As revistas científicas predatórias, que publicam artigos em troca de dinheiro sem fazer uma revisão por pares genuína, vêm explorando novas brechas para atrair autores desavisados. Tem se tornado mais comum, por exemplo, que esses periódicos embelezem seus conselhos editoriais, declarando falsamente a participação de pesquisadores de prestígio, e, em casos extremos, que publiquem artigos atribuídos de forma fraudulenta a autores de algum renome, também para simular respeitabilidade.
Um episódio recente envolveu o African Journal of Political Science, publicado pela editora International Scholars Journals (ISJ), e a pesquisadora Anca Turcu, da Escola de Política, Segurança e Assuntos Internacionais da Universidade da Flórida Central, nos Estados Unidos. Ao resgatar estatísticas de publicação para atualizar seu currículo, Turcu encontrou um artigo imputado a ela no African Journal, que jamais escreveu. O estudo, sobre reciclagem de resíduos, não tinha relação com seus interesses de pesquisa, que são diásporas e processos eleitorais. Ela foi investigar mais a fundo e constatou que o paper não era fraudulento apenas na atribuição da autoria. Tratava-se, também, de um trabalho plagiado da revista Energy Policy, de autoria de três pesquisadores chineses, divulgado em janeiro de 2022.
O episódio foi noticiado no site Retraction Watch, que interpelou o editor-chefe do título do ISJ por e-mail. Descobriu que a fraude era mais extensa. Jephias Mapuva, professor da Universidade Bindura de Educação Científica, no Zimbábue, respondeu que nunca teve nenhuma relação com o periódico. “Foi uma surpresa para mim estar listado como editor-chefe”, escreveu, anexando uma cópia de um e-mail enviado à ISJ exigindo que seu nome fosse removido do site. O Retraction Watch descobriu, ainda, que há dois diferentes periódicos chamados African Journal of Political Science que compartilham o mesmo Número Internacional Normalizado para Publicações Seriadas (ISSN), um código de oito números usado como identificador único de periódicos. Um deles, mais antigo, pertence à Associação Africana de Ciência Política. Havia deixado de circular em 2004, mas voltou a receber artigos no ano passado.
O segundo periódico é o da ISJ, no qual o artigo fraudulento de Turcu foi publicado, e existe desde 2007. Que ele tem práticas predatórias, já se sabia desde 2021, quando a psicóloga canadense Nadine Bekkouche divulgou um depoimento em seu perfil no LinkedIn contando sua má experiência com a revista. Ela havia publicado um artigo sobre saúde mental de estudantes no periódico Performance Improvement Quarterly, da editora Wiley, e recebeu um e-mail do African Journal of Political Science convidando-a a escrever um texto sobre o mesmo conteúdo, na forma de um comentário. Assim que o texto foi enviado, veio a cobrança: € 1.000. Ela disse que não pagaria e pediu que o artigo fosse retirado. As cobranças continuaram, por telefone e e-mail, e, a certa altura, o periódico exigiu dinheiro para remover o artigo, que a pesquisadora novamente se recusou a pagar. “Foi francamente abusivo”, relatou ela, que escreveu o depoimento para alertar outros pesquisadores a não caírem na mesma armadilha.
Fundada em 2002, a ISJ publica 86 periódicos de campos diversos do conhecimento, das ciências sociais às médicas e agrárias. Em seu site, informa ter endereços postais em Nova York, Estados Unidos, e em Abuja, na Nigéria. Diz seguir as diretrizes do Committee on Publication Ethics (Cope), fórum internacional de editores para assuntos de integridade científica, mas o nome da editora não figura entre os mais de 10 mil associados da entidade. A editora constava de uma famosa lista de mais de 8 mil empresas e títulos com práticas predatórias que era feita pelo bibliotecário Jeffrey Beall, da Universidade do Colorado, nos Estados Unidos, que acabou removida da internet pelo autor ante as ameaças de processos judiciais.
A fraude praticada pelo African Journal of Political Science não é caso isolado no universo das revistas predatórias. No início do ano, a Prime Scholars, que publica 56 periódicos científicos, também foi acusada de usar de forma fraudulenta e sem autorização nomes de pesquisadores como editores ou relacioná-los como responsáveis por falsos artigos científicos. A empresa tem endereço em Londres, mas, aparentemente, opera na Índia.
Em um comentário publicado em 2021 na Nature, um grupo de pesquisadores da Universidade de Montreal, no Canadá, e do Instituto de Tecnologia da Georgia, nos Estados Unidos, mapeou diversos disfarces que as revistas predatórias utilizam para seguir operando. A equipe criou um banco de dados, batizado de Lacuna, composto por 900 mil artigos de 2,3 mil periódicos não indexados em bases de dados internacionais, que incluem títulos predatórios e outros com práticas honestas mantidos por instituições ou pequenas editoras.
Um dos casos analisados no trabalho foram os periódicos da editora Omics International, sediada em Hyderabad, na Índia, condenada em 2019 em uma ação movida pela Comissão Federal de Comércio (FTC) dos Estados Unidos, sob a acusação de adotar políticas comerciais enganosas. A empresa convidava pesquisadores para submeter trabalhos ou fazer palestras em conferências que promovia. Assim que aceitavam e enviavam manuscritos, os autores eram surpreendidos com a publicação instantânea em anais de conferências, sem revisão por pares, e recebiam a cobrança de taxas que alcançavam milhares de dólares. O texto da Nature mostrou que, após a condenação em 2019, a Omics seguiu operando normalmente: rebatizou revistas classificadas como predatórias e as vinculou ao nome de empresas subsidiárias, como Hilaris, Longdom e iMEDPub. Mas as práticas suspeitas prosseguiram. Ao analisar o conteúdo do banco de dados Lacuna, os pesquisadores encontraram, por exemplo, nove artigos do Journal of Bone Research and Reports, da iMEDPub, que eram copiados de papers de um jornal da editora Elsevier chamado Bone Reports, com nomes de autores fictícios. Muitos textos eram levemente diferentes: palavras foram substituídas por sinônimos para tentar burlar a identificação de plágio.
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