Uma mutação ocorrida em plantas silvestres da espécie Coffea arabica resultou em um café naturalmente descafeinado, com aroma e sabor preservados. A descoberta dessa alteração natural em algumas plantas, feita por três pesquisadores brasileiros, foi relatada com destaque na edição de 24 de junho da revista britânica Nature .
A busca pelo café sem cafeína tem mobilizado estudiosos do mundo inteiro para atender à demanda crescente de pessoas que querem se livrar dos efeitos colaterais provocados por essa substância estimulante, como insônia e aumento da pressão arterial. Hoje o descafeinado responde por cerca de 10% do mercado mundial de café. A retirada da cafeína é feita por três processos diferentes. Mas em todos eles, junto com a cafeína, são removidos outros compostos responsáveis pelo sabor e aroma da bebida.
Para chegar às três plantas com quantidades insignificantes de cafeína nas sementes, Paulo Mazzafera, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Maria Bernadete Silvarolla e Luiz Carlos Fazuoli, ambos do Instituto Agronômico de Campinas (IAC), analisaram, uma a uma, 3 mil plantas de café. As sementes foram coletadas na Etiópia, na África, por pesquisadores brasileiros que lá estiveram em 1964 a convite da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO).
Na época, a instituição se preocupava com a erradicação de áreas de florestas onde cafeeiros cresciam espontaneamente. Por isso patrocinou pesquisadores de vários países para que resgatassem esse material genético, antes que se perdesse. “Quando se quer encontrar variabilidade genética é necessário ir ao centro de origem”, diz Mazzafera. Os brasileiros trouxeram sementes de 300 plantas, que depois deram origem a outros exemplares que passaram a fazer parte do Banco de Germoplasma do IAC.
Longo percurso
O processo para encontrar as plantas com menos cafeína é descrito por Mazzafera como “procurar agulha no palheiro”. Essa comparação sintetiza o longo caminho iniciado em 1987 no IAC, quando teve início um programa de melhoramento genético do cafeeiro. “Havia cruzamentos entre espécies selvagens de café com baixo teor de cafeína com variedades de C. arabica, mas algumas características que não interessavam eram passadas para as plantas filhas”, relata.
Como viram que seria praticamente inviável conseguir progressos dessa forma, os pesquisadores passaram a analisar as representantes de C. arabica presentes no banco genético de sementes, entre elas o material da Etiópia. Estas começaram a ser analisadas em 1996. A identificação foi feita no final do ano passado. A pesquisa recebeu financiamento da FAPESP, do Consórcio Brasileiro de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, coordenado pela Embrapa Café, e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Para ser chamado de descafeinado, um café tem de ter mais de 97% de sua cafeína retirada. As três plantas identificadas, batizadas de AC1, AC2 e AC3, apresentam 0,07% de cafeína, enquanto o café comum tem cerca de 1,2%. A designação AC é em homenagem ao geneticista de café do IAC Alcides Carvalho, falecido em 1993.
A próxima etapa da pesquisa consiste em adotar dois caminhos. Um deles é avaliar como plantas produzidas por semente e estaquia (clones produzidos a partir de partes de ramos destas plantas) se comportam em campo. A produtividade e o preço que o mercado poderá pagar por esse produto diferenciado serão avaliados. Com esses dados, as sementes serão ou não liberadas, em cinco ou seis anos, para serem plantadas pelos agricultores.
O outro caminho, é transferir as características da AC1, 2 e 3 para variedades comerciais altamente produtivas da arabica. Esse processo pode demorar até 15 anos, mas é um prazo considerado curto porque os cruzamentos serão feitos apenas entre C. arabica. Mazzafera diz que algumas plantas de café, para chegar ao mercado, são fruto de até 35 anos de cruzamentos. Para os consumidores que não dispensam uma xícara de café com aroma e sabor, mas têm de ficar longe dos efeitos da cafeína, a espera parece ser compensadora.
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