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NOVOS MATERIAIS

Nanocelulose se infiltra em pneus e cosméticos

Substância extraída de plantas aumenta a resistência e a leveza de papéis, borrachas, plásticos, tintas e cimento

Nanocristais de celulose, uma das formas do material já produzido em escala experimental no Brasil, Estados Unidos, Canadá, China e Japão

Léo Ramos Chaves / Revista Pesquisa FAPESP

Os pneus de automóveis, feitos com borracha, aço, poliéster e náilon, estão ganhando outro componente: a nanocelulose, que são fibras ou cristais nanométricos extraídos principalmente de plantas e apresentados na forma de uma pasta branca. Uma versão para testes, com fibras nanométricas de celulose de eucalipto, pínus e cana-de-açúcar, roda pelas ruas de Thomaston, uma cidade da Geórgia, nos Estados Unidos, aparentemente, segundo o fabricante, com uma redução de 15% no consumo de combustível, por causa do menor atrito com a superfície.

Por ser capaz de aumentar a resistência mecânica, reduzir o peso e melhorar a textura de muitos materiais, a nanocelulose tem sido valorizada como potencial aditivo para papéis, borrachas, plásticos, tintas e cimento. Já produzida em escala comercial ou piloto nos Estados Unidos, Canadá, Brasil, Suécia, Noruega, Israel, China e Japão, pode também ser empregada em próteses, revestimento para aparelhos eletrônicos e em cosméticos, medicamentos ou alimentos. As múltiplas possibilidades de uso de nanofibras, nanocristais e microfibras (com diâmetro da ordem de micrômetros, extraídas em uma etapa anterior às fibras em escala nanométrica) de celulose acenam com um mercado global estimado em US$ 2 bilhões em 2030 pela empresa de consultoria norte-americana Markets and Markets. O setor deve ser impulsionado pela demanda crescente por materiais renováveis, principalmente na Europa.

A nanocelulose faz parte de uma corrida por aditivos e compostos mais sustentáveis que possam substituir os derivados de petróleo. Além das grandes produtoras de celulose, que estudam como utilizá-la para reforçar papéis e embalagens, a consultoria norte-americana estima que empresas do setor automotivo devam ser um de seus principais usuários, diante da perspectiva de produzir peças mais leves, o que poderia levar a uma diminuição do peso dos veículos.

Responsável pelos testes dos pneus em Thomaston, a GranBio, empresa brasileira de biotecnologia, fabrica dois tipos de nanocelulose, obtidos por processos diferentes, em uma fábrica-piloto na cidade norte-americana, com capacidade de produção de 1,5 tonelada (t) por ano. O primeiro é uma nanofibra, que, sob o microscópio de força atômica, parece um espaguete longo, mais usada para reforçar plásticos e papéis. O segundo é composto de nanocristais que lembram grãos de arroz, mas 200 mil vezes menores, com 5 a 20 nanômetros (nm) de diâmetro, com aplicações mais nobres, como películas de proteção de obras de arte. O comprimento dos dois tipos varia de nanômetros a dezenas de micrômetros.

GranBioA diretora de tecnologia Kim Nelson avalia nanocristais de celulose produzidos na fábrica-piloto da GranBioGranBio

“Nossa estratégia não é vender a nanocelulose como commodity, mas criar bens de consumo em que ela esteja agregada”, explica o engenheiro civil Bernardo Gradin, presidente da GranBio. Uma das aplicações que se mostraram possíveis é uma liga com fibras de nanocelulose que deixa as caixas de papelão mais leves e resistentes à água para entregas por drones.

O avanço dos projetos depende principalmente da ampliação da quantidade de material produzido. Em quatro anos, Gradin espera chegar à escala de produção comercial de nanocelulose para pneus, desenvolvidos com a multinacional indiana Birla Carbon, fabricante de aditivos para o negro de fumo, derivado do petróleo misturado à borracha para lhe conferir resistência.

A princípio, a nanocelulose poderia substituir ao menos parte do negro de fumo. Estudadas há seis anos, as nanofibras usadas levam um revestimento de lignina, molécula que ajuda na força e rigidez das plantas, como detalhado em um artigo de pesquisadores das duas empresas publicado em outubro de 2020 na revista científica Rubber Chemistry and Technology.

Por sua vez, a canadense CelluForce, maior produtora mundial de nanocristais extraídos da madeira, cujo corpo de acionistas inclui a Suzano, fabricante brasileira de papel e celulose, fez um acordo de 10 anos com uma multinacional de cosméticos, de nome não revelado, para construir uma nova fábrica, em lugar ainda não divulgado, e ampliar sua produção, atualmente de 300 t por ano. Os cristais extraídos das plantas poderiam melhorar a viscosidade de cremes para pele e, como no caso dos pneus, substituir compostos indesejados.

Em São Carlos, interior paulista, outra parceria aproximou as equipes da startup BioNano e da unidade Instrumentação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) para desenvolverem métodos capazes de ampliar a escala de produção de nanocristais de celulose a partir do algodão. “Passamos de 100 gramas para 100 quilos [kg] por mês”, conta a engenheira de materiais Ana Carolina Correa Bibbo, diretora da startup. Em colaboração com o engenheiro de materiais José Manoel Marconcini, da Embrapa, a planta-piloto começou a ser planejada em 2018, quando a BioNano recebeu o apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe), da FAPESP.

BionanoImagem de microscopia de transmissão de cristais de nanocelulose (pontos brancos são regiões mais densas)Bionano

Uma das dificuldades foi encontrar um fabricante de um reator químico de tamanho intermediário que fosse resistente ao ácido sulfúrico, usado para separar os cristais das fibras do algodão. Esse processo resulta em uma mistura líquida parecida com um leite, que passa por uma centrífuga e se transforma em uma pasta branca desidratada e depois em um pó muito fino.

Bibbo estuda nanocelulose desde 2010, quando fez doutorado na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e avaliou o potencial de uso dos nanocristais das fibras do curauá (Ananas erectifolius), uma espécie de bromélia da região amazônica. Com Marconcini e outros pesquisadores da Embrapa, ela formulou uma versão de um plástico conhecido como acetato-vinila de etileno (EVA), com 5% de nanocristais da planta, que ganhou mais resistência e elasticidade, como descrito em um artigo de 2020 na Polymer Composites.

Na empresa, ela adotou as fibras do algodão para simplificar a produção. “Qualquer outra matéria-prima precisaria passar por um pré-tratamento de purificação”, explica. Desde setembro de 2022, fornece o material para grupos de pesquisa de São Paulo, Mato Grosso, Santa Catarina, Paraná e Ceará que estudam novas aplicações para a nanocelulose.

Outro grupo da Embrapa Instrumentação extraiu nanocristais de lignocelulose da palha da cana-de-açúcar por meio de um pré-tratamento com solvente orgânico e hidrólise ácida, descrito em artigo publicado na revista científica Industrial Crops and Products em dezembro de 2020. No Centro Nacional de Pesquisas em Materiais (CNPEM), em Campinas, interior paulista, pesquisadores misturaram nanofibras de celulose do bagaço da cana-de-açúcar e de eucalipto ao látex e criaram uma esponja capaz de absorver poluentes, como óleo que vaza no mar, até 50 vezes superior à sua massa. O processo foi descrito em outubro de 2020 na ACS Applied Nano Materials.

Em agosto de 2023, um workshop sobre nanocelulose em São Carlos procurou fortalecer a integração entre a comunidade acadêmica e as empresas. “A expectativa é de que os trâmites para a transferência de tecnologia, que vão render royalties à unidade de pesquisa, estejam concluídos nos primeiros meses de 2024”, explica Marconcini. Assim que isso ocorrer, a BioNano espera começar a vender os nanocristais no mercado brasileiro.

Projeto
Obtenção de nanocristais de celulose (CNC) em escala piloto industrial (nº 17/00915-0); Modalidade Auxílio à Pesquisa ‒ Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas  (Pipe); Pesquisadora responsável Ana Carolina Correa Bibbo; Investimento R$ 196.563,46.

Artigos científicos
TUNNICLIFFE, L. B. et. alReinforcement of rubber by carbon black and lignin-coated nanocellulose fibrilsRubber chemistry and technology. v. 93, n. 4. out. 2020.
BIBBO, A. C. et. al. Cellulose nanocrystals from curaua fibers and poly [ethylene-co-(vinyl acetate)] nanocomposites: Effect of drying process of CNCs on thermal and mechanical propertiesPolymer Composites. v. 4. jan. 2020.
BILLATO, S. et. alLignocellulose nanocrystals from sugarcane strawIndustrial Crops and Products. v. 157, dez. 2020.
GOUVEIA, R. F. Porous cellulose nanofibril–natural rubber latex composite foams for oil and organic solvent absorptionACS Applied Nano Materials. v. 3, n. 11. out. 2020.

 

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