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Espaço

Nomes de astrônomas norte-americanas batizam dois grandes projetos em finalização

Observatório em construção no Chile e novo telescópio espacial homenageiam a atuação de Vera Rubin e Nancy Roman

Nancy Roman no Centro de Voo Espacial Goddard por volta de 1972 (à esq.) e Vera Rubin no Instituto Carnegie em 1974

NASA | NOIRLab/NSF/AURA

Em outubro de 2010, a astrônoma brasileira Duilia de Mello se preparava para dar uma palestra sobre formações estelares localizadas fora das galáxias no Instituto Carnegie de Washington, capital dos Estados Unidos. Antes da apresentação, ela ficou emocionada ao ver na plateia Vera Rubin (1928-2016) e Nancy Roman (1925-2018), duas importantes astrônomas da comunidade norte-americana. Ao final da palestra, ambas tinham dúvidas, e Rubin perguntou se Mello sabia se as galáxias apresentadas eram anãs e quanto tinham de matéria escura.

“A pergunta foi muito boa e até hoje não temos resposta”, relembra Mello, que então trabalhava no Centro de Voo Espacial Goddard, da Nasa, a agência espacial norte-americana, e atualmente é vice-reitora na Universidade Católica da América, em Washington DC, nos Estados Unidos. A boa notícia é que as respostas para as indagações podem vir a ser fornecidas por dois grandes instrumentos de observação do Universo que entrarão em operação nos próximos anos: o Observatório Vera Rubin, uma iniciativa de quase US$ 500 milhões em construção no Chile, e o Telescópio Espacial Nancy Roman, uma empreitada da Nasa de mais de US$ 3,2 bilhões. É a primeira vez que nomes de pesquisadoras são escolhidos para batizar projetos astronômicos desse porte.

Em construção no Cerro Pachón, nos Andes chilenos, o Observatório Rubin, que até o início de 2020 era chamado Grande Telescópio de Levantamento Sinóptico, deverá entrar em operação no fim de 2025. Durante seus primeiros 10 anos de atividade, terá quatro prioridades: fazer um inventário do Sistema Solar, mapear a Via Láctea, localizar eventos transitórios visíveis – como explosões estelares – e investigar a energia escura e sobretudo a matéria escura.

A mudança no nome do observatório é uma forma de reconhecimento às pesquisas feitas por Rubin que forneceram evidências robustas da existência da matéria escura. Ao lado do astrônomo Kent Ford, ela estudou galáxias próximas à Via Láctea quando trabalhava no Instituto Carnegie no fim dos anos 1970. Ao notarem que estrelas periféricas giravam ao redor da galáxia numa velocidade parecida com a das estrelas mais centrais, estranharam e resolveram investigar o fenômeno.

GSFC/SVS Ilustração do Telescópio Espacial Roman, projeto da Nasa de US$ 3,2 bilhões previsto para entrar em operação em 2027 GSFC/SVS

“É de se esperar que as estrelas mais centrais girem mais rápido, e as periféricas mais lentamente. É isso o que ocorre com os planetas na nossa galáxia”, explica a astrofísica porto-riquenha Karín Menéndez-Delmestre, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). A diferença de velocidade se deve à força gravitacional exercida pela massa de todos os corpos celestes no interior da galáxia. No entanto, em seus estudos, Rubin e Ford notaram que a massa total dos objetos visíveis nas galáxias observadas não era suficiente para justificar o movimento acelerado das estrelas marginais.

Eles tomaram como ponto de partida uma noção, anteriormente proposta por outros astrônomos: anomalias semelhantes observadas no movimento de outras estrelas poderiam ser explicadas se o Universo contivesse matéria invisível, além da luminosa. Por meio de medidas sistemáticas e muito precisas, Rubin e Ford mostraram, sem deixar espaço para dúvidas, que as galáxias têm várias vezes mais massa escura do que visível.

Por mais que se saiba da existência desse tipo de matéria oculta em razão de seu efeito gravitacional sobre a parte visível do Universo, suas partículas constituintes ainda são desconhecidas. Para oferecer pistas sobre isso e outras questões em aberto, o Observatório Rubin irá registrar imagens potentes de um pedaço do céu com a maior câmera astronômica já construída, de 3.200 megapixels, e um telescópio com um espelho de 8,4 metros (m). Além disso, retornará à mesma porção do céu a cada três noites, explorando eventos breves, objetos que brilham pouco ou que estão muito longe. O observatório é financiado pela National Science Foundation (NSF) e pelo Departamento de Energia (DOE) dos Estados Unidos.

A história do nome do Telescópio Espacial Roman, da Nasa, é parecida. Até março de 2020, era conhecido como Telescópio de Pesquisa de Infravermelho de Campo Amplo (em tradução livre), ou WFIRST. A Nasa, então, decidiu renomeá-lo em homenagem a Nancy Roman. Por ter sido, no início da década de 1960, a primeira pesquisadora a chefiar o setor de astronomia da agência espacial, ela é considerada a primeira mulher com cargo executivo na Nasa.

RubinObs/NSF/AURA/H. Stockebrand Em construção no Chile, o Observatório Vera Rubin, iniciativa de quase US$ 500 milhões, deverá ser inaugurado em 2025RubinObs/NSF/AURA/H. Stockebrand

Roman construiu sua carreira acadêmica antes de entrar na instituição. Apesar de ter feito descobertas importantes sobre a classificação de estrelas e suas órbitas na Via Láctea, ela se sentia mal paga e desestimulada a tentar ser uma pesquisadora sênior por ser mulher. Por isso, aceitou outros empregos, sendo um deles na Nasa, onde foi responsável por quase 20 anos pela gestão do programa que daria origem ao telescópio espacial Hubble, assim batizado em homenagem aos trabalhos do astrônomo norte-americano Edwin Powell Hubble (1889-1953). Roman é frequentemente lembrada como a “mãe” do Hubble, lançado em órbita em 1990 e ainda em atividade, por seus esforços em favor da materialização do projeto.

O telescópio Roman está previsto para ser lançado em 2027, com um espelho de 2,4 m de diâmetro, igual ao do Hubble. Será capaz de estudar a energia escura (que move a expansão do Universo),  além da matéria escura, exoplanetas e objetos ou fenômenos que podem ser captados com a luz infravermelha, portanto não visíveis ao olho humano. Uma das diferenças do Roman para o Hubble será o campo de visão da câmera: 100 vezes maior, captando mais elementos no espectro infravermelho.

Para Duilia de Mello, o reconhecimento a Rubin e Roman é fundamental. “Assim como ocorre com o telescópio Hubble, as pessoas buscarão os nomes e saberão quem elas foram e o que fizeram. É uma forma de mostrar que houve mulheres tão importantes que chegaram a ser homenageadas”, opina. Menéndez-Delmestre compartilha da opinião: “É trazer para a história nomes que foram deixados um pouco à margem. Muitos pesquisadores se perguntam, por exemplo, por que Rubin não ganhou o prêmio Nobel.”

Segundo a astrofísica Rita de Cássia dos Anjos, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), o reconhecimento também poderá ajudar a aumentar o número de pesquisadoras na área. Dados de 2023 do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) indicam que, no Brasil, há 19 mil pesquisadores na grande área de ciências exatas e da Terra, que engloba a astronomia e a astrofísica. Destes, 6,8 mil são mulheres, sendo 1,8 mil pesquisadoras negras e 68 indígenas.

“Sem esse reconhecimento, como podemos motivar as meninas a seguir carreiras científicas? Esse tipo de ação e o surgimento de prêmios dedicados às mulheres são alguns dos possíveis caminhos”, diz dos Anjos.

James Webb Space Telescope ou JWST?
Nome do maior telescópio espacial foi alvo de polêmica recente

Desde meados dos anos 2010, integrantes da comunidade astronômica internacional criticam a escolha do nome do administrador norte-americano James Webb (1906-1992) para batizar o supertelescópio espacial de US$10 bilhões que a Nasa lançou em dezembro de 2021. Ele foi o segundo administrador da agência espacial norte-americana entre 1961 e 1968.

Webb havia sido acusado publicamente de ter endossado ou tomado conhecimento da demissão e discriminação em massa de profissionais LGBTQIA+ cerca de 15 anos antes de assumir a gestão da Nasa, quando era subsecretario do Departamento de Estado da gestão do presidente norte-americano Harry Truman (1884-1972). No entanto, uma investigação histórica da agência, publicada em 2022, apontou que não havia evidências diretas de que Webb teria participado das dispensas e manteve o nome de seu ex-administrador associado ao telescópio.

A decisão não agradou a todos. Algumas revistas científicas, como a britânica Monthly Notices of the Royal Astronomical Society, chegaram a proibir, por um breve período, que o nome James Webb fosse usado para designar o telescópio em trabalhos publicados em suas edições. Defendiam o uso simplesmente de JWST. Posteriormente, com a divulgação de mais documentos da Nasa sobre a atuação de Webb, o periódico adotou uma postura mais flexível e hoje aceita as duas formas de se referir ao instrumento de observação, embora prefira simplesmente o acrônimo JWST.

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