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FÍSICA

Menos perda de energia

Grupo internacional produz em laboratório transistor de grafeno e fosforeno, materiais com um átomo de espessura

Materiais monoatômicos: folha de fosforeno (no alto) e de grafeno (abaixo)

josé padilha / ufpr Materiais monoatômicos: folha de fosforeno (no alto) e de grafeno (abaixo)josé padilha / ufpr

Cálculos de um trio de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) mostraram que, ao combinar dois dos mais interessantes materiais descobertos recentemente pela física, o grafeno e o fosforeno, é possível construir um transistor que funciona com uma dissipação de energia mínima. Medindo uns poucos nanômetros (milionésimos de milímetro), o dispositivo funcionaria graças a uma forma especial de combinar os dois materiais que permite preservar as características de cada um deles. José Padilha, Adalberto Fazzio e Antônio José Roque da Silva mostraram que, diferentemente do que acontece nos transistores atuais, de silício, os elétrons de uma corrente elétrica quase não perderiam energia ao passarem de uma folha de grafeno para uma de fosforeno, nem ao fazerem o caminho inverso.

A previsão, publicada em fevereiro na Physical Review Letters, foi confirmada em laboratório por uma equipe da Universidade Nacional de Cingapura (NUS), da qual participa o brasileiro Antônio Castro Neto, diretor do Centro para Materiais Avançados 2D e do Centro de Pesquisa do Grafeno na NUS.

Base do funcionamento dos computadores atuais, os transistores funcionam como os interruptores de energia que acendem e apagam uma lâmpada. Os estados de “ligado” e “desligado” representam os zeros e uns do código binário, a linguagem dos computadores. Os microprocessadores mais recentes contêm de 1 bilhão a 2 bilhões de transistores, cada um com 45 nanômetros de comprimento, feitos de materiais à base de silício. Esses transistores são ligados uns aos outros – e aos demais componentes eletrônicos do microprocessador – por fios de metal (ouro ou cobre).

Ao passar dos fios para os transistores e destes para os fios, os elétrons da corrente elétrica perdem parte de sua energia na forma de calor devido à resistência de contato entre o metal e o semicondutor. Atualmente esse calor não atrapalha o funcionamento dos microprocessadores. Mas, se a tendência de miniaturização desses componentes seguir no ritmo das últimas décadas, a situação pode se complicar. “Pode chegar uma hora em que a dissipação de calor queime o dispositivo ou impeça o seu funcionamento”, explica Padilha. Hoje professor na Universidade Federal do Paraná – Campus Avançado de Jandaia do Sul, o pesquisador fez os cálculos mostrando a possibilidade de construir transistores de grafeno e fosforeno em um estágio de pós-doutorado na USP, sob supervisão de Fazzio e José Roque.

Nos últimos anos, pesquisadores de diversos centros imaginaram que a saída para o problema do contato estaria no grafeno. Descoberto em 2004, esse material é formado por átomos de carbono dispostos em um padrão hexagonal e com um átomo de espessura. Elétrons deslizam pelo grafeno milhares de vezes mais rápido do que no silício, e com uma perda mínima de energia.

“O grafeno só tem um problema: não é um material semicondutor, como o silício”, explica Padilha. Os transistores são feitos com materiais semicondutores porque estes permitem controlar a passagem de elétrons e criar os zeros e uns dos computadores. Os semicondutores só conduzem elétrons com energia superior a certo valor. No transistor, esse valor funciona como uma barreira, que pode ser elevada ou baixada com o auxílio de um campo elétrico. Essa barreira ajustável – ora ela deixa passar os elétrons, ora os bloqueia – torna possível usar essa propriedade para codificar informação binária. “Se o grafeno se comportasse assim, seria o material perfeito”, diz Padilha.

Essa limitação do grafeno levou pesquisadores do mundo todo a procurar outros materiais feitos de uma única camada atômica. Vários foram descobertos, mas o interesse atual recai sobre aquele identificado mais recentemente: o fosforeno. Formado por uma camada monoatômica de fósforo, o fosforeno não permite que os elétrons se movam tão rapidamente quanto no grafeno, embora viajem mais rápido que no silício. A vantagem do fosforeno é que ele é semicondutor. Em dezembro de 2013, José Roque começou a discutir com Padilha e Fazzio a ideia de investigar como seria o contato ideal de um transistor de fosforeno em um circuito elétrico. “O fosforeno perde suas propriedades semicondutoras se soldado a fios de cobre ou ouro de um circuito convencional”, explica Padilha. “Além disso, o contato com os átomos dos fios metálicos provocaria a dissipação de energia dos elétrons na forma de calor.”

Padilha, Fazzio e José Roque propuseram contornar o problema substituindo o contato de fios metálicos por uma camada de grafeno sobreposta a uma de fosforeno. Enquanto o contato entre os fios e o fosforeno seria feito por ligações químicas entre átomos, as camadas de fosforeno e grafeno são ligadas por uma força atrativa de baixa intensidade, a interação de Van Der Waals. Apesar de tênue, essa força eletromagnética permite que os átomos do grafeno e do fosforeno compartilhem seus elétrons, sem que as propriedades eletrônicas de um material interfiram na do outro.

Encontrada a solução, Padilha, Fazzio e José Roque calcularam o comportamento dos elétrons no transistor. É uma tarefa complicada, já que os elétrons não funcionam como minúsculas bolinhas que se movem no interior do dispositivo. Em vez disso, eles são uma mistura quântica de onda e partícula, cujo comportamento é descrito por equações matemáticas que levam meses para ser resolvidas em superclusters de computadores. Os resultados publicados na Physical Review Letters mostraram que o “sanduíche” de fosforeno e grafeno funciona como um transistor que perde pouquíssima energia em seus contatos e pode ser “ligado” ou “desligado” por um campo elétrico.

Quase ao mesmo tempo, um time de físicos liderado por Barbaros Özyilmaz na NUS construiu em laboratório um transistor semelhante ao imaginado pelos brasileiros. A diferença é que as camadas de fosforeno, que funciona como semicondutor, e as duas tiras de grafeno, usadas para realizar o contato do transistor com o resto do circuito, feito de dispositivos eletrônicos de silício, são recobertas por uma camada de nitreto de boro hexagonal. Esse material protege as demais camadas do oxigênio do ar. O transistor funcionou perfeitamente nos testes. “Obtivemos os melhores resultados entre todos os dispositivos de fosforeno já construídos”, afirma Antônio Castro Neto. Físico teórico da NUS e pesquisador do projeto “Grafeno: fotônica e opto-eletrônica: colaboração UPM-NUS” do programa São Paulo Excellence Chair (Spec) da FAPESP e sediado no centro MackGraphe, da Universidade Mackenzie, Castro Neto colaborou na análise dos dados do experimento, que confirmou as previsões do grupo da USP.

Segundo Padilha, os mesmos cálculos podem orientar combinações de folhas de grafeno e outros semicondutores de camada atômica única. “Fizemos um transistor, mas poderíamos criar uma célula solar cujos elétrons, excitados pela luz do Sol, seriam transferidos quase sem perder energia da camada semicondutora para a de grafeno”, diz Padilha. “Há uma grande aposta na combinação de materiais bidimensionais, como esses, para produzir estruturas com novas propriedades”, conclui José Roque.

Projeto
Propriedades eletrônicas, magnéticas e de transporte em nanoestruturas (nº 2010/16202-3); Modalidade Projeto Temático; Pesquisador responsável Adalberto Fazzio (IF-USP); Investimento R$ 1.327.201,88 (FAPESP – para todo o projeto).

Artigos científicos
PADILHA, J. E. et al. Heterostructure of phosphorene and graphene: Tuning the schottky barrier and doping by electrostatic gating. Physical Review Letters. v. 114. 12 fev. 2015.
AVSAR, A. et al. Air-stable transport in graphene-contacted, fully encapsulated ultrathin black phosphorus-based field-effect transistors. ACS Nano. v. 9, n. 4. 13 mar. 2015.

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