moeda de um país. Ao ser iluminada com luz ultravioleta, por exemplo, a nota emite como resposta uma luz vermelha comprovando a veracidade do papel-moeda. Esse recurso tecnológico que pode ser estendido para outros produtos passíveis de falsificação, como passaportes, carteiras de identidade e de habilitação, além de documentos oficiais, está em processo de patenteamento pela Agência USP de Inovação, que administra as patentes da Universidade de São Paulo. O grupo de inventores tem à frente o químico Hermi Felinto de Brito, professor do Instituto de Química da USP, que desde a década de 1980 trabalha com os elementos químicos chamados de terras-raras, matéria–prima que faz parte dessas películas poliméricas.
As terras-raras na verdade são metais e compõem um grupo de 15 elementos conhecidos como lantanídeos – entre o Lantânio (La) e o Lutécio (Lu) enfileirados em uma coluna na Tabela Periódica -, mais dois outros, o Escândio (Sc) e o Ítrio (Y). O termo “rara” foi dado a esse grupo de elementos porque na época da descoberta dos primeiros representantes desse grupo com propriedades muito similares entre si, no século XVIII, além de serem de difícil separação de outros minerais eram encontrados apenas na Escandinávia, na Europa. Hoje eles são encontrados no mundo todo. No Brasil, o 10º produtor mundial, são comuns nas areias monazíticas da Região Sudeste. Quanto à designação “terra”, a explicação é que inicialmente foram isoladas na forma de óxidos, em composição com o oxigênio, substâncias que na época recebiam o nome de “terras”. Embora pouco populares, esses elementos possuem propriedades luminescentes e são usados, por exemplo, em lâmpadas fluorescentes, aparelhos de diagnóstico médico e para formar as imagens nas telas de televisores, computadores e celulares. Apesar de darem cores às telas de TV, na natureza os metais terras-raras não são chamativos. Normalmente variam do cinza-escuro ao prateado e são macios e flexíveis. Mas eles se tornam atraentes na forma de íons (átomos ou moléculas com perda de elétrons) para algumas tecnologias pela capacidade que possuem de emitir luz colorida, depois de submetidos a uma fonte de excitação que pode ser radiação eletromagnética (raios X, ultravioleta, luz visível, infravermelho), feixe de elétrons, calor, eletricidade, energia mecânica, reações químicas ou biológicas.
No caso de alguns elementos do grupo terras-raras na forma de íons como o európio (Eu), o térbio (Tb) e o túlio (Tm), quando submetidos à radiação ultravioleta, eles emitem as cores primárias, vermelho, verde e azul, respectivamente. “Para um material emitir luz é necessário que ele absorva uma quantidade suficiente de energia oriunda de uma fonte de excitação”, diz Brito, como, por exemplo, o fenômeno chamado persistência luminosa. Ele ocorre porque, ao serem excitados, os elétrons desses materiais absorvem e acumulam a energia que recebem. Depois de cessada a excitação, aos poucos eles relaxam e retornam ao seu estado normal, liberando no processo o excesso de energia adquirida na forma de fótons, que compõem a luz visível, ou, no caso, a luz colorida emitida pelo material. Há duas formas de ocorrer essa emissão: uma rápida, chamada fluorescência, em que todo o processo se forma em um tempo muito curto (nanossegundos), e outra mais lenta, a fosforescência, que pode persistir por um período muito longo, que varia de milissegundos até horas.
EDUARDO CESARPara que isso ocorra, no entanto, os pesquisadores têm de superar outra propriedade dos íons terras-raras. “Eles apresentam baixo coeficiente de absortividade molar, ou seja, absorvem pouca energia das fontes de excitação”, explica Brito. “Para superar essa deficiência, utilizamos ligantes como ânions (moléculas orgânicas) ou moléculas neutras consideradas como doadores de pares de elétrons, com o objetivo de coletar luz de forma eficaz”. Em termos práticos, o íon terra-rara é envolto por moléculas orgânicas, como dicetonatos, carboxilatos e sulfóxidos. São estes ligantes que absorvem a energia de excitação mais eficientemente e a transferem para o íon terra-rara, que depois a libera sob a forma de luz colorida.
Mais barato
De acordo com Brito, o número de pesquisas sobre a fotoluminescência de terras-raras está aumentando significativamente no mundo, devido às propriedades ópticas promissoras desses sistemas. “Vários compostos desses metais já são aplicados, portanto deve-se considerar o estudo de design molecular [síntese] que existe por trás desses produtos”, diz Brito. Também contribui para o aumento do interesse científico e tecnológico por esses materiais a redução de seu preço. “Há dez anos os compostos de terras-raras eram muito caros, mas agora o preço caiu bastante”, explica. “Nas nossas pesquisas usamos normalmente sistema de dopagem (1% apenas de terras-raras), o que também barateia o produto”. O elemento menos abundante dessa série, o túlio, é mais comum na natureza que o ouro, a prata e a platina. Para efeito de comparação, calcula-se que a crosta terrestre contenha 0,02% de lantanídeos e 0,00002% de prata. Assim, o túlio é mil vezes mais abundante do que o metal precioso.
Na USP, Brito utiliza a estratégia de preparação de uma série de novos compostos de terras-raras altamente luminescentes que podem ser usados como dispositivos moleculares emissores de luz. No total, ele e seu grupo já criaram e testaram cerca de 200 compostos feitos a partir desses elementos, como o európio, o térbio e o túlio. Eles incorporam, principalmente, os dois primeiros elementos com um plástico e produzem um filme ou película fina. “Esse filme polimérico dopado apresenta característica ‘bicolor’, que, sob radiações em diferentes comprimentos de onda, emite cores distintas”, explica Brito. “Quando é excitado com uma lâmpada ultravioleta, que tem comprimento de onda curto (255 nanômetros), ele emite a cor verde. Se for excitado com uma luz com comprimento de onda um pouco mais longo (365 nanômetros), emite o vermelho”. Uma das vantagens desse sistema bicolor é a utilização de identificação da legitimidade de documentos com maior segurança e precisão por possuir dois marcadores ópticos em um mesmo sistema.
EDUARDO CESARSegundo Brito, além da capacidade de emitir duas cores, a estabilidade térmica e a facilidade do processamento dessa película polimérica dopada com íons terras-raras fazem dela um material atrativo para várias aplicações como marcadores fotônicos. Esses materiais podem ser aplicados na área de segurança, como uma impressão digital, por exemplo, nas cédulas de dinheiro. Ele revela que a patente depositada pela USP no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI) sobre a película polimérica bicolor chamou a atenção de técnicos do Banco Central que já demonstraram interesse em conhecer a tecnologia para possível uso como marcador de cédulas do real. Brito diz também que as notas de euro já possuem esses marcadores, mas com compostos diferentes.
O projeto
Preparação e estudo fotoluminescente da persistência luminosa de materiais dopados com íons terras-raras (nº 05/01216-0); Modalidade
Auxílio Regular a Projeto de Pesquisa; Coordenador Hermi Felinto de Brito – USP; Investimento R$ 191.572,77 e US$ 6.076,94 (FAPESP)