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Engenharia hídrica

Novo equipamento deve ampliar conhecimento sobre solos brasileiros

Dispositivo automatizado pioneiro que mede a permeabilidade da água no terreno chegará ao mercado em 2025

Léo Ramos Chaves/Revista Pesquisa FAPESP

O primeiro aparelho brasileiro a automatizar a coleta de dados hídricos do solo, criado a partir de uma parceria entre o Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (CBPF), no Rio de Janeiro, a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e a Falker, companhia gaúcha de tecnologia agrícola, está programado para chegar ao mercado nacional no início de 2025. Com o auxílio de um microcomputador de baixo custo, o novo permeâmetro – nome do dispositivo usado para avaliar a condução da água em diferentes terrenos – será capaz de medir a velocidade com que a água se move no solo quando ele está encharcado, parâmetro conhecido como condutividade hidráulica saturada do solo. Um artigo científico detalhando as características e o funcionamento do aparelho foi divulgado no periódico Journal of Hydrology, em 2019.

Essa propriedade do solo revela sua capaci­dade de transmitir ou drenar água, o que é essencial para diversas atividades, entre elas o planejamento de sistemas sustentáveis de produção agrícola. Com base nessa informação, é possível ajustar parâmetros do sistema de irrigação às condições do terreno, reduzindo o desperdício e combatendo a erosão. Saber como a água permeia o solo também é fundamental para a construção de estruturas de drenagem de estradas, estimativas de recargas de aquíferos e parâmetros para a construção de aterros sanitários e barragens, bem como para ações da Defesa Civil, como a prevenção e a contenção de deslizamentos de encostas.

“Com o aumento da frequência de eventos climáticos extremos, que geram chuvas torrenciais e secas severas, o conhecimento sobre o movimento da água no solo será cada vez mais importante para planejar ações de órgãos públicos e da iniciativa privada”, diz o engenheiro-agrônomo Wenceslau Teixeira, responsável pela pesquisa na unidade Solos, da Embrapa, no Rio de Janeiro.

Uma das lacunas atuais na investigação brasileira sobre solos, sustenta o engenheiro, é o pouco conhecimento de suas propriedades hidráulicas. Ele explica que os solos do Brasil e das demais regiões tropicais, em especial os argilosos, têm um comportamento hídrico muito distinto do terreno de regiões temperadas, como os prevalentes nos Estados Unidos e na Europa. “Precisamos de dados nacionais confiáveis de forma que possamos parar de usar valores e modelos cuja calibração é feita naqueles países e que levam em conta outros tipos de solo”, enfatiza.

A maior inovação do novo permeâmetro, batizado de SoloFlux e cujo desenvolvimento teve início em 2018, é fazer a coleta automatizada e digitalizada dos dados. Hoje, para fazer a medição da condutividade hidráulica saturada, emprega-se um permeâmetro analógico que demanda um profissional com alta capacitação técnica para realizar a coleta manual dos dados e calcular a condutividade hidráulica. Um dos aparelhos mais empregados no mundo é o chamado permeâmetro de Guelph, modelo analógico criado na Universidade de Guelph, no Canadá, nos anos 1980. Importado, ele exige uma montagem complexa em campo, o que não ocorre com o SoloFlux.

O primeiro passo é fazer um pequeno buraco no solo, com cerca de 20 centímetros (cm) de profundidade e 6 cm de diâmetro, onde o teste será realizado. O dispositivo analógico é composto por um sistema formado por dois cilindros, um dentro do outro, de modo a manter um nível constante de água no furo. À medida que o líquido penetra no solo, o permeâmetro mede sua taxa de infiltração. As medidas são anotadas pelo técnico em um caderno durante o procedimento. Em laboratório, elas são digitalizadas e usadas para calcular a condutividade hidráulica do solo (ver infográfico abaixo).

Alexandre Affonso / Revista Pesquisa FAPESP

“Nós simplificamos e automatizamos esse processo. Nosso permeâmetro mede o vácuo que mantém a coluna da água dentro de um único cilindro. A variação desse vácuo é equivalente à variação do nível de água, o que nos permitiu quantificar melhor a vazão do líquido no solo”, explica o engenheiro eletricista Geraldo Cernicchiaro, responsável pela investigação no CBPF. Os dados são gerados em tempo real durante a medição e podem ser transmitidos por bluetooth ao aplicativo Falker Flow instalado em celular, tablet ou computador. A visualização imediata das informações em campo permitirá, se for preciso, refazer a coleta ou ampliar a amostragem para outros pontos do terreno.

A possibilidade de expandir a área analisada em uma única ida a campo é um aspecto importante permitido pela inovação, segundo o engenheiro-agrônomo Claudinei Fonseca Souza, especialista em irrigação e drenagem: “Se hoje gastamos duas horas para fazer a medição em um único ponto, com o novo permeâmetro, aparentemente mais rápido e fácil de operar, poderemos coletar mais amostras no mesmo espaço de tempo. Como o solo tem uma variabilidade espacial de atributos bastante elevada, nada garante que a leitura feita em determinado ponto seja a mesma a 10 metros de distância dele”. Professor do Departamento de Recursos Naturais e Proteção Ambiental do Centro de Ciências Agrárias da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Souza não participou do desenvolvimento do SoloFlux.

Além da agilidade e da possibilidade de ampliar o escopo das medições, a leitura dos dados em campo também poderá diminuir os custos da operação. No modelo analógico, o técnico precisa voltar ao laboratório para digitalizar e processar as informações. Se houver algum erro na coleta, o trabalho de campo poderá ser perdido, obrigando a uma nova medição. Nos tempos da graduação, recorda-se Souza, ao realizar uma medida com um permeâmetro convencional, ele se deparou com um buraco de tatu que o obrigou a repetir o procedimento. “Imagine se há um problema na coleta de dados que você só percebe quando volta ao laboratório? E se o laboratório não fica na mesma cidade? Trabalho e dinheiro são desperdiçados”, pondera.

Marcio Albuquerque, CEO da Falker, avalia que a facilidade de manuseio do novo equipamento permitirá a ampliação de seu uso. “Para que o aparelho tenha valor comercial e escala de uso, o ideal é que apresente rapidamente o resultado das medições”, comenta. Segundo ele, o aparelho tem um grau de ineditismo mundial. “Nas nossas pesquisas, identificamos apenas um equipamento, na Europa, que está entre estágio de pesquisa e produto, para aplicação em saneamento.”

SoloFluxTécnicos testam permeâmetro digital em campoSoloFlux

Fundada em 2005, a Falker fabrica dispositivos para a agricultura de precisão. No momento, a empresa realiza ensaios do novo permeâmetro com agricultores de uma cooperativa no Paraná. “Esse nosso parceiro está testando o dispositivo em uma aplicação interessante voltada à conservação do solo”, destaca Albuquerque.

O permeâmetro digital é a primeira inovação criada nos laboratórios do CBPF que chega ao mercado. O centro é mais voltado para áreas de pesquisa básica, mas tem feito ultimamente um esforço para que suas investigações se desdobrem em inovações. Junto com a Embrapa, o centro é o detentor da patente sobre o dispositivo eletrônico que digitaliza o processo de medida da condutividade hidráulica saturada e o algoritmo correspondente. Já o desenvolvimento do novo sistema de medição, diferente do usado no permeâmetro de Guelph, foi realizado em parceria com a Falker e é amparado por segredo industrial.

“A criação desse novo permeâmetro é uma aplicação direta do conceito de inovação aberta. Tudo começa com uma investigação em um centro de pesquisa e depois é estabelecida uma parceria com uma empresa privada que participa do desenvolvimento e viabiliza a comercialização da tecnologia”, explica a química Gizelle Bedendo, responsável pelo setor de Transferência de Tecnologia da Embrapa Solos.

No acordo firmado entre os três parceiros, foi estabelecida uma taxa a título de royalties a ser paga pela Falker à Embrapa e ao CBPF. Uma cláusula determina a revisão desse valor dois anos após o lançamento comercial do equipamento. Segundo Albuquerque, o SoloFlux custará cerca de 50% do valor de permeâmetros analógicos à venda no mercado. O equipamento da Guelph, por exemplo, custa em torno de R$ 70 mil. A empresa tem planos para exportar o permeâmetro digital, o que está previsto para ocorrer ainda no primeiro semestre de 2025.

A reportagem acima foi publicada com o título “A permeabilidade do solo” na edição impressa n° 346, de dezembro de 2024.

Artigo científico
CERNICCHIARO, G. et al. Digital interface device for field soil hydraulic conductivity measurement. Journal of Hydrology. v. 576, p. 58-64. set. 2019.

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