O grafeno, agora transformado em produto, está entre nós. Vinte anos depois de ter sido isolado pela primeira vez, o nanomaterial formado por átomos de carbono já pode ser encontrado em artigos à venda no país. Também figura em uma série de inovações tecnológicas em fase avançada de testes. Em um mercado ainda em formação, importadoras ou companhias locais o vendem para ser usado como matéria-prima ou já inserido em soluções desenhadas para produtos diversos, indo de aditivos para tintas e embalagens plásticas a lubrificantes. Principalmente em torno de instituições de ciência e tecnologia, surgem ecossistemas de inovação, fomentando a produção e novas aplicações para o grafeno. Grandes empresas do país nas áreas de petróleo e gás e de mineração testam em campo dispositivos com o cristal bidimensional para usá-los em seu processo produtivo.
Em São Paulo, um dos principais centros de pesquisa e desenvolvimento do material orientado para demandas de mercado é o Instituto Mackenzie de Pesquisas em Grafeno e Nanotecnologias (MackGraphe). A unidade iniciou suas atividades em 2013 no campus de São Paulo da Universidade Presbiteriana Mackenzie, com apoio da FAPESP. Um dos idealizadores do MackGraphe, o físico Eunezio Antonio Thoroh de Souza fundou em 2018 uma startup, a DreamTech Nanotechnology, com o objetivo de converter o conhecimento científico do grafeno em tecnologias aplicáveis ao dia a dia. A iniciativa teve a parceria da multinacional chinesa DT Nanotech, responsável pela produção do grafeno comercializado (ver Pesquisa FAPESP nos 284 e 291). Com a distribuidora local MCassab, a startup vem introduzindo o uso do grafeno e de outros materiais bidimensionais no mercado brasileiro. Agora, sua intenção é produzir grafeno em território nacional.
“Estamos em processo de implantação de uma fábrica em Araras, no interior de São Paulo, com capacidade para produzir 200 toneladas de grafeno por ano”, informa Thoroh. “As projeções de crescimento de demanda por grafeno justificam a implantação da nossa fábrica local, que terá como sócios executivos da DT Nanotech. Nossa expectativa é iniciar a fabricação até o final de 2025.” A empresa adotará a tecnologia de produção baseada no método de esfoliação mecânica líquida e irá focar em produtos como tintas anticorrosivas, compósitos, tintas asfálticas, lubrificantes e materiais de construção.
Também em São Paulo, a Gerdau Graphene, uma startup da Gerdau Next, braço de novos negócios da produtora de aço Gerdau, já colocou no mercado sete produtos incorporando o nanomaterial e prevê o lançamento de pelo menos outros três ainda neste ano. No portfólio da empresa, criada em 2021, há aditivos com grafeno para serem usados na produção de filmes poliméricos, matrizes cimentícias, tintas e revestimentos.
“O grafeno é hoje uma realidade comercial”, destaca a química Valdirene Peressinotto, diretora-executiva e de Inovação da Gerdau Graphene. “O nanomaterial confere ganho de propriedades aos materiais em que é incorporado, tornando-os mais resistentes e duráveis”, afirma a pesquisadora. “Nossos aditivos já são fabricados em escala industrial, na casa de toneladas ou milhares de litros. Não se trata mais de algo experimental, restrito a estudos em laboratórios.”
Um Nobel para o grafeno
O primeiro estudo teórico sobre as propriedades elétricas do grafeno é de 1947, mas a história do material no campo da física experimental é bem mais recente. Remonta ao início do século, mais precisamente 2004, quando os físicos Andre Geim – um dos sócios da DreamTech Nanotechnology e da DT Nanotech – e Konstantin Novoselov isolaram na Universidade de Manchester, na Inglaterra, uma única folha de átomos de carbono a partir da esfoliação de uma placa de grafite com uma fita adesiva. Também conhecido por grafita, a grafite é um mineral extraído de jazidas.
Os dois pesquisadores depositaram aquela finíssima camada plana de átomos em um substrato que facilitava a visualização em um microscópio óptico, construíram um pequeno dispositivo e fizeram medições elétricas e magnéticas do material bidimensional. Apesar de ter a existência prevista décadas antes, os cientistas de modo geral achavam que tal material não teria estabilidade suficiente para se manter cristalizado em apenas uma camada. Pelo trabalho, Geim e Novoselov receberam o Nobel de Física em 2010.
Com os átomos organizados em forma de treliça hexagonal, como favos de mel, em um mesmo plano, o grafeno é um material extremamente leve, bastante transparente, flexível e impermeável (ver infográfico abaixo). Tem boa condutividade elétrica e térmica e alta resistência mecânica. Suas propriedades eletrônicas e magnéticas peculiares deram origem a novas áreas da física, como a valetrônica, o estudo das alterações do comportamento dos elétrons do grafeno, e a twistrônica, a investigação dos efeitos produzidos pelo ato de girar uma das folhas de um sistema constituído por duas ou mais camadas de grafeno ou de outros materiais com apenas duas dimensões.
O grafeno também abriu o caminho para a física dos sistemas bidimensionais e para o estudo de outros materiais formados por camadas atômicas (layered materials), como a grafite. Assim, a descoberta de Geim e Novoselov teve forte impacto na pesquisa fundamental no campo da ciência dos materiais.
Mercado em expansão
As características singulares do grafeno e dos materiais feitos com ele trouxeram consigo a promessa de ampla aplicação tecnológica em diversos campos da indústria. A consultoria de mercado Fortune Business Insights calcula que o mercado global do material valia US$ 432,7 milhões no ano passado. Até 2032, a estimativa é de que chegue a US$ 5,2 bilhões, um crescimento projetado espantoso em menos de 10 anos.
As aplicações do grafeno e seus derivados se multiplicam no mundo. Ele é empregado na fabricação de eletrônicos, materiais compósitos e baterias. O segmento de nanoplaquetas ou nanoplacas de grafeno (NPG), constituídas por várias camadas de grafeno, foi responsável pela maior parcela do mercado em 2023, segundo a Fortune Business Insights. As indústrias eletroeletrônica, aeroespacial, automotiva, de defesa e de energia encabeçam o consumo do nanomaterial, de acordo com o relatório. A região da Ásia-Pacífico respondeu por 34,4% do mercado, a maior do globo.
“O grafeno tem propriedades que fazem com que ele possa ser utilizado em uma vasta gama de aplicações. Do meu centro de pesquisa já saíram seis companhias e ainda temos outras cinco para desovar”, diz o físico teórico brasileiro Antonio Hélio de Castro Neto, diretor do Centro para Materiais Avançados 2D e do Centro de Pesquisa em Grafeno da Universidade Nacional de Singapura (NUS), um dos principais polos globais de pesquisa sobre grafeno. O físico Novoselov, laureado com o Nobel, integra o quadro de pesquisadores da NUS.
Entre as spin-offs geradas na universidade, destacam-se a NanoMolar, especializada no desenvolvimento de sensores médicos, e a UrbaX, com foco no setor de artigos para a construção civil. Mais de 200 patentes associadas ao grafeno e suas aplicações, resultantes de estudos feitos na NUS, já foram registradas, informa Castro Neto, que fez graduação em física na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e há mais de três décadas está fora do Brasil.
Apesar da demanda crescente em diversas áreas, ainda há desafios a serem superados para que o grafeno se estabeleça de modo mais intenso comercialmente. Um artigo publicado no início do ano por cientistas alemães no periódico 2D Materials indica que boa parte dos fabricantes permanece em um estágio comercial inicial, tendo que enfrentar o duplo desafio de consolidar sua base de consumidores e de garantir o financiamento para escalar a produção. Também há nichos que crescem sem visibilidade pública em razão dos termos de sigilo impostos pelos clientes, que preferem não dar publicidade aos experimentos com grafeno para não chamar a atenção da concorrência e manter o segredo da fórmula na produção.
“O tamanho relativamente pequeno [do mercado] caminha com a perspectiva de forte evolução nos próximos anos, com taxas de crescimento previstas entre 20% e 50% por ano. […] O grafeno não consegue converter imediatamente todas as suas promessas iniciais para um sucesso de mercado estrondoso. A difusão dessa nova classe de materiais bidimensionais leva tempo”, escreveram os autores do artigo na 2D Materials. O estudo foi realizado no âmbito da Graphene Flagship, iniciativa europeia que reúne 118 parceiros industriais e acadêmicos.
O mercado, não só no Brasil, mas no mundo todo, segundo Peressinotto, está em fase de abertura e de consolidação. A diretora da Gerdau Graphene investiga nanomateriais de carbono, como o grafeno, desde 2004, quando ainda trabalhava como pesquisadora no Centro de Desenvolvimento da Tecnologia Nuclear (CDTN), em Belo Horizonte, com um grupo ligado à Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O primeiro caso de sucesso da startup que dirige hoje beneficiou a própria Gerdau. Deu-se após um teste industrial executado com o fornecedor de filmes poliméricos usados para empacotar pregos, vendidos pela siderúrgica gaúcha. “Reduzimos a espessura da embalagem em 25%, aumentamos a resistência ao furo e ao rasgo em 30% e diminuímos as perdas do processo em mais de 40%”, ressalta Peressinotto. Com a incorporação do aditivo na linha de empacotamento dos pregos, a Gerdau pôde economizar cerca de 72 toneladas de plástico ao longo de um ano.
A Gerdau Graphene, que desenvolve seus produtos em parceria com o Centro de Inovação em Engenharia de Grafeno (Geic), ligado à Universidade de Manchester, compra o grafeno usado em seus aditivos de produtores do Brasil, do Canadá, dos Estados Unidos, da Inglaterra, da Espanha, da Austrália, entre outros países. A importação, explica Peressinotto, é necessária porque o país ainda não tem quem produza o insumo nos formatos exigidos pela companhia, na quantidade suficiente e com o custo competitivo.
No Brasil, o novo material tem sido usado principalmente em aplicações que exploram suas propriedades mecânicas. “As grandes aplicações do grafeno no país ainda são em tintas, elastômeros [polímeros com propriedades elásticas], compósitos, embalagens e cimento. São usos ligados a materiais mais pesados, incluindo os da construção civil e os do setor automotivo”, afirma o físico Luiz Gustavo Cançado, da UFMG. Ex-coordenador do Projeto MGgrafeno, criado em 2016, o pesquisador e sua equipe desenvolveram um processo-piloto de produção em ampla escala do material e testaram mais de 20 aplicações.
“O grafeno é muito resistente mecanicamente. É preciso imprimir muita força para que ele se rompa. Ao misturá-lo com polímeros, borrachas, cimento ou cerâmicas, ocorre uma melhoria geral das propriedades mecânicas do material resultante”, sustenta o físico Marcos Pimenta, também professor da UFMG. “Mas não é fácil desenvolver e produzir esse material.”
Pioneiro nos estudos de nanomateriais de carbono no país, Pimenta criou e dirigiu por 10 anos o Centro de Tecnologia em Nanomateriais e Grafeno (CTNano) da UFMG, onde hoje, em um espaço de 3 mil metros quadrados, cerca de 100 pessoas trabalham em 10 laboratórios para desenvolver soluções e tecnologias sob demanda. “No começo, eram principalmente projetos para duas empresas. Hoje temos várias iniciativas em andamento com companhias de diferentes setores”, conta o pesquisador.
De acordo com o físico Rodrigo Gribel Lacerda, atual coordenador-geral do CTNano, que se tornou uma unidade da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), o centro firmou até agora parcerias com 15 empresas. Entre os projetos mais avançados está um nanossensor feito com nanotubos de carbono (camadas de grafeno enroladas em forma de cilindro) para monitorar a concentração de dióxido de carbono no gás natural extraído dos poços de petróleo do pré-sal.
“Estamos na fase de homologação do dispositivo, criado em parceria com a Petrobras. Falta realizar os testes em ambiente real para virar um produto comercial”, ressalta Lacerda. Também nessa etapa de desenvolvimento há outro sensor de deformação para maquinários usados na atividade mineradora. Em um terceiro projeto, o objetivo é empregar o grafeno como filtro para purificação da água.
O Rio Grande do Sul sedia uma das primeiras fábricas de grafeno em operação no país. Fruto de um projeto da Universidade de Caxias do Sul (UCS), a UCSGraphene, em Caxias do Sul, está em operação desde março de 2020. A unidade, vinculada à Embrapii, utiliza a rota de esfoliação em fase líquida para desenvolvimento e produção do grafeno e de outros materiais ricos em carbono. Sua capacidade de produção supera 1 tonelada por ano.
“Além de desenvolver grafeno a partir da grafite e de outras fontes de carbono, nós nos dedicamos à criação de soluções tecnológicas contendo o nanomaterial e seus derivados, e a rotas produtivas focadas em outras nanoestruturas à base de carbono, como óxido de grafeno e grafenos modificados”, conta o engenheiro de materiais Diego Piazza, coordenador da UCSGraphene, que atua em parceria com outras empresas e institutos de ciência e tecnologia.
“Entre os diversos desenvolvimentos tecnológicos e estudos do uso do grafeno e derivados realizados por nossa equipe, está a sua utilização em materiais compósitos [polímeros, cerâmicas e metais], equipamentos de proteção, lubrificantes, tintas e revestimento, sistemas de filtração, medicina regenerativa e peças técnicas”, diz Piazza, que também é professor na UCS. “Várias de nossas soluções já estão sendo comercializadas nos setores de moda, mobilidade, logística, entre outros.”
Na capital mineira, outra instalação com condições de produção industrial prepara-se para lançar uma oferta pública de tecnologias. O CDTN abriga uma planta construída no âmbito do Projeto MGgrafeno, da UFMG, em parceria com a estatal Companhia de Desenvolvimento de Minas Gerais (Codemge), com capacidade para fabricar cerca de 1 tonelada por ano. “Com o edital, pretendemos transferir a tecnologia que criamos para interessados em produzir grafeno para exploração comercial e industrial”, diz Cançado, da UFMG. A ideia é de que o parceiro privado utilize as instalações do CDTN.
A universidade detém, com o CDTN, a cotitularidade da propriedade intelectual gerada no projeto, relacionada à rota desenvolvida para a produção de grafeno, baseada na esfoliação em fase líquida da grafite. O pesquisador explica que um dos grandes desafios para expandir as aplicações e o uso do material comercialmente é conseguir fabricá-lo em grande escala por um processo reprodutível.
Outra dificuldade é estabelecer normas para produção, controle de qualidade e segurança do insumo. Por fim, é necessário ter informações confiáveis sobre o material, que garantam que se trata realmente de grafeno e não de outra forma alotrópica do carbono, como grafite. Alótropos são substâncias simples formadas pelo mesmo elemento químico, com variação do número de átomos ou de sua estrutura cristalina.
A demanda por controlar a qualidade do grafeno que circula no país, seja ele nacional ou importado, chegou ao Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia (Inmetro). Desde o ano passado, a entidade trabalha no desenvolvimento de um selo de conformidade por meio de um programa de certificação para o grafeno, programa conhecido informalmente como PAC (Plano de Aceleração do Crescimento) do grafeno. A previsão é de que ambos sejam lançados em meados de 2025.
“Quando o grafeno superou o estágio da pesquisa acadêmica e virou um produto comercial, o Inmetro percebeu que devia criar métodos de medição [para verificar o número de camadas de grafeno e a pureza do material contido no produto] e elaborar um conteúdo de referência para orientar a realização de testes visando a conformidade do material a determinadas normas de ensaio. Com a ABNT [Associação Brasileira de Normas Técnicas], elaboramos as normas para identificar e classificar esse nanomaterial”, relata a química Joyce Rodrigues de Araújo, responsável pelo Laboratório de Fenômenos de Superfície e Filmes Finos (Lafes) da Divisão de Metrologia de Materiais e Superfícies do Inmetro. Ela ganhou em 2024 o prêmio 25 Mulheres na Ciência, promovido pela empresa 3M, pelo trabalho no desenvolvimento de um biografeno, produzido a partir do processamento de biomassas, como casca de arroz e bagaço de cana-de-açúcar.
Araújo explica que raramente o que se tem em produtos comerciais é a monocamada de grafeno, como a produzida na Universidade de Manchester em 2004. “O grafeno engloba uma família de compostos que diferem entre si pelo número de camadas que os constitui e o formato com os quais se apresentam”, afirma a pesquisadora. Inclui, por exemplo, o grafeno original, de uma só camada, o de múltiplas camadas e as nanoplacas de grafeno (ver infográfico abaixo).