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CARTA DA EDITORA | 338

O novo normal

O ciclo da água é um dos primeiros conteúdos de ciências ensinado na escola. Um esquema representa a absorção da água pelas plantas, sua transpiração, a condensação, a precipitação em forma de chuva ou neve, o escoamento e a evaporação. É naquela aula que estão conceitos básicos para uma questão hoje muito preocupante: o Brasil está ficando mais seco?

A aceleração do ciclo hidrológico em decorrência do aquecimento global deixa mais intensos fenômenos climáticos como chuvas e secas. Além de assistir à expansão do semiárido, o Brasil pela primeira vez tem uma zona classificada como árida, mostra a reportagem de capa desta edição. Nosso editor de ciências exatas, Marcos Pivetta, e a colaboradora Renata Fontanetto mapeiam os mais recentes estudos que mostram que a maior parte do território nacional está ficando menos úmida, o que inclui setores da Amazônia, bioma com o maior estoque de água do país.

Rodado entre 1918 e 1920 e dado como perdido, um filme silencioso sobre a Amazônia foi localizado mais de 100 anos depois no arquivo nacional de cinema da República Tcheca. A vida do cineasta, o luso-brasileiro Silvino Santos, e a história de sua obra cinematográfica Amazonas, maior rio do mundo renderiam um roteiro, conta reportagem.

Pesquisas brasileiras em temas como Amazônia e mudanças climáticas são citadas em documentos que propõem ou analisam políticas públicas em outros países, como Estados Unidos, Reino Unido e Alemanha – mais até do que no Brasil. Levantamento feito pela FAPESP procura mostrar o impacto desses estudos fora da academia: além dos citados acima, artigos assinados por autores de instituições científicas do estado de São Paulo também se distinguem em temas como doenças tropicais e alimentos ultraprocessados.

Foi um pesquisador brasileiro na área da nutrição, o médico epidemiologista Carlos Augusto Monteiro, que apresentou em 2009 a ideia de que o grau de processamento dos alimentos poderia contribuir para o ganho de peso. Seu grupo propôs a classificação Nova, composta por quatro categorias: alimentos não ou minimamente processados, ingredientes culinários processados, alimentos processados e os ultraprocessados. Os últimos são formulações de compostos químicos, e não propriamente alimentos, criados artificialmente para serem baratos e de sabor intenso.

Em entrevista, Monteiro fala sobre o impacto dos ultraprocessados na saúde. Trabalhos de seu núcleo mostraram que a ocorrência de obesidade é maior em quem tem uma dieta rica nesse tipo de alimento, o que foi corroborado por estudos de longo prazo conduzidos por outros grupos. O epidemiologista é o pesquisador brasileiro com os artigos científicos mais citados em 2023, segundo um ranking internacional.

A OMS anunciou, em março, resultados do levantamento que apontam a existência de mais de 1 bilhão de obesos no mundo. As conclusões desse trabalho, que envolveu 1,5 mil pesquisadores, incluindo brasileiros, foram publicadas em artigo no periódico científico The Lancet. Elas indicam que a obesidade na população adulta cresceu em quase todos os 190 países investigados, em média dobrando entre as mulheres e triplicando entre os homens. O mundo caminha, segundo Monteiro, para um cenário em que a obesidade, uma doença crônica e de causas múltiplas, deve se tornar o novo normal.

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