Imprimir PDF Republicar

Engenharia química

Nariz artificial detecta gases

Setor petrolífero investe em sensor portátil para áreas de risco

Pesquisadores pernambucanos conseguiram, há dois anos, analisar eletronicamente e identificar, com o auxílio do computador, os aromas e as safras de diferentes tipos de vinho. Totalmente nacional, a tecnologia, já aperfeiçoada e dominada em todas as fases, está sendo adaptada para a detecção de gases tóxicos e explosivos em plataformas e refinarias de petróleo. Com recursos de R$ 1 milhão, repassados em 2001, o nariz eletrônico, fruto de parceria entre a Universidade Católica de Pernambuco (Unicap) e a Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), está entre os principais projetos aprovados pelo fundo setorial do petróleo, o CTPetro.

A união entre eletrônica e “olfato” se dá por meio de polímeros condutores de eletricidade, materiais que alteram a resistência elétrica na presença de gases. A equipe do Laboratório de Polímeros da Unicap utiliza o polipirrol, dopado com reagentes que lhe conferem propriedades elétricas em temperatura ambiente. O material é depositado sobre lâminas de vidro condutor – os sensores do nariz eletrônico. “A inovação está em projetar a melhor fórmula desses reagentes”, afirma o engenheiro químico Edson Gomes de Souza, da Unicap. Cada lâmina é conectada por fios a um aparelho medidor de corrente elétrica, ligado a um computador que armazena as medições.

O sistema para a coleta de dados foi desenvolvido na universidade pernambucana, por intermédio de um software de linguagem gráfica, o LabView. As alterações de condutividade elétrica geradas pelos gases são transformadas em padrões, armazenados no banco de dados. As informações são interpretadas por sistemas de redes neurais, “treinados” pela equipe de inteligência artificial da UFPE para reconhecer os odores correspondentes aos diversos gráficos de condutividade.

Diferença imperceptível
O projeto começou com a detecção de odores de produtos mais simples em termos moleculares, como os solventes orgânicos etanol e metanol. “São substâncias de diferenças imperceptíveis ao olfato humano, mas uma delas, o metanol, pode matar”, destaca o físico Francisco Luiz dos Santos, da Unicap. Com o sucesso da experiência, o grupo passou a distinguir eletronicamente diferentes tipos de vinho – branco, tinto e rosé.

O nariz artificial conseguiu também diferenciar vinho de uísque, até que os cientistas decidiram testar a identificação de vinhos tintos nacionais das safras de 1995, 1996 e 1997. Os mais novos têm maior teor de dióxido de enxofre, detectado pelo sensor. “O desafio tecnológico foi formar padrões nítidos para as diferentes safras”, diz Santos. O sistema teve 90% de acerto. Os resultados, que já renderam uma tese de mestrado e duas de doutorado, foram publicados na revista científica Synthetic Metals.

A tecnologia de narizes eletrônicos está entre as que mais crescem no mundo, acompanhando a efervescência científica no setor de polímeros. As propriedades elétricas desses materiais deram, em 2000, o Prêmio Nobel de Química a cientistas japoneses e norte-americanos. Das indústrias alimentícias ao auxílio no diagnóstico de doenças associadas a odores exalados pelo organismo, são inúmeras as aplicações da tecnologia. No Brasil, o foco, agora, é o setor petrolífero.

Uma central de gás com painel de controle foi instalada em novembro do ano passado na Unicap, ao custo de R$ 30 mil, para verificar a sensibilidade dos sensores ao metano, etano, butano, propano e monóxido de carbono. São gases explosivos e tóxicos, alguns inodoros ao ser humano. Engenheiros químicos estão aperfeiçoando a arquitetura dos tubos de testes e utilizando novos reagentes. O objetivo é aumentar de oito para 30 o número de sensores contidos no nariz artificial, que no futuro será usado para detectar com rapidez e precisão.

Novo modelo
Ao mesmo tempo, os pesquisadores pernambucanos desenvolvem a terceira geração de narizes artificiais. Trata-se de um protótipo portátil, capaz de ser transportado em áreas industriais de risco. O programa de miniaturização do “nariz” tem R$ 500 mil do CTPetro. Todos os programas de inteligência artificial estão sendo adaptados para o novo modelo. O protótipo anterior funcionava dentro de uma pasta tipo executivo, que tinha computador laptop e aparelho coletor de gases com os sensores. Na nova versão, a tela do laptop é substituída por um mini-display de cristal líquido, e o processador do computador, por um chip microcontrolador. O objetivo é processar os dados on-line para identificação imediata dos gases. “Já temos a tecnologia. Nosso atraso é comercial”, diz Santos.

O processo, do começo ao fim, foi desenvolvido no país. Tudo começou há sete anos, quando a mulher do físico, a analista de sistemas Marizete Silva Santos, da UFPE, concluía a tese de mestrado sobre centrais multimídia para atendimento público. “Esses aparelhos começavam a reproduzir sentidos humanos, como a visão, a audição e o tato, mas faltava o olfato”, conta Santos. “Como físico, assumi o compromisso de encontrar uma solução.” O assunto estava em estudo nos Estados Unidos e na Europa, mas a literatura era rara. A descoberta aconteceu por acaso. Como trabalhava com polímeros condutores de eletricidade, o físico decidiu borrifar álcool sobre alguns deles para saber o que acontecia.

Verificou a mudança na resistência elétrica. E começou a montar o primeiro e rudimentar protótipo, fixando o material em agulhas de seringas de injeção. Como acontecia no Japão na era dos transistores, pacientes e cuidadosas estagiárias juntavam as pontas das agulhas sob o microscópio. Mas nada daquilo era novidade. “Soubemos que já existiam protótipos do gênero na Inglaterra”, ressalta Santos. Foi melhor assim. “Isolados no Nordeste, começamos o trabalho do zero e hoje estamos na vanguarda.”

Fontes de recursos para universidades

Pernambuco não produz petróleo, mas está na linha de frente das pesquisas com esse combustível e seus derivados. A UFPE tem 20 projetos aprovados pela Financiadora de Estudos e Projetos (Finep) e pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), com recursos de R$ 5 milhões do CTPetro. Outros seis são cooperativos, conduzidos em vários Estados do Norte e Nordeste, sob coordenação da universidade pernambucana.

Como ocorre com o nariz eletrônico, vários grupos estão direcionando as pesquisas para o setor de petróleo e gás natural, dono de uma das maiores fontes de recursos para universidades. “Nunca recebemos tanto dinheiro”, comemora o engenheiro químico César Abreu, coordenador do Laboratório de Processo Catalítico da UFPE. Só o Departamento de Engenharia Química, responsável pelo laboratório, desenvolve 13 projetos, no valor de R$ 3,7 milhões.

Um dos mais importantes é a reforma catalítica do gás natural, tecnologia baseada em reações químicas para transformar o produto em substâncias de maior valor agregado. Atualmente, o gás natural é utilizado somente em processos de queima, na combustão de automóveis ou na geração de calor e energia. Mas tem utilidades mais nobres.

Associado ao dióxido de carbono – poluente eliminado pelas chaminés das usinas de álcool -, gera monóxido de carbono e hidrogênio. Eles são matéria-prima para produzir combustíveis líquidos, como gasolina sintética, metanol, hidrocarbonetos pesados e hidrogênio. “Na forma líquida, os combustíveis geram menos riscos no transporte e armazenamento”, diz Abreu.

Republicar