Em 1957 se celebrou no Rio uma conferência preparatória para um evento mundial chamado Ano Geofísico Internacional (The International Geophysical Year). Nessa conferência participaram cientistas norte-americanos e latino-americanos – argentinos, brasileiros, chilenos, peruanos e talvez de outros países da região. Um assunto de grande atualidade era o lançamento de um satélite geofísico por parte dos Estados Unidos a cargo do Laboratório de Propulsão a Jato (JPL), na Califórnia.
Entre os planos cooperativos figurava o estabelecimento de uma rede de observatórios para monitorar, com binóculos e telescópios, o satélite geofísico que os americanos pretendiam lançar. Como nos dizia o dr. Pickering, diretor do JPL: “Nós gostaríamos de ter relatórios visuais do satélite funcionando para monitorar sua órbita”. Hoje, com o imenso avanço nesses 50 anos, parecem um tanto inacreditáveis essas palavras do diretor Pickering. Obviamente, tudo foi em vão, já que o satélite norte-americano não subiu, para derrota moral dos Estados Unidos. O primeiro a subir foi o famoso Sputnik, dos soviéticos.
Entre os múltiplos assuntos discutidos na conferência foi o aumento de CO2 na atmosfera causado pela queima crescente de hidrocarbonetos fósseis. Nesse campo, o Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo, Seção de Oceanografia Física, sob minha chefia, assumiu a tarefa de quantificar o CO2 no ambiente não contaminado na costa do Brasil. Para essa tarefa, compilamos amostras de ar na Estação de Cananéia, colhidas mensalmente e analisadas em nosso laboratório em São Paulo.
Uma nota humorística daquela época: a quantidade de trítio havia aumentado na atmosfera como conseqüência da explosão de bombas de hidrogênio. Para monitorar esse aumento, se coletava água de chuva em Cananéia e se enviava regularmente uma amostra de 10 litros à Suécia, para análise. Para exportar esse material, a alfândega exigia uma permissão oficial. Um dos jornais de São Paulo publicou a nota: “Brasil já exporta água de chuva”.
Como mencionei, na conferência realizada no Rio se discutiu o aumento do CO2 na atmosfera e seu efeito sobre o clima. A atmosfera é parcialmente transparente à radiação solar. Portanto grande parte da energia solar que chega ao topo da atmosfera acaba chegando à superfície. A porcentagem da energia solar recebida no topo da atmosfera que é refletida de volta para o espaço é chamada de albedo atmosférico (cerca de 30% da energia solar incidente é devolvida ao espaço neste processo). A radiação solar que chega à superfície é absorvida e a aquece.
Uma das leis básicas da física diz que a energia radiante de um corpo é proporcional à temperatura absoluta à quarta potência. Portanto, a superfície terrestre, aquecida pelo Sol, emite radiação na forma de onda longa (calor) para cima. Essa energia emitida pela superfície é absorvida pelos gases de efeito estufa da atmosfera (principalmente CO2 e vapor-d’água). Com a elevação da concentração de CO2, aumenta também a quantidade de energia que é absorvida pela atmosfera e, portanto, a temperatura do ar. Com o ar mais aquecido, mais energia na forma de onda longa é emitida pela atmosfera para o espaço (proporcional à temperatura absoluta da atmosfera à quarta potência). Dessa forma equilibra-se o sistema climático terrestre num patamar mais quente ao aumentar a concentração do CO2.
A produção dos gases do efeito estufa pela queima de combustíveis e outros efeitos antropogênicos é facilmente estimada. Por outro lado, a distribuição desse gás no ambiente terrestre é muito complexa e sua absorção e transformação ainda são pouco conhecidas. O fato é que o aumento na atmosfera não corresponde aos cálculos baseados nas atividades humanas, o que significa que boa parte dessa produção é absorvida no ambiente terrestre, entre outros lugares, no oceano, constituindo o chamado ciclo do carbono no mar e no qual entram fatores físicos, químicos e biológicos assim como a circulação de correntes oceânicas, tanto horizontais quanto verticais.
Entre os efeitos climáticos que se previa naquele tempo figuravam o derretimento das geleiras e o conseqüente aumento do nível do mar. Na discussão de 1957, alguém mencionou que o cais do porto de Nova York iria submergir debaixo de 12 metros de água. Um repórter nos perguntou se conhecíamos portos que sofreriam algo similar. Respondemos com outra pergunta: existe algum porto que tenha 12 metros de altura sobre o nível do mar?
Como é bem conhecido, através da história nosso planeta tem sofrido grandes mudanças climáticas às quais, sem dúvida, a humanidade deve sua existência. Apesar de toda a pesquisa, a origem dessas mudanças não são ainda bem entendidas. Nem sequer a última glaciação, que terminou por volta de 10 mil anos atrás, da qual, porém, persistem vestígios que no momento estão desaparecendo, por razões naturais ou artificiais.
Hoje, tal como previram os cientistas há mais de meio século, não há dúvida de que o aquecimento global, que atualmente estamos observando, se deve, até certo grau, a efeitos antrópicos. Contudo, a grande meta agora é distinguir entre esse efeito e a oscilação natural que sempre existiu na história do nosso planeta.
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