Em 15 meses de operação, o Laboratório de Microscopia Eletrônica (LME) de Campinas, tornou-se um recurso precioso para 80 pesquisadores de 55 grupos em todo o país: os estudos ali desenvolvidos já resultaram na publicação de 36 artigos e cerca de 80 apresentações em conferências. Integrante da estrutura aberta a multiusuários do Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS) do Ministério da Ciência e Tecnologia, o LME foi recentemente avaliado por um comitê científico internacional a pedido da FAPESP. O comitê considerou excepcional a produtividade e qualificou os trabalhos ali feitos como “de máxima qualidade científica”.
Um desses trabalhos recebeu em outubro o prêmio de Melhor Tese de Doutoramento da Sociedade Brasileira de Física (SBF). Foi o de Daniela Zanchet, engenheira química pela Universidade Federal do Paraná e com doutorado pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), que construiu e caracterizou novos tipos de cristais de ouro. Daniela, de 28 anos, seguiu para o pós-doutorado no Departamento de Química da Universidade da Califórnia em Berkeley, Estados Unidos.
De primeira linha
Para equipar as cinco salas do laboratório, a FAPESP investiu US$ 1,9 milhão em equipamentos. O mais importante é o microscópio de transmissão por feixe de elétrons, cuja resolução chega até 0,17 nanômetro – o nanômetro é a milionésima parte do milímetro -, ou menos que a distância entre dois átomos vizinhos, na maioria dos materiais. Único da América do Sul, o potentíssimo aparelho amplia uma imagem até 1,5 milhão de vezes. Com ele, se conseguem imagens precisas da posição dos átomos, o que permite ver como eles estão arranjados. Na sala onde fica o equipamento, a temperatura é mantida sob controle rigoroso e as paredes são revestidas com material à prova de vibrações sonoras.
Mais duas salas abrigam microscópios de varredura: com resolução de 1,5 ou 3,0 nanômetros, ampliam imagens até 300 mil vezes, o bastante para identificar a morfologia de grãos ou partes de um material. Na sala onde do laboratório de preparação de amostras ocorre uma parte básica da pesquisa: para a análise em microscópio, o material é submetido a técnicas específicas, conforme o estudo pretendido. Essa avançada infra-estrutura trouxe um grande benefício: já se pode tocar trabalhos de ponta em ciência dos materiais sem precisar ir ao exterior, o que dificultava ou até inviabilizava muitas pesquisas.
“Atualmente, grande parte das pesquisas depende de análises microscópicas desse tipo. Para entender as propriedades físicas e químicas dos materiais, é preciso visualizar as estruturas no nível dos átomos”, diz o coordenador do LME, Daniel Ugarte. Com as ferramentas do laboratório, pode-se acompanhar, em pé de igualdade com os centros mais avançados do mundo, a tendência geral de miniaturização gerada pela microeletrônica, que parece estender-se a toda a ciência de materiais.
Montado em menos de um ano, “tempo recorde para um complexo desse porte”, segundo Ugarte, o LME funciona como centro de apoio aberto a pesquisas acadêmicas ou empresariais. Só um quarto dos trabalhos já publicados é da própria equipe do LME. Gratuito para pesquisas acadêmicas, o uso do laboratório não envolve grandes formalidades – basta submeter um projeto à coordenação do LME -, mas exige que o iniciante passe por treinamento, em geral de uma semana para o microscópio eletrônico de varredura e de dois meses para um microscópio de transmissão.
Centro de formação
O LME, contudo, não foi criado para prestar serviços, como fazem outros laboratórios: “Oferecemos as ferramentas e ensinamos a manuseá-las, mas todo o resto fica por conta do pesquisador.” Essa filosofia que Ugarte implantou permite ao laboratório funcione com equipe mínima – só quatro funcionários contratados, além de um estudante de doutorado e um pós-doutor -, mas seu principal objetivo é formar profissionais qualificados em microscopia eletrônica. Além do treinamento, Ugarte faz palestras em todo o país e ministra cursos na Unicamp – o LME já treinou, por exemplo, 40 alunos de pós-graduação.
Juan Carlos Gonzalez Pérez, do Instituto de Ciências Exatas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), ficou um mês e meio no LME para obter imagens necessárias a sua tese de doutorado, sobre multi camadas de pontos quânticos autoconstruídos com arsenetos de índio e de gálio. “O apoio do pessoal do LME foi fundamental”, diz Wagner Nunes Rodrigues, orientador da tese de Pérez, cujo objetivo é produzir sistemas de objetos chamados “pontos quânticos”, que medem algumas dezenas de nanômetros. Esses objetos, que se comportam como “átomos gigantes”, ou “átomos” compostos de átomos, poderão ser usados para construir lasers mais estáveis à temperatura ambiente, além de servir como memórias.
Contar com a estrutura do LME na preparação das amostras foi fundamental para concluir a pesquisa, salienta Rodrigues: “Preparar esse tipo de amostra para microscopia não é simples, pois exige equipamentos especiais, nem sempre disponíveis em outros laboratórios de microscopia do Brasil”. As imagens obtidas ajudaram a compreender melhor o sistema de produção de pontos quânticos e deram subsídios à continuação dos estudos, o que envolveu também o uso da luz síncrotron disponível no LNLS.
Magnetismo de liga
Outro usuário regular do LNLS é Marcelo Knobel, do Instituto de Física da Unicamp. Desde 1990 ele estuda o magnetismo em nanocristais, partículas cristalinas que medem de 5 a 50 nanômetros. Recentemente, ele usou o microscópio de transmissão do LME para caracterizar a estrutura atômica de uma liga de ferro, zircônio, cobre e boro conhecida como Nanoperm. “Essa liga, que foi descoberta por pesquisadores japoneses, tem características magnéticas muito superiores às dos materiais comuns existentes no mercado”, explica Knobel. Por ser facilmente magnetizável e desmagnetizável, poderia ser usada em núcleos de transformadores, cabeçotes de gravação magnética, sensores de campo magnético, transdutores e blindagem magnética.
O estudo da estrutura das nanopartículas presentes na liga permitiu conhecer melhor os mecanismos responsáveis por suas propriedades magnéticas. Como essas propriedades se relacionavam ao aquecimento a que a liga era submetida no processo de fabricação, foi possível testar outros métodos de tratamento térmico. A novidade da pesquisa foi usar uma corrente elétrica para tratar o material, o que permitiu taxas de aquecimento maiores que as obtidas em fornos convencionais. Com isso, houve maior controle sobre a formação das nanoestruturas, o que possibilitou a otimização das propriedades magnéticas do material. A própria equipe do LME desenvolve uma pesquisa importante em física de materiais nanoestruturados: Ugarte investiga as propriedades estruturais e elétricas de nanofios (fios tão finos que podem ser constituídos de uma simples fileira de átomos), para aplicação em diminutos sistemas eletrônicos.
Ele esclarece que propriedades como a condutividade e o isolamento de eletricidade podem ser substancialmente alteradas quando se reduz o material a um tamanho ou espessura de alguns átomos. Um material como o óxido de silício (similar a um vidro convencional), por exemplo, é um bom isolante elétrico, mas pode não apresentar a mesma propriedade isolante quando usado em filmes muito finos (1,5 nanômetro ou de 4 a 5 camadas atômicas). Esse fato impõe um limite inferior à miniaturização dos circuitos eletrônicos com a tecnologia atual baseada em silício.
Expansão
Além de pesquisas de Física, a maioria, há muitos trabalhos de Química, Engenharia, Geologia e Odontologia no LME. Ugarte prevê o crescimento do número e da complexidade das pesquisas quando o laboratório tiver outro microscópio, conhecido pela sigla FEG-TEM (microscópio eletrônico de transmissão esquipado com um canhão de elétrons por efeito de campo), específico para análises químicas e espectroscópicas em regiões da ordem ou menores que um nanômetro. Esse equipamento, que faz parte do projeto de expansão do LME a ser apresentado este ano, exigirá um investimento em torno de US$ 2 milhões.
A instalação do microscópio FEG-TEM, que constava do projeto inicial do LME, foi uma das principais recomendações do comitê internacional, que julgou necessária e oportuna a expansão do laboratório. De fato, o LME opera no limite da capacidade, com equipamentos que funcionam 12 horas por dia e uma fila de espera de dois meses para obter uma sessão de trabalho no microscópio eletrônico de transmissão. Embora o investimento seja grande, o comitê o considera fundamental para manter elevado o nível das atividades ali desenvolvidas.
O Projeto
Centro de Microscopia Eletrônica de Alta Resolução (nº 96/04241-5); Modalidade Programa de infra-estrutura 3; Coordenador Daniel Mário Ugarte – Laboratório Nacional de Luz Síncrotron; Investimento
R$ 38.300,00 e US$ 1.811.000,00