uva costriubaSe tem uma coisa que os físicos apreciam é a simplicidade. Para a maioria deles, a noção de que tudo – até mesmo o Universo – pode ser resumido num punhado de equações é charmosa demais para ser desprezada. Às vezes, as tentativas de traduzir a natureza em números exigem a construção de caros e complexos aceleradores de partículas. Mas não foi o caso do trabalho feito pelo grupo de Jandir Hickmann, da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), publicado no final de julho na Physical Review Letters. Com ferramentas bem mais modestas (uma fonte de laser, algumas lentes e tiras de fita isolante), ele e três colaboradores criaram uma estratégia bastante simples de medir uma propriedade da luz que talvez possa ser usada para manipular informação em um computador quântico.
A propriedade medida é o chamado momento angular orbital. Visualizar mentalmente essas propriedades, como praticamente tudo no mundo quântico, é bastante complicado. Mas o físico da Ufal usa uma metáfora a partir da física clássica para explicar. Imagine que a Terra seja um feixe de luz. Nosso planeta executa, tendo o Sol como referencial, dois movimentos distintos. Um deles, em torno de seu próprio eixo, é a rotação, que induz a ocorrência de dias e noites. O equivalente desse movimento no feixe de luz seria o momento angular de spin. O outro movimento da Terra é ao redor do Sol, a translação, que produz os anos. Seu equivalente quântico seria o momento angular orbital. Combinados, os dois movimentos fazem a energia da luz se concentrar em determinadas regiões do feixe. À medida que a luz avança em uma direção, essa área de concentração de energia se desloca em espiral ao longo do eixo do feixe luminoso – se fosse visível, formaria uma imagem que lembra um saca-rolhas.
Há muito tempo os cientistas sabem mensurar as propriedades de spin, mas o momento angular orbital é bem mais difícil de medir. Usando uma mesa óptica, Hickmann e seus colegas dispararam um laser de argônio na direção de um detector. No caminho, a luz tinha de passar por um holograma, uma espécie de filtro em que adquiria momento angular orbital, antes de atravessar uma abertura em forma de triângulo equilátero feita em uma tira de fita isolante. Por que esse material? “Só para demonstrar a facilidade de execução”, diz o físico brasileiro.
Desvios
O laser, ao atravessar a abertura, interage com as bordas do triângulo e sofre um desvio (difração). O que se vê no detector é um triângulo diferente, formado por um conjunto de discos luminosos. Basta contar o número desses discos que formam um dos lados do triângulo para saber o valor do momento angular orbital. Ele será proporcional ao número de discos.
Essa constatação animou os físicos. “Foi uma surpresa, pelo menos para mim, que houvesse uma relação tão simples e bonita”, disse Miles Padgett, da Universidade de Glasgow, na Escócia, ao Physical Review Focus, veículo de divulgação científica da Sociedade Física Americana, que apresentou com destaque a pesquisa brasileira. A razão para excitação é que há esperança de que o momento angular orbital possa ser usado como base para a chamada computação quântica.
A ideia por trás dessa tecnologia nascente é usar as interações e propriedades da luz e das partículas atômicas para efetuar cálculos que dificilmente poderiam ser feitos de outro modo. Isso porque uma das características mais estranhas do mundo quântico é o fato de que uma partícula, até que seja observada, pode conter todas as configurações possíveis para ela. Por exemplo, uma partícula de luz pode ter simultaneamente spin -1 ou 1, antes de ser detectada. Com isso, ela poderia, em princípio, ser usada para fazer duas operações a um só tempo.
Os experimentos que usam o spin para o processamento quântico têm obtido algum sucesso, mas Hickmann enxerga um potencial ainda maior para o uso do momento angular orbital. “Isso porque ele não tem um limite para a quantidade de estados que pode assumir. Enquanto o momento angular de spin só pode ser 1 ou -1, o momento angular orbital pode ter qualquer valor, contanto que seja um número inteiro, positivo ou negativo”, explica o físico.
Com isso, ao menos em princípio, a quantidade de cálculos simultâneos que podem ser feitos por um processador quântico baseado em momento angular orbital passa a ser muito maior. À medida que se desenvolvam técnicas eficientes de medição, essa ideia pode ficar um pouco mais próxima da realidade. Mas só um pouco.
“O maior problema da computação quântica é a decoerência”, diz Hickmann. Esse é o nome dado à perda dessa delicada condição em que as partículas são mantidas apresentando todos os estados ao mesmo tempo e, portanto, útil para o processamento de informações. “O difícil é gerar estados quânticos robustos o suficiente para não se perderem”, afirma. Segundo o físico, até hoje os únicos processadores quânticos testados têm baixíssima capacidade de processamento. “É como se eu tivesse um processador capaz de contar só até 16 bits quânticos. Ele tem poucos dedos, não consegue contar muito”, explica, “por isso ainda não tem aplicação prática”.
Artigo científico
HICKMANN, J. et al. Unveiling a truncated optical lattice associated with a triangular aperture using light’s orbital angular momentum. PRL. v. 105. 30 jul. 2010.