Produto de origem vegetal fabricado com plantas oleaginosas, principalmente a soja, o biodiesel está presente em 3% do diesel vendido nas bombas de combustível do país e já coloca o Brasil na terceira posição mundial com uma produção de 557 mil metros cúbicos (m3) entre janeiro e julho deste ano, atrás da Alemanha e dos Estados Unidos. Mas o aumento da produção não vem acompanhado de uma evolução tecnológica. Mesmo no exterior o processo de produção de biodiesel ainda revela problemas para um biocombustível que teoricamente deveria apresentar uma produção mais limpa e eficiente. Dois desses problemas são o uso excessivo de água no processo e a utilização de catalisadores como soda cáustica (NaOH) ou hidróxido de potássio (KOH), substâncias usadas para acelerar a transformação do óleo vegetal em biocombustível. Os dois catalisadores são altamente contaminantes do solo e da água se não tiverem um adequado descarte. Problema que mereceu a atenção de dois estudos e, como solução, resultou em novos catalisadores. Eles podem se transformar numa alternativa tecnológica para esse processo, tornando a produção mais eficiente e sustentável do ponto vista ambiental.
No Departamento de Física e Química da Universidade Federal de Itajubá (Unifei), o professor Alvaro Antonio Alencar de Queiroz e o aluno Rafael Silva Capaz, do curso de engenharia ambiental, desenvolveram um catalisador inorgânico nanoestruturado alcalino chamado de CNK47. Com ele é possível fazer a catálise no processo de produção de biodiesel reutilizando a substância em até cinco sessões diferentes de produção até atingir a saturação. Ao contrário dos catalisadores convencionais chamados de homogêneos, o CNK47 é sólido e não se mistura ao produto. Ele pode ser reutilizado várias vezes e não é necessário lavar o biodiesel para a retirada de restos de catalisadores como acontece numa situação convencional. Com o uso de soda cáustica na produção de biodiesel é preciso gastar, por exemplo, 500 litros de água além dos mil litros produzidos de biodiesel para que o produto final fique totalmente limpo. Além do perigo da contaminação, qualquer remanescente de soda no biocombustível pode se tornar um forte corrosivo para os motores. Assim, a mudança de catalisador pode levar à economia de milhões de litros de água. “O CNK47 é formado por nanoesferas e nanoporos de sílica com elevado conteúdo de potássio disponibilizado na forma de um pó”, diz o professor Queiroz, do Instituto de Ciências Exatas da Unifei.
O novo catalisador é instalado num reator com uma coluna impregnada com o CNK47, num sistema de fluxo contínuo em que o óleo já misturado ao álcool (no processo de transesterificação necessário para a produção de biodiesel), no caso o metanol, passa pelo catalisador, que não se dissolve, antes de se transformar em biodiesel e glicerina, um subproduto da fabricação do biodiesel (ver Pesquisa FAPESP nº 149). A nanoestrutura do produto, como qualquer outro material nanométrico – medida equivalente a um milímetro dividido por um milhão de vezes –, possui elevada área superficial porque grande parte das moléculas exis-tentes nos nanoporos está em contato, no caso, com a mistura de óleo e álcool, facilitando a reação química.
Escala industrial
“Os nossos estudos foram realizados em laboratório com óleo de soja e metanol (os ingredientes mais utilizados no país). O ideal agora é fazer o experimento em projetos piloto em escala industrial com quantidades maiores dos produtos, o que já está sendo realizado por uma empresa paulista. Eles estão realizando os testes desde setembro deste ano e, por contrato de sigilo, nós não podemos divulgar o nome da empresa”, diz Queiroz. Após a confirmação dos resultados em escala industrial será formulada uma patente pela Unifei e pela empresa com âmbito internacional. O trabalho ficou conhecido ao ganhar o primeiro lugar da 16ª Edição do Prêmio da Sociedade Mineira de Engenheiros de Ciência e Tecnologia de 2007.
Um outro catalisador heterogêneo foi inventado por pesquisadores da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e da Universidade de Ribeirão Preto (Unaerp). Nele também existe a preocupação de tornar o processo mais limpo e diminuir etapas da produção de biodiesel, eliminando o uso de água. É formado por um compósito de silicatos, argilas, alumínio e zeólitas, um tipo de mineral poroso que serve de base para o catalisador. “As zeólitas possuem poros nanométricos como uma peneira molecular onde acontece a reação química”, diz o professor Dílson Cardoso, do Departamento de Engenharia Química da UFSCar. Ele trabalha há 28 anos com catálise principalmente ligada a processos industriais das áreas de combustíveis e química fina.
“Há nove anos começamos a trabalhar com catalisadores para combustíveis líquidos e desenvolvemos um que aumenta a octanagem da gasolina, fator que melhora a qualidade desse combustível.” É um produto para ser utilizado nas refinarias, na obtenção de uma gasolina que melhora o desempenho do veículo.
“Em 2006, com o início da produção de biodiesel no Brasil, resolvemos utilizar as zeólitas também na reação de transesterificação, necessária para a produção desse combustível porque possuíamos experiência no uso desse mineral e até uma patente de um catalisador com base nas peneiras zeolíticas voltado para as indústrias químicas e farmacêuticas. Desenvolvemos outro catalisador para a produção de biodiesel e já entramos com pedido de patente no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI)”, diz Cardoso, que possui como co-autores os alunos de doutorado Leandro Martins, com bolsa da FAPESP, e Demian Fabiano, do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). “Agora trabalhamos na estabilidade do produto para que possa ser reutilizado várias vezes”, diz Cardoso.
Os catalisadores heterogêneos formulados por Queiroz e Cardoso apresentam muitas vantagens em relação aos produtos convencionais, como não precisar usar água no processo e eliminar os efluentes danosos ao ambiente, mas também mostram algumas dificuldades a serem superadas. Entre as desvantagens, Queiroz aponta a necessidade de temperaturas elevadas para o processo desenvolvido na Unifei, que necessita de 80° Celsius (C) para funcionar, fator que exige gasto de energia elétrica ou de outras fontes. O catalisador de Cardoso funciona a 50°C. O processo de síntese dessas substâncias também exige altas temperaturas. O catalisador CNK47 foi sintetizado em 600°C por 24 horas. “Ainda é caro fazer isso no país principalmente em pequenas quantidades.” Mesmo com dificuldades, o futuro da produção de biodiesel é promissor e dependente de novas tecnologias e da evolução de pesquisas e inventos, como mostraram os estudos recentes desses dois grupos de pesquisadores.
O Projeto
Processo catalítico baseado em peneiras moleculares para reações de transesterificação, úteis na produção de biodiesel (nº 06/60875-7); Modalidade Programa de Apoio à Propriedade Intelectual (Papi); Coordenador Dílson Cardoso – UFSCar; Investimento R$ 6.000,00 (FAPESP)