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Carreiras

Ócio criativo

Hobbies podem aumentar a produtividade e aprimorar a capacidade de inovar

Bernardo França

Quando não está em um dos laboratórios do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP) envolvida em pesquisas sobre a resposta do sistema imune à leptospirose, a biomédica Lourdes Isaac está tecendo colchas e tapetes, cuidando do jardim ou cozinhando. Ela explica que essas atividades lhe permitem se desligar da rotina estressante na universidade. “Muitas vezes nossos objetivos de estudo são abstratos ou podem demorar para se concretizar”, diz. “Com a tecelagem, após alguns dias, um emaranhado de fios lineares se transforma em um tecido com textura e cores que não existiam, o que é bastante gratificante.”

No início, ela conta que se sentia culpada por ter interesses não relacionados à prática científica. “Com o tempo percebi que poderia encaixá-los à minha rotina.” Como Lourdes, muitos cientistas têm dificuldade de se afastar das demandas envolvendo as atividades de docência e pesquisa e investir em interesses pessoais. Em média, os pesquisadores chegam a trabalhar 80 horas por semana, sem pausa nos fins de semana e feriados. A conclusão é de um levantamento feito pela revista Nature em 2016. No entanto, nos últimos anos, estudos apresentaram evidências indicando que a busca por satisfação em atividades de lazer praticadas regularmente pode ajudar a aliviar o estresse mental, melhorar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal, aumentar a produtividade e aprimorar a capacidade criativa dos pesquisadores, auxiliando-os no desenvolvimento de soluções inovadoras para suas investigações.

Bernardo FrançaOs achados apresentados no estudo da Nature estão alinhados aos resultados de dois outros trabalhos. Um deles, publicado em agosto de 2012 na revista Psychological Science, verificou que o investimento em novas atividades de lazer pode contribuir para o aperfeiçoamento da capacidade de resolver problemas, estimulando a criatividade e insights sobre novas abordagens ou detalhes negligenciados. Essas práticas também permitem aos pesquisadores encontrar satisfação em concluir projetos pequenos.

Outro estudo, publicado quatro anos antes no Journal of Psychology of Science and Technology, constatou que os ganhadores do prêmio Nobel são quase duas vezes mais propensos a praticar passatempos relacionados às artes ou a trabalhos manuais do que outros integrantes da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos ou da Royal Society, do Reino Unido. O estudo tomou como base dados publicados em autobiografias, biografias e obituários dos pesquisadores. “Forçar o cérebro a desempenhar atividades não relacionadas às tarefas de pesquisa pode ajudar a ampliar a flexibilidade cognitiva”, afirmou à Nature o psicólogo Dean Simonton, da Universidade da Califórnia em Davis.

“A tecelagem me ajuda a pensar e a avaliar com mais calma alguns fatos recentes envolvendo minhas pesquisas”, corrobora Lourdes. Outro benefício da prática de atividades criativas é a possibilidade de oferecer à mente uma pausa do rigor exigido em laboratório, por exemplo. Não raro, os pesquisadores também precisam lidar com questões administrativas relacionadas à coordenação e planejamento dos trabalhos em equipe, preenchimento de relatórios e elaboração de novas propostas de financiamento para os projetos. O desgaste físico e mental resultante pode desencadear “bloqueios criativos”, quando não é possível encontrar solução para determinado problema e avançar na reflexão científica.

Busca por satisfação em atividades de lazer pode ajudar os pesquisadores a aliviar o estresse mental e melhorar o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal

Simonton explica que a sinergia de ideias por vezes se dá acidentalmente. “Não é óbvio em um primeiro momento como o interesse pela pintura pode ser útil para um astrônomo”, explica. “Contudo, o caminho para se ter insights inovadores exige que os pesquisadores reúnam um conjunto amplo e articulado de conhecimentos e experiências diversas.” Qualquer passatempo pode ser útil. O ecólogo Thomas Lewinsohn, do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp), por exemplo, aproveita pequenas brechas nas atividades de campo, ou quando está na praia, para fotografar (ver Pesquisa FAPESP nº 248). Por 20 anos, o geneticista Peter Pearson, do Instituto de Biociências (IB) da USP, dedicou-se à construção de um veleiro na região de Ilhabela, litoral paulista (ver Pesquisa FAPESP nº 264).

A prática de esportes também é uma opção. Em meio ao trabalho em seu consultório odontológico, nas atividades de pesquisa no IB-USP ou em Minas Gerais como bioantropólogo, Rodrigo Elias de Oliveira costuma correr, remar e pedalar. “O esporte me ajuda a espairecer, colocar a cabeça no lugar e relaxar”, diz. Pelo menos três vezes por semana ele dedica algumas horas do seu dia à bicicleta ou à canoagem na raia olímpica da USP. “Além de desanuviar questões profissionais e pessoais, o esporte me ajuda a manter o preparo físico, fundamental para as horas de trabalho intenso no consultório, no laboratório ou em campo”, explica.

Bernardo FrançaDesde 2015 a dentista Luciana Saraiva, da Faculdade de Odontologia da USP (FO-USP), faz natação. “Quando estou na piscina, tento não pensar em nada”, comenta. “Mas, às vezes, reflito sobre meus problemas na FO-USP, ponderando sobre o que fazer em cada situação.” Ela conta que já teve insights sobre títulos de trabalho, parcerias de pesquisa ou novas abordagens para estudos em desenvolvimento enquanto dava braçadas na piscina. A prática de esportes, sobretudo o ciclismo, também está na rotina do músico Rogério Moraes Costa, pesquisador do Departamento de Música da Escola de Comunicações e Artes da USP. “Por trabalhar com música, algo que é muito prazeroso, muitas vezes tenho a impressão de que trabalho e hobby se confundem. Mas, obviamente, não é bem assim”, ele conta. “Meus passatempos estão ligados ao ciclismo, às leituras e à prática de piano e saxofone, sem fins acadêmicos, mas que por vezes se conectam, mesmo que indiretamente, com o meu trabalho.”

Apesar dos benefícios já demonstrados pela ciência, nem sempre é fácil encontrar tempo para desenvolver um hobby. Para estimular os pesquisadores a investir em atividades de lazer, no ano passado a Academia de Ciências Médicas do Reino Unido lançou a campanha “MedSciLife”. A ideia é divulgar histórias de pesquisadores que criam ou participam de atividades não estritamente acadêmicas (medscilife.org/). “Antes de começar a nadar, não tinha tempo para nada”, comenta Luciana. “Levou alguns anos até conseguir adequar a natação aos meus horários na universidade. Hoje, só falto por recomendação médica.”

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