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Mudanças climáticas

Musgos são grandes sumidouros de carbono

Com extensão quase igual à da China, área de solo coberta pelo vegetal retira da atmosfera 6,43 bilhões de toneladas do gás por ano

Os musgos foram uma das primeiras plantas a conquistar o ambiente terrestre, há quase 500 milhões de anos

Lyou Yin/Wikimedia Commons

Solos cobertos por musgos absorvem da atmosfera anualmente 6,43 bilhões de toneladas de carbono a mais do que ambientes terrestres não revestidos por esse tipo de vegetação. O valor, calculado por um estudo internacional publicado em maio na revista científica Nature Geoscience, equivale a mais de seis anos de todas as emissões globais de carbono associadas a mudanças no uso da terra, como a transformação de trechos de florestas em áreas agrícolas ou de pastagens. Como todos os vegetais, os musgos captam, por meio da fotossíntese, dióxido de carbono (CO2) e contribuem para diminuir o nível desse gás na atmosfera, principal responsável pelo aumento do efeito estufa, que provoca o aquecimento do clima global.

O trabalho, que contou com a participação de pesquisadores radicados no Brasil, também calculou a área do planeta ocupada por esse tipo de vegetação: 9,4 milhões de quilômetros quadrados (km²), território quase igual ao da China. Essa extensão foi projetada a partir da coleta de amostras de musgos de 123 ecossistemas de todos os continentes.

Ao contrário das chamadas plantas vasculares (árvores, arbustos, ervas e samambaias), os musgos são um tipo de vegetal, do grupo das briófitas, que não apresentam reforço de lignina em sua parede celular. Por isso, eles não dispõem de partes lenhosas, rígidas. Os musgos foram uma das primeiras plantas a conquistar o ambiente terrestre, há quase 500 milhões de anos. São especialmente importantes nos lugares onde as plantas vasculares não sobrevivem e podem forrar o chão de florestas e campos, além de crescer no tronco de árvores e rochas. Hoje abrangem pelo menos 12 mil espécies vegetais, espalhadas por todos os continentes.

O estudo contou com a participação de 50 cientistas de todo o mundo, que forneceram amostras de musgos de climas tropicais, como do deserto da Austrália, e de zonas gélidas, como a Antártida. Foram analisados espécimes provenientes de áreas de florestas, campinas e pastagens, oriundos de ambientes silvestres e urbanos. Do Brasil, foram incluídas amostras de musgos apenas do Cerrado.

Os dados do trabalho reforçam a importância da preservação dos solos com musgos, ainda pouco investigados. “Dentro do cenário das mudanças climáticas globais, é necessário incentivar estudos com esse grupo de plantas, muito sensíveis a alterações em seu hábitat, e não apenas com as plantas vasculares”, diz o botânico Alberto Teixido, da Universidade Complutense de Madri, um dos autores do artigo. Espanhol de nascimento, Teixido viveu oito anos no Brasil, até julho do ano passado, período em que fez um estágio de pós-doutorado na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e posteriormente trabalhou como professor visitante na Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT). Outro autor do trabalho ligado ao Brasil é o biólogo colombiano Gabriel Peñaloza-Bojacá, que fez doutorado na UFMG.

A ideia do estudo foi analisar solos revestidos por musgos e compará-los com regiões onde não há esse tipo de cobertura. Ao todo, os pesquisadores identificaram 24 contribuições diferentes que os musgos dão ao solo e a outras plantas. Esse tipo de vegetação, por exemplo, influencia o microclima de ecossistemas e ajuda a controlar a umidade e a temperatura. Além de diminuir a pressão sobre o aquecimento global, o carbono absorvido pelos musgos contribui para o crescimento das plantas vizinhas. Em solos habitados por musgos, há maior concentração de nutrientes como nitrogênio, fósforo e magnésio, além de uma atividade enzimática mais alta.

Esses benefícios ocorrem porque os musgos, especialmente os do gênero Sphagnum, conseguem criar um ecossistema úmido e com matéria orgânica que é usada como morada por uma gama de micróbios, fungos e animais invertebrados. Tudo isso se reflete em uma maior circulação de nutrientes e decomposição de matéria orgânica de forma mais acelerada. Em solo com musgos, quando comparados a superfícies sem essa vegetação, também há menor erosão e menos patógenos responsáveis por causar doenças em plantas.

Segundo Teixido, faltam dados consolidados sobre a importância dos musgos nos ecossistemas brasileiros. “Precisamos de mais experts no trabalho de descrever e identificar a fisiologia e a ecologia de musgos em diferentes ecossistemas, como na Amazônia”, comenta o espanhol. De acordo com o projeto Flora e Funga do Brasil, coordenado pelo Jardim Botânico do Rio de Janeiro, são conhecidas 896 espécies de musgos no país, boa parte delas com ocorrência em áreas de Mata Atlântica.

Embora reconheça que seja impressionante a estimativa da área global coberta por musgos, o botânico Denilson Fernandes Peralta, do Instituto de Pesquisas Ambientais (IPA) do estado de São Paulo, aponta algumas limitações do novo estudo. “Espécimes de musgos de importantes biomas brasileiros, como a Mata Atlântica, a Amazônia e a Caatinga, além da Patagônia sul-americana e da tundra do hemisfério Norte, não foram incluídos no trabalho”, comenta Peralta, especialista em plantas sem sementes, flores ou frutos que se reproduzem por esporos, como as briófitas. “Isso quer dizer que os dados do estudo podem estar subestimados e sujeitos a novas revisões.” Ainda assim, segundo ele, o levantamento apresentado no artigo é um dos mais importantes sobre a disseminação e os serviços ambientais prestados pelos musgos.

Artigo científico
ELDRIDGE, D. J. et al. The global contribution of soil mosses to ecosystem services. Nature Geosciences. v. 16 mai. 2023.

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