Quase sempre ofuscado por sua persona midiática, o físico britânico Stephen Hawking, que morreu, aos 76 anos, em 14 de março depois de viver por mais de meio século com esclerose lateral amiotrófica (ELA), foi um teórico que deu contribuições importantes para o entendimento sobre a origem do Universo e a física dos buracos negros. Em 1963, ele soube que tinha a doença neuromotora, que lhe reduziria progressivamente os movimentos e o confinaria por décadas a uma cadeira de rodas. Seu período considerado o mais produtivo para a ciência são os 10 ou 15 anos seguintes ao recebimento do diagnóstico, ainda antes de adquirir fama planetária. “Até meados dos anos 1970, Hawking fez trabalhos muito sólidos”, avalia o físico George Matsas, do Instituto de Física Teórica da Universidade Estadual Paulista (IFT-Unesp). “Depois, sua produção científica ganhou tons mais especulativos.”
Hawking nasceu em Oxford e cursou física na famosa universidade local. Mas, com 20 anos, depois de formado, transferiu-se para a Universidade de Cambridge, histórica rival de Oxford, para fazer doutorado em física, mais especificamente em cosmologia. Obteve o PhD em 1966 com a tese “Propriedades de universos em expansão”. Seu primeiro trabalho de peso veio a público em 1970 em coautoria com o matemático britânico Roger Penrose, então professor do Birkbeck College da Universidade de Londres e 10 anos mais velho.
Em um artigo publicado em 27 de janeiro daquele ano no periódico Proceedings of the Royal Society A, Hawking e Penrose apontaram uma implicação da teoria geral da relatividade de Einstein, que trata a gravitação como uma propriedade geométrica do espaço-tempo. Segundo a dupla, as ideias do físico alemão levavam inexoravelmente à conclusão de que o Universo tinha de ter começado no passado distante por meio de uma singularidade gravitacional, um ponto do espaço-tempo com curvatura infinita. “Eles mostraram matematicamente que, se a seta do tempo for revertida, surgirá uma singularidade clássica”, explica Daniel Vanzella, do Instituto de Física de São Carlos da Universidade de São Paulo (IFSC-USP). Essa singularidade inicial, em que toda a matéria estaria colapsada em um ponto de densidade infinita, seria o chamado Big Bang, o início do Universo. A ideia de que houve Big Bang é anterior ao artigo de Hawking e Penrose. O que eles fizeram foi provar que a relatividade geral tornava essa singularidade inicial inevitável dentro do contexto clássico (ou seja, sem se levar em conta ingredientes quânticos).
Ainda trabalhando com a relatividade geral e o conceito de singularidade, Hawking logo em seguida, nos primeiros anos da década de 1970, dedicou-se a pesquisar um dos objetos mais misteriosos do Cosmo, os buracos negros. Os primeiros estudos do físico corroboraram a visão clássica sobre esse tema. Definidos como regiões do espaço-tempo extremamente compactas, onde a gravidade é tão forte que nada lhe escapa, nem a luz, os buracos negros emergem desses trabalhos iniciais como entidades indestrutíveis. Toda matéria ou energia que cruza o horizonte de eventos, limite que demarca a fronteira de não retorno ao redor do buraco, é sugada para seu interior. Segundo essa interpretação, a massa dos buracos negros só aumentaria e nunca poderia diminuir.
A questão se tornou bem mais complexa e tomou um rumo inesperado quando Hawking passou a levar em conta, além da relatividade geral, as ideias da mecânica quântica em suas análises e cálculos sobre a dinâmica dos buracos negros. Em um trabalho assinado sozinho publicado em 1º de março de 1974 na revista Nature, ele expôs pela primeira vez a ideia de que os buracos negros deveriam emitir partículas subatômicas, proposta teórica que viria a ser conhecida como radiação Hawking. “Enquanto um buraco negro emite essa radiação térmica, espera-se que ele perca massa”, escreveu o físico de Cambridge em seu paper. Essa radiação seria, portanto, um efeito quântico que faria os buracos negros perder energia (e massa) aos poucos. Ela seria uma evidência de que, diferentemente do que postulava a relatividade geral, os buracos negros poderiam encolher e evaporar. Ou seja, poderiam ser destruídos. “Quanto menor o tamanho do buraco negro, maior seria a temperatura da radiação emitida”, comenta o físico teórico André Landulfo, da Universidade Federal do ABC (UFABC). Como diria o próprio Hawking mais tarde, os buracos negros não seriam tão negros.
Partículas virtuais
O mecanismo responsável pela criação da radiação Hawking envolveria o que os físicos denominam partículas virtuais. O vácuo seria povoado de partículas e antipartículas, que seriam rapidamente criadas e aniquiladas aos pares. Isso ocorreria tão velozmente que, de acordo com o princípio de Heisenberg, uma das leis básicas da mecânica quântica, essas partículas não poderiam ser observadas diretamente. Daí sua definição de virtuais. No entanto, próximo do horizonte de eventos de um buraco negro, ocorreria às vezes algo especial: uma das partículas do par surgiria no interior do buraco negro com energia negativa enquanto sua companheira apareceria fora dele com energia positiva. As partículas, nesse caso, seriam reais e não virtuais. A partícula fora do horizonte de eventos seria observada no infinito como radiação térmica, a famosa radiação Hawking. A do interior levaria o buraco negro a perder energia, fazendo-o encolher. “No final desse processo, tudo se passa como se o buraco tivesse evaporado pela emissão de radiação”, explica Matsas.
Desde então, o conceito da radiação Hawking, embora nunca confirmada de forma experimental, firmou-se como uma das ideias mais importantes sobre o funcionamento dos buracos negros. Ela é considerada a maior contribuição científica do físico britânico. “Para qualquer buraco negro que deve surgir em processos astrofísicos normais, a radiação Hawking, no entanto, seria extremamente pequena e certamente não observável de forma direta por qualquer técnica hoje conhecida”, comentou Roger Penrose, hoje professor emérito da Universidade de Oxford, em artigo publicado no diário londrino The Guardian logo após a morte do colega. Matsas observa que, em outras áreas da física, foram encontrados efeitos análogos à radiação Hawking, como ondas sonoras que escapam de buracos negros acústicos, nuvens de átomos superfrios das quais o som não deveria sair.
Temas como a origem do Universo, do tempo e do espaço, e a natureza dos buracos negros continuaram presentes tanto na obra científica como nos trabalhos de divulgação, para um público mais amplo, ao longo da vida de Hawking. No entanto, novas questões, algumas de caráter mais especulativo, como as dimensões extras previstas na teoria das supercordas ou a existência de outros universos (além do nosso), também passaram a ocupar a mente do físico celebridade.
Depois do alemão Albert Einstein (1879-1955), o cientista mais conhecido do século XX, poucos físicos se tornaram tão populares entre o público leigo como Hawking. Autor de livros de divulgação da física, como o best-seller internacional Uma breve história do tempo (editora Intrínseca, 1988), que vendeu 10 milhões de cópias e foi traduzido em 40 idiomas, o britânico nunca se constrangeu em aparecer em público. Participou de seriados da televisão norte-americana, como Star Trek: The next generation e The Big Bang theory. Foi retratado no desenho animado Os Simpsons. Colocou sua voz sintetizada em duas músicas do grupo de rock britânico Pink Floyd. E sua vida foi alvo de documentários e até de um filme de cinema, A teoria de tudo, de 2014, que rendeu um Oscar ao ator britânico que o interpretou, Eddie Redmayne.
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