No mundo, de acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 14% dos pacientes internados sofrem de infecções hospitalares. Só no Brasil, segundo a Associação Nacional de Biossegurança (ANBio), 100 mil pessoas morrem todos os anos por contaminações contraídas em hospitais e clínicas onde foram buscar tratamento para outras doenças. Uma das dificuldades no controle das infecções é a demora na identificação dos microrganismos dentro dos hospitais. Esse problema levou dois doutorandos de genética e biologia molecular da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) a desenvolver uma tecnologia que analisa até 512 amostras e identifica, em cada uma delas, dezenas de milhares de espécies de microrganismos, num prazo de três a cinco dias, em média – tempo semelhante ao gasto para detectar apenas uma bactéria pelo método tradicional. Os doutorandos, o farmacêutico Marcos de Oliveira Carvalho e o biólogo Luiz Felipe Valter de Oliveira, criaram a pequena empresa Neoprospecta, no Sapiens Parque, em Florianópolis, Santa Catarina.
A técnica antiga de identificação de bactérias, ainda a mais empregada, utiliza placas de Petri, nas quais as espécies são cultivadas e identificadas uma a uma. O problema é que cada bactéria pode levar até uma semana para ser cultivada. A tecnologia da Neoprospecta associa análises de DNA a um algoritmo – instruções matemáticas para um software – que automatiza todo o processo. “É uma plataforma que envolve várias etapas, tecnologias e sistemas”, diz Carvalho, diretor-presidente da empresa. O processo todo é feito em quatro etapas: coleta de material em vários pontos do hospital – ou outras instituições e empresas como clínicas, postos de saúde, fábricas de alimentos e estações de tratamento de água –, sequenciamento do genoma, análise dos dados e apresentação dos resultados.
A coleta é feita em pontos possivelmente contaminados, incluindo mãos, jalecos e instrumentos dos profissionais da instituição (médicos, enfermeiras, auxiliares), equipamentos de uso invasivo, quartos, corredores, bebedouros, portas, maçanetas, leitos e até nos próprios pacientes. “Para isso usamos, em cada amostra, instrumentos semelhantes a cotonetes, só que maiores, com até 15 centímetros, chamados swabs”, explica Carvalho. “Na ponta, eles têm uma cápsula contendo um líquido chamado solução de lise e uma válvula de plástico, por onde essa solução entra em contato com o material recolhido.” Essa solução é feita de uma mistura de água, detergente e cloreto de sódio, mais conhecido como sal de cozinha, e é usada para romper a membrana celular. “Com isso, já no próprio swab começa a quebra das células das bactérias, o que dá mais segurança no transporte do material, e tem início o processo de purificação do DNA”, diz Carvalho. “São centenas de swabs usados na análise de um hospital. Depois da coleta, eles são colocados em caixas específicas, desenvolvidas por nós, que são levadas para nosso laboratório, onde o DNA dos microrganismos é purificado. Até esse ponto, o material genético de todas as espécies presentes nas amostras coletadas está misturado.”
A fase seguinte é o sequenciamento. Mas, para isso, antes há uma preparação dessa “sopa” de DNA purificado de centenas ou milhares de espécies de bactérias. “Essa técnica de preparação foi desenvolvida e aperfeiçoada pela nossa empresa e permite ampliar a multiplexagem das amostras sem perda de qualidade”, explica Carvalho. “Com ela, nós analisamos em paralelo múltiplas amostras, obtendo-se mais rapidez e menor custo.” De acordo com ele, o preço para o cultivo de uma bactéria é em torno de R$ 100,00. Cada swab custa cerca de R$ 150,00, mas pode identificar centenas ou até milhares de espécies, o que reduz a centavos o valor gasto na identificação de cada bactéria. Na análise dos dados do sequenciamento – que chegam a dezenas de gigabytes –, o DNA, que ainda continua todo misturado, é separado por espécie. Assim, vai ser possível identificar quais existem na amostra e a quantidade de bactérias. “Nessa fase, os dados são submetidos a outros algoritmos, que os individualizam por espécie e os catalogam”, explica Carvalho. “Todo o processamento é feito em servidores da Neoprospecta, nos quais os dados são codificados e tratados sob regime de alta segurança.”
Para identificar cada espécie de microrganismo, o algoritmo compara o DNA das bactérias sequenciadas na amostra com o de bilhões que formam um banco de dados da empresa. Apesar desse grande número catalogado, até 50% dos que são identificados num hospital estão fora do banco de dados e muitos deles são desconhecidos até da ciência. Quando isso ocorre, as novas bactérias são etiquetadas e também passam a fazer parte dele. O trabalho de classificá-las poderá ser feito por outros pesquisadores da área de taxonomia, por exemplo.
Investimento acelerado
A última fase é a apresentação dos resultados. “Para isso os dados são carregados em um sistema desenvolvido por nós para a análise de risco microbiológico e controle de qualidade do ambiente hospitalar”, explica Carvalho. “Esse sistema apresenta uma visualização da carga microbiológica nas amostras coletadas.” Hoje, a Neoprospecta tem três hospitais como clientes, dois em São Paulo e um em Porto Alegre, cujos nomes ele não pode revelar.
Pode não ser muito, mas é significativo para uma pequena empresa com apenas pouco mais de um ano de atuação. A história da Neoprospecta começou em 2010, quando Carvalho e Valter de Oliveira venceram o Prêmio Santander de Empreendedorismo, pelo modelo de negócio da empresa. No ano seguinte eles ganharam o Prêmio Ibero-Americano de Inovação e Empreendedorismo, promovido pela Secretaría General Iberoamericana (Segib), sediada em Madri. Nessa época, a Neoprospecta andou devagar, porque os dois sócios estavam fazendo doutorado na UFRGS. No fim de 2012, eles saíram atrás de investidores. Em 2013, a empresa recebeu aporte de R$ 500 mil de um investidor-anjo e transferiu-se de Porto Alegre para o Sapiens Parque, em Florianópolis, onde passou por um processo de aceleração e desenvolvimento de tecnologia própria. Mais recentemente a Neoprospecta recebeu uma injeção de recursos de R$ 4 milhões do fundo Cventures Primus. “O dinheiro está sendo usado em infraestrutura, área comercial, pesquisa e desenvolvimento”, conta Carvalho. “Além disso, os recursos também foram empregados na construção de cinco laboratórios e na compra de equipamentos.”
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