Podcast: Alexandre Creto
No Brasil, o setor movimentou cerca de R$ 500 milhões em 2016 e deve dobrar de tamanho até 2020, segundo projeções da Associação das Empresas de Tecnologia em Identificação Digital (Abrid). As tecnologias biométricas são usadas no país principalmente pelo sistema bancário na identificação dos correntistas e validação de acesso à conta em caixas eletrônicos. No setor público, o uso da biometria deve crescer com a sanção, neste mês, da Presidência da República sobre a Identificação Civil Nacional (ICN), que contará com um chip e irá reunir em um só documento dados biométricos e registros públicos de identificação dos cidadãos, como o Registro Geral (RG), o Cadastro de Pessoa Física (CPF) e o Título de Eleitor. A mesma base de dados biométricos formada pela Justiça Eleitoral será utilizada para a nova identidade civil.
“A biometria proporciona um mecanismo de autenticação inequívoca do usuário, eliminando a necessidade de memorização de informações para autenticação, como códigos ou senhas alfanuméricas”, diz Luciano Baptista, curador do Biometrics HITech, o principal evento do setor no país, em sua terceira edição este ano. “A biometria sofreu um salto tecnológico importante nos anos 1990 e começou a se popularizar no mundo a partir da década de 2000. Cada vez mais, é usada para identificar pessoas, aumentar a segurança de dados e transações, eliminar processos burocráticos e evitar fraudes.”
A maioria dos sistemas foi criada e é fabricada por grandes multinacionais, como a japonesa NEC, a francesa Morpho, a alemã Dermalog e a norte-americana Cogent, mas outros foram projetados por empresas e centros de pesquisa nacionais. “No Brasil, cerca de uma dúzia de empresas desenvolvem tecnologias biométricas”, destaca Carlos Alberto Collodoro, cofundador da Biometrics HITech. As tecnologias desenvolvidas no Brasil são em grande parte de softwares usados para processamento e autenticação dos traços biométricos dos indivíduos. Uma das principais desenvolvedoras do país é a Griaule, companhia de base tecnológica criada em 2002 na incubadora de empresas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista, com apoio do Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe) da FAPESP.
Uma das mais recentes tecnologias desenvolvidas pela empresa é o módulo Agincourt Baby, destinado à identificação de recém-nascidos. “Como ainda existem casos de roubo e troca de bebês em maternidades, desenvolvemos um cadastro biométrico de palmas da mão e face de recém-nascidos para aumentar a segurança”, conta Karina Gomide, gerente de Projetos da Griaule. “Ao associarmos as biometrias da criança e da mãe, garantimos que o bebê apresentado aos pais na saída do hospital não foi trocado.”
Para digitalizar a palma da mão da criança, o módulo da Griaule usa um escâner genérico encontrado no mercado, que pode ser comprado pela própria maternidade. “Optamos pela mão porque as informações das digitais de bebês são insuficientes. Como a pele do recém-nascido é muito fina, quanto maior a área de captura, melhor. Além disso, a coleta de digitais é difícil porque a criança está sempre com a mão fechada, dificultando a digitalização de cada um dos 10 dedinhos”, explica Karina. O cadastro é feito com os dados biográficos do recém-nascido, sua foto e as digitais da mãe.
A tecnologia, que está sendo testada por possíveis clientes, levou 18 meses para ficar pronta e foi integrada à plataforma Griaule Biometrics Suite (GBS), um conjunto de aplicativos de identificação biométrica desenvolvidos pela empresa. “Tramitam no Congresso Nacional e em legislativos estaduais mais de uma dezena de projetos de lei tornando obrigatória a identificação biométrica de recém-nascidos. No momento em que essas leis forem aprovadas, nosso sistema vai ajudar a colocá-las em prática”, adianta a gerente de Projetos, destacando que a tecnologia também pode ser útil na identificação de crianças desaparecidas.
A empresa paranaense Akiyama também desenvolveu uma solução inovadora, que combina hardware e software, para efetuar o cadastramento da impressão digital e plantar do recém-nascido no ato do seu nascimento dentro da sala de parto. O sistema chamado de Natus, já faz parte de um convênio de cooperação técnica com as secretarias estaduais de Saúde e Segurança Pública do estado de Pernambuco e o Instituto de Identificação Tavares Buril, de Recife, para cadastrar os recém-nascidos em maternidades públicas pernambucanas.
Voto mais seguro
A biometria também está sendo implantada de forma conectada às urnas eletrônicas. A Griaule fornece o sistema de identificação biométrica utilizado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nas eleições nacionais. Dados do órgão mostram que 50,4 milhões de eleitores já possuem cadastro biométrico, o equivalente a 34% do total. A meta do Tribunal é que todos os brasileiros aptos a votar estejam cadastrados até 2022. A biometria foi testada pela primeira vez no pleito municipal de 2012 nos municípios de São João Batista (SC), Fátima do Sul (MS) e Colorado do Oeste (RO). Os bons resultados da experiência levaram a Justiça Eleitoral a programar a universalização da identificação biométrica.
“Com a adoção da tecnologia, o processo de votação tornou-se mais seguro e menos sujeito a fraudes”, afirma Alexandre Creto, gerente de Produto da Griaule. Ele explica que a urna só é liberada para votação quando o leitor biométrico identifica as impressões digitais daquele eleitor. “A Griaule é a desenvolvedora do software que certifica e gerencia o banco de dados biométricos do TSE. Nosso programa garante que cada eleitor esteja cadastrado apenas uma vez.” Essa tecnologia ainda está restrita ao Brasil porque não há em outros países eleições totalmente digitais. “Esse é um caso em que o Brasil vive uma realidade à frente dos outros países. Pretendemos exportar o sistema quando essa forma de votar se tornar mais comum no mundo”, avalia Creto. A empresa exporta outros sistemas de identificação para mais de 70 países, como Estados Unidos, Israel, Argentina, México e Índia.
A Akiyama é outra participante do projeto de cadastramento biométrico dos eleitores. Ela vendeu à Justiça Eleitoral os kits biométricos usados para coleta de impressões digitais e atualização cadastral dos eleitores. Os kits são compostos por impressora digital, cadastro de face e de assinatura. A empresa desenvolveu a maioria desses equipamentos que são compostos por hardware e software. Alguns dispositivos são importados, como o leitor de impressão digital.
Esses leitores também são usados em várias aplicações, como na autenticação dos usuários em bancos. O segmento de biometria bancária no Brasil tem crescido e hoje cerca de 90 mil caixas eletrônicos (70% do total de unidades instaladas no país) possuem sensores biométricos. Desse total, por volta de 60 mil caixas eletrônicos têm a tecnologia de imagem multiespectral Lumidigm da multinacional norte-americana HID Biometrics.
Os sensores com imagem multiespectral enxergam tanto a impressão digital superficial da pele quanto uma camada interna, mais profunda, irrigada por vasos sanguíneos. Com a detecção do “dedo vivo”, a tecnologia aumenta muito a precisão da identificação de dedos falsos, quer sejam feitos de látex, borracha, massa plástica ou gelatina. De acordo com Phil Scarfo, vice-presidente global de vendas e marketing da HID Biometrics, existem mais de 100 modos de tentar fraudar a impressão digital de uma pessoa, mas sempre a partir da camada externa da pele.
O tipo de tecnologia adotada depende da necessidade e do custo. Em bancos e no controle de fronteira, por exemplo, exige-se um detalhamento mais preciso e mais rápido. “São sistemas geralmente mais fáceis de usar e eficientes em apontar erros. Nesses casos, o sistema é mais caro. Já em condomínios e academias é possível usar sistemas muito mais baratos, embora a resposta da identificação possa ser mais demorada e facilitar o aparecimento de erros por pessoas não acostumadas com esse tipo de biometria”, explica Luciano, da Biometrics HITech. Na coleta de dados das digitais, outra prática de segurança da informação é a criptografia embarcada que permite proteção de ponta a ponta do sistema.
Reconhecimento facial
A biometria também está sendo usada no controle de fronteiras do país. Catorze aeroportos brasileiros contam desde 2016 com a solução Neoface, da japonesa NEC, que permite o reconhecimento facial de passageiros que embarcam ou desembarcam em voos internacionais. O sistema, que identifica as pessoas pelos traços do rosto, foi adquirido pela Receita Federal e é usado para identificar foragidos da polícia, suspeitos de contrabando e tráfico de drogas, entre outros crimes. As imagens captadas pelas câmeras instaladas nos aeroportos são cruzadas com as do banco de dados da Receita, Polícia Federal e Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Um aspecto do Neoface, também em operação em outros países, é que ele é capaz de reconhecer pessoas mesmo com pequenas mudanças na fisionomia, como barba crescida ou novo corte de cabelo.
As soluções de reconhecimento facial também são usadas pela polícia no monitoramento de ambientes, como estádios de futebol, e no controle de acesso a locais públicos e privados. Levantamento da Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU) mostra que pelo menos 18 cidades brasileiras, entre elas Porto Alegre, Fortaleza e Manaus, já utilizam ferramentas de identificação facial no controle de passageiros em ônibus urbanos. Isso acontece para verificação do uso de bilhetes ou cartões que têm algum benefício, como estudantes e idosos, por pessoas não autorizadas.
Alguns sistemas de biometria facial são desenvolvidos por empresas brasileiras. É o caso do “IVision”, da startup paulista FullFace Biometric Solutions. “Um diferencial do nosso algoritmo é que ele não precisa armazenar a imagem da face do usuário no banco de dados. Essa imagem é convertida em um código numérico”, diz o engenheiro Danny Kabiljo, um dos sócios da empresa. Ele explica que, a partir das medidas e proporções do rosto, o sistema analisa 1.024 pontos na face, gerando um código único que é o CPF facial daquele indivíduo. A identificação é transferida para um banco de dados e pode ser acessada no local ou remotamente. O software de gestão dos dados foi desenvolvido pela FullFace. A captação da imagem do rosto pode ser feito por uma simples webcâmera de computador ou celular.
“A precisão da nossa tecnologia chega a 99%, podendo diferenciar gêmeos idênticos em 0,05 décimos de segundo”, afirma Kabiljo. “Uma das vantagens da tecnologia, quando comparada a sistemas convencionais, é que ela necessita de um banco de dados menor, porque o armazenamento de números requer menos espaço do que o de imagens. Além disso, nossa solução é mais segura, porque se o sistema for invadido ou roubado a identidade dos usuários é preservada, porque não guardamos imagens de rostos.” O sistema da FullFace já é usado por uma agência de marketing de São Paulo, no Cubo Coworking, espaço criado pelo Banco Itaú e fundo de investimento Redpoint eVentures, para controlar o acesso de funcionários e visitantes.
Voz única
Situada em Campinas, a Fundação Centro de Pesquisa e Desenvolvimento em Telecomunicações (CPqD), instituição independente focada na inovação com base nas tecnologias da informação e comunicação (TICs), também projetou uma solução de biometria facial. Batizada de CPqD Smart Authentication, ela tem como diferencial ser integrada a um sistema de reconhecimento de voz. “O objetivo é verificar se uma pessoa é ela mesma por atributos únicos da voz e da face”, afirma Luciano Lemos, gerente de Produto do CPqD.
A biometria de voz é empregada principalmente nos processos de autenticação de clientes para acessar ou autorizar transações em e-commerce e e-banking e na identificação de consumidores em ligações para call centers. É usada, ainda, nas operações para obtenção de nova senha, em que correntistas de bancos, clientes de cartões de crédito, participantes de planos de saúde, entre outros usuários de sistemas corporativos, precisam trocar a senha de acesso
ao serviço.
“Toda vez que uma pessoa esquece sua senha para acessar o computador ou o sistema da empresa, estoura o número de tentativas ou quer uma nova senha, ela é submetida a um processo de obtenção de senha demorado”, informa Lemos. Segundo ele, essa operação também apresenta alto potencial de fraude, devido à facilidade de apropriação de senha por outra pessoa.
Uma das vantagens da biometria de voz é que ela pode ser executada por telefone, Skype, aplicativo no celular ou pelo computador. Outra é a agilidade que confere aos processos de identificação. “Pelo processo normal, um usuário leva cerca de um minuto e meio para ser identificado por um atendente de uma central de atendimento. Por meio da biometria de voz, o processo é automático e o tempo cai para 20 a 30 segundos”, diz Alexandre Winetzki, presidente da Woopi, braço de pesquisa e desenvolvimento da Stefanini, multinacional brasileira do setor de Tecnologia da Informação. A Woopi está trazendo para o Brasil a solução biométrica de voz da Nuance, líder norte-americana em sistemas de reconhecimento e processamento de voz, com mais de 50 milhões de usuários no mundo.
Winetzki explica que, nos processos de validação da autenticação por voz, ela é decomposta como se fosse uma assinatura. “Mais de 20 elementos da fala, entre eles potência, velocidade, encadeamento de frases e formato de algumas vogais, como ‘a’ e ‘o’, são analisados para garantir a autenticidade do usuário”, esclarece. Como a voz muda ao longo do tempo, a cada contato o sistema vai atualizando as características vocais do usuário. Dessa forma, o sistema se protege contra fraudes e impede que imitadores consigam se passar por outra pessoa ou que utilize uma gravação da voz original. “Esta é uma tecnologia recente e ainda relativamente cara. É preciso mais de 100 mil usuários para justificar seu uso”, conta Winetzki.
Projeto
Melhoramento da qualidade do reconhecimento e da disponibilidade (speedcluster) do Griaule Afis (nº 03/07972-6); Modalidade Auxílio à Pesquisa – Programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (Pipe); Pesquisador responsável Iron Calil Daher (Griaule); Investimento R$ 352.605,89.